VII
A CIDADE: HISTÓRIA E AÇÃO POLÍTICA
NA SANTOS LIBERTÁRIA
"Santos, terra bifronte, libertária: minha
terra tem areias, eu amo lá ficar; o teu ar é meu todo, fui eu quem se fez teu par. Por amor, me permitam sereias, me deixem morrer neste mar... "
(poema do autor)
Cidade-irmã da cidade italiana de Trieste, de onde vem estes exemplos
de uma ação humana e solidária a partir da ação de governo, Santos está localizada na região Metropolitana da Baixada Santista e é uma cidade
situada no litoral do Estado de São Paulo, a 70 Km da Capital do Estado. Cidade de tradição libertária e revolucionária por conta dos imigrantes e
migrantes que recebeu e recebe, também por conta dos ares renovados de sua natureza bifronte ao mar, é ligada a São Paulo - a maior cidade do
hemisfério -, por rodovias e ferrovias. Tem o maior porto da América Latina, com 13 Km de cais acostável, cujo cais foi inaugurado em 1892 – um
porto explorado desde 1532, antes do outro lado da cidade, na atual Ponta da Praia, desde 1506.
Santos fez 458 anos em 2004, em se
considerando sua fundação como vila por Brás Cubas em 1546. Antes, desde 1506, foi sede de uma comunidade livre e heterogênea composta por
portugueses, espanhóis e índios, liderada por um degredado chamado de Bacharel-mestre Cosme Fernandes Pessoa. Que fora deixado em Cananéia como
degredado em 1502 – segundo o historiador Francisco Martins dos Santos, por "confabular contra o reino" português. O Bacharel comandou uma
comunidade expulsa pelos donos da terra, que aqui impuseram suas mazelas e rigores sociais, que permaneceram com seus (maus) exemplos. Ele veio para
cá, fundando no caminho núcleos que se tornaram vilas e cidades. E mantinha ativo o "Porto de São Vicente", na atual Ponta da Praia, um porto
presente em mapas internacionais da época, produzindo barcos e exportando escravos índios. Foi uma das primeiras, senão a primeira, comunidade
produtiva do país.
Elevada a categoria de Município em 26 de janeiro de 1839,
quando se comemora o Dia da Cidade, Santos – em homenagem ao dia de Todos os Santos, teria sido fundada em 1º de novembro. Tem atualmente cerca de
500 mil habitantes e um espaço geográfico de 474 Km², distribuídos entre o centro urbano localizado na ilha de São Vicente (que divide com o
município assim denominado), com área de 39,4 Km² em que vive 99% da população, com quase 11 mil habitantes por Km², sua densidade habitacional,
mais de 6 mil sub-moradias. E a área continental, do outro lado do porto, de 434,6 Km², formada basicamente por parques ecológicos protegidos pela
legislação estadual.
A cidade atrai 3 milhões de pessoas às suas praias na temporada de
verão, tendo um importante uma ampla rede turística e um passado histórico como a terra do "Patriarca da Independência" José Bonifácio de Andrada e
Silva – que tem um monumento em Nova Iorque. Santos é o lugar onde passou – e se inspirou - o imperador D. Pedro II antes de proclamar a
Independência do Brasil, em 1822. Foi neste porto, aliás, em que as lutas e conquistas de seus trabalhadores chegados de todas as partes do
país e do mundo irradiaram – se exemplares para todos os portos brasileiros, desde fins do século XIX e início do XX, como um dos três maiores pólos
da luta social brasileira nessa época.
Foi neste lugar, em que 80% dos trabalhadores eram imigrantes, em que
se conquistou as 8 horas de trabalho diárias em 1908, conquista local na cidade chamada então de "Barcelona Brasileira" - expressão brasileira do
anarco-sindicalismo, a maior expressão desta corrente, ao tempo do sindicalismo livre do início do século XX -, depois de "Porto Vermelho" e
"Moscou Brasileira", pelo empenho de seus trabalhadores e sindicatos, um dos três principais núcleos do movimento operário do país.
