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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - HOSPITAIS - BIBLIOTECA
Hospital Anchieta (4-f02)

 

Clique na imagem para voltar ao índice do livroEste hospital santista foi o centro de um importante debate psiquiátrico, entre os que defendem a internação dos doentes mentais e os favoráveis à ressocialização dos mesmos, que travaram a chamada luta antimanicomial. Desse debate resultou uma intervenção pioneira no setor, acompanhada por especialistas de todo o mundo.

Um livro de 175 páginas contando essa história (com arte-final de Nicholas Vannuchi, e impresso na Cegraf Gráfica e Editora Ltda.-ME) foi lançado em 2004 pelo jornalista e historiador Paulo Matos, que em 13 de outubro de 2009 autorizou Novo Milênio a transcrevê-lo integralmente, a partir de seus originais digitados:

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Na Santos de Telma, a vitória dos mentaleiros

ANCHIETA, 15 ANOS (1989-2004)

A quarta revolução mundial da Psiquiatria

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UM MAIO: NOIVAS,  CASAMENTOS

E UMA PREFEITA - nada seria como antes, como cantava Elis

 

Foi a ação de um grupo social e político de sobreviventes de 1968 e das lutas que se seguiram contra a ditadura, de jovens que amadureceram na experiência da militância política universitária, cultural e reivindicatória, no histórico dos movimentos operários do porto e dos militantes da luta social mais intensa e arriscada, foi neste conjunto em que militou e amadureceu a prefeita Telma de Souza – uma filha de estivador que se tornou vereador, o "Joãozinho do Instituto". E de Dona Hilda, que se incorporaria à luta representando a cidade no parlamento municipal, após a cassação de Joãozinho. Detalhe: Telma continua capaz de se indignar, é este seu traço.

 

Em atos de coragem, comandou uma radical transformação da cidade, que nunca mais seria como antes – mesmo nas mãos da classe dominante para que voltaria 8 anos depois de sua posse e do governo do sucessor que fez. Esse movimento que reunificava as forças de contestação e reforma social e se uniram  e essa união deu origem a um partido político, formado a partir da oposição aos modelos então existentes das decisões de cúpula, incorporando a partir do movimento operário que renascia após o Golpe Militar de 64.

 

O novo partido de massas, na sua representação santista organizada desde 1979, consolidando-se em 1980, elegeria em 1988 uma de suas lideranças mais expressivas na cidade, que o haviam construído. Inquieta, sensível, choro fácil, extremamente capaz de indignar-se com o sofrimento alheio ("se és capaz de se indignar com o sofrimento de qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, então somos companheiros", diria Che), ela trouxe à discussão as questões fundamentais da cidadania, junto com intelectuais e setores engajados nas mudanças, velhos e novos militantes de lutas operárias passadas e presentes.

 

Telma era uma professora – pedagoga -, advogada e com pós-graduação em Psicologia da Educação, pela PUC-SP, com a extensão universitária na London University, liderança desse Partido. Ressurgia uma liderança popular que fora apagada, pela força, na cidade desde a eleição no mundialmente revolucionário ano de 1968 - a de Esmeraldo Tarquínio, cassado em 1969 e que faleceu em 1982.

 

Telma chegava à Câmara Municipal este ano, ocupando o espaço deste que foi um dos maiores líderes populares que a cidade já teve, depois de integrar diversos movimentos sociais. Na Câmara em 1982, Telma seria a terceira colocada nas eleições da Prefeitura em 1984, afirmando o Partido.

 

Seria eleita deputada estadual em 1986, prefeita de Santos, afinal, nessa crescente, em 1988 - com estreita margem, 25,5% do total dos votos, na divisão dos blocos de direita em turno único, o que existia antes da adoção do novo sistema eleitoral. Mas esta conjuntura de uma estreita margem de votos foi revertida através de um trabalho que modificaria por completo o cenário municipal, tanto que lhe daria expressão nacional e mundial nos atos que promoveu na cidade.

 

O trabalho de Telma à frente da Prefeitura fez com que, ao final de sua gestão, deixasse o cargo com 99% de aprovação em pesquisa IBOPE, 96% pelo DataFolha, elegendo seu sucessor com uma diferença de 30 mil votos, hoje em seu terceiro mandato como deputada federal. Seu governo foi marcado pela reversão de prioridades em direção aos trabalhadores e à população mais pobre, tendo desenvolvido ações como a mobilização da cidade contra as 5 mil demissões no porto do Governo Collor, em 1991 - revertendo o destino imposto à cidade pelo Governo federal no então maior pólo empregador de Santos. Suas políticas em relação à AIDS tiveram destaque nacional e mundial e Telma esteve sempre ampliando e trazendo para a ação organizada os movimentos sociais, junto com os agrupamentos defensores dos direitos humanos, mais os setores corporativos reivindicatórios de ações sociais e setores da antiga resistência armada à Ditadura Militar.

 

A feição do engajamento do corpo da cidade – sua gente – foi instrumento da ação que alcançaria estes objetivos. Um dos primeiros de seus atos foi o da humanização da assistência psiquiátrica em Santos, dando exemplos para o país. Era mais um dos fatos históricos de Santos, que teve democratizadas suas relações sociais com a criação, em sua gestão, dos conselhos municipais nas áreas da cultura, da saúde, do meio-ambiente, do patrimônio histórico, do porto e outros. Engajando as pessoas diretamente nas transformações, Telma mobilizava para a população para o resgate de direitos  e para a garantia das conquistas mesmo após o final de seu governo – quando, por exemplo, os setores conservadores tentaram fechar as policlínicas. Ela vinculara, na participação popular, o povo às suas conquistas.

 

Após uma difícil vitória eleitoral em 1988, um amplo processo de reversão de prioridades foi executado, com estabelecimento de sistemas de comunicação popular integrado a este processo, recriando o Diário Oficial do Município como órgão de imprensa divulgador das ações da Prefeitura. Era o D. O. Urgente distribuído em toda a cidade, democratizando a informação e quebrando o monopólio exercido na área. Tudo isso resultou em uma consagração popular que multiplicaria a cada eleição o apoio em termos eleitorais à titular do Governo Municipal de 1989 a 1992, Telma de Souza.

 

Que começara, no dia 3 de maio de 1989, logo após a posse desse novo Governo Municipal, ensinando saúde, vida e práticas sociais ao Brasil e o mundo. Em maio de 1989, um prefeito – aliás, uma prefeita –, ousava, humanitariamente.  E livrava a cidade de uma chaga tenebrosa, um campo de concentração. Era o mês dos casamentos – e um novo poder político comandava a cidade. A mudança das relações éticas comandou o processo devolutivo da cidadania negada aos pacientes do Anchieta, na ótica da transformação social que, naquele microcosmo, não poderia reproduzir as pressões externas: seria como admiti-las, naquele momento em que a Prefeitura assumia o comando da situação e os humanistas da Prefeitura.

 

No Anchieta, tudo foi feito com experimentalismo, sem know-how do assunto aqui, apenas o exemplo de Trieste, as lições da Itália, indispensáveis. Uma lição que superaram, aplicando e aprendendo, o dosceo docilis, tão conhecido dos mestres. Era preciso formar profissionais especializados, o que se fez no exercício prático da intervenção humanista. Esta ação fez emergir o tema da violência das instituições e da instituição da violência, admitida silenciosamente atrás dos altos muros. A cidade guarda na memória aqueles tempos de festa, de uma feliz cidade. Depois de Telma, nada mais seria como antes, como cantava Elis.