Santos foi uma das primeiras cidades brasileiras a conquistar o "shop
closed sistem", o mercado de trabalho da estiva, na prática mundial dos portos - os construtores da grandeza portuária, sistema regido pelo
Sindicato, coletivamente, em uma luta de há quase 75 anos. Que foi apoiada, decididamente para sua vitória nos anos 30, pelo então Secretário do
Estado da Segurança, o "tenentista" Miguel Costa - companheiro de Prestes na histórica Coluna, que atravessou o país desde 1924.
Costa veio para reprimir o movimento, mas apoiou a organização dos
trabalhadores que já atuava no cais, ajudando na conquista que desabou no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Esta cidade praiana foi a
terra de quem que fez o homem voar, no século XVIII, do Padre Bartolomeu de Gusmão. Pela primeira vez no mundo, quem criou o modelo do
aeróstato, o balão que subia aos céus. O Brasil tem o tamanho atual graças ao trabalho do irmão de Bartolomeu, o santista e diplomata Alexandre de
Gusmão – que em 1750 fez o Tratado de Madrid, com o apoio do Marquês de Pombal, redimensionando a posse portuguesa das terras brasileiras, então
reduzidas.
Terra de militantes sociais do porte de Silvério (o abolicionista,
republicano e precursor do socialismo no Brasil, fundador do Centro Socialista de Santos, em 1895) e Martins, ambos Fontes e médicos, este o poeta,
terra do fundador dos cursos jurídicos no país, o Visconde de São Leopoldo, a cidade foi a maior expressão da luta operária no início do século XX.
A que rasgaria de fato o escravagismo, que tinha apenas abolido seu arcabouço legal – cuja luta abolicionista teve aqui seus maiores momentos e
quilombos, no "Território Livre" dos escravos, como era chamada.
A escravidão foi derrubada aqui em fevereiro de 1886, antes da
Abolição, assinada pela Princesa Isabel no Brasil em maio de 1888. Santos é a terra de Rubens Paiva, o deputado federal que foi assassinado e jogado
no mar pela Ditadura Militar de 1964, de tantos como Mário Covas, cassados nesta época por denunciar a tortura institucionalizada. É a cidade
de maior número de políticos cassados no país nessa fase. Aqui se localizou a primeira greve geral do país, iniciada no porto, em 1891, em defesa
dos seus trabalhadores. Um século depois uma prefeita, a mesma que tinha feito a intervenção no Anchieta, promoveria uma outra greve geral com os
mesmos objetivos da defesa da vida, em defesa dos cinco mil trabalhadores do porto, os que foram demitidos no Governo do presidente Fernando Collor
– o que Telma reverteu, reintegrando-os ao trabalho.
Seria a mesma prefeita e a mesma cidade que ensinariam ao país
as fórmulas do programa de assistência e redução de danos às vítimas da AIDS, destacando o Brasil no mundo por essa atitude partida de Santos, cujos
projetos sociais na saúde alcançaram fama nacional e mundial. Aqui era a "Capital da AIDS", pelo maior número de contaminados; passou a ser o
exemplo nacional de políticas de combate e de assistência aos pacientes, com projeção mundial no setor. Destaque nacional também pela rede de
policlínicas que implantou, da rede de assistência social que criou, também despoluindo as praias há tanto tempo contaminadas. Santos gravou a chaga
de ser a única cidade do país a ter um navio-prisão, quando era 1964 - no Golpe Militar que vitimou o Brasil, o Raul Soares, chegado em um 24
de abril de 1964, logo após o Golpe Militar.
No Raul Soares, por suas idéias de mudança social, dezenas de
pessoas foram presas e torturadas, mantidas em degradantes condições e sujeitas a todo tipo de arbitrariedade, com graves violações aos Direitos
Humanos. Cidade que teve sua autonomia cassada por duas vezes (1948–1953 e 1969–1984), um prefeito que não deixaram ser eleito porque comunista e um
eleito e cassado por ser negro e socialista, - Leonardo Roitman, em 48; Esmeraldo Tarquínio, em 69 -, cidade que foi vitima de interventores
nomeados, mas que resistiu, Santos é este porto maior de metade do mundo, que ensinou à pátria a liberdade e a caridade. |