Selo de Brás Cubas
Imagem publicada com o
texto, página 95
Notas
1)
Enumeramos quatro sedes para a Misericórdia de Santos (pág. 28, linhas 14 a 18) sem mencionar as instalações na
casa dos jesuítas (onde está construído o novo edifício da Alfândega) e na chácara da Travessa dos Andradas. Foram de caráter provisório.
2)
Na reprodução do trecho do trabalho sobre Braz Cubas do cel. F. C. de Almeida Morais (Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo,
vol. XVIII, 1913, pág. 16-in fine) conservamos a data de 1643 como está no original. Certamente é um engano que teria escapado à revisão do autor e
da Revista. P. 35, linha 27.
3)
Recentemente, com o precioso auxílio do erudito frei Timótheo van den Broek, tomamos conhecimento de uma escritura de composição de divisas entre
Braz Cubas e Luiz de Góis. Receando desacordo futuro entre seus herdeiros, fizeram lavrar uma escritura de "contrato amigável de composição", nas
notas do tabelião público Luiz C. da Costa a 11 de março de 1545.
Nesse documento o local é designado como "povoação de
Santos". O nome da povoação era Santos primitivamente e não Porto de Santos, conforme esta escritura, a não ser que usassem as duas designações
indiferentemente. Por outro lado, a designação "Santos" demonstra a existência do hospital em época anterior a 1545. Todos os autores que se têm
ocupado do problema da fundação de Santos concordam em que a denominação da cidade proveio da que tinha o hospital da Santa Casa de Misericórdia que
se chamava de "Todos os Santos".
Eis os termos da escritura:
"Translado de auto de
demarcação de terras de Jeribaty feita por Braz Cubas e Luiz de Goes.
Saibam quantos esta escritura de demarquação virem em como
no ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quinhentos e coarenta e cinco em os onze dias do mês de março do dito ano em a povoação de Santos,
termo da vila de S. Vicente, costa do Brasil, capitania de que é Governador o Senhor Martim Afonso de Souza, em a casa de morada de braz cubas,
capitão da dita capitania pelo dito senhor em presença de mim tabelião e das testemunhas ai diante escritas digo adiante... Luiz de Goes, fidalgo
e por eles ambos foi dito E declarado que eles tinham umas terras na dita Capitania as quais partiam pelo rio Jeribaty e por que entre eles ambos
aja estreita amizade assim querem que aja entre os seus filhos e dezcendentes e por esta maneira por lhes não deixar duvidas e diferenças despois
de suas mortes ambos vão se repartir e demarcar desta maneira as ditas terras.
Que o dito Braz cubas partirá direito pelo dito rio com
todas as terras da mão direita e ele dito Luiz Goes e seus filhos pelo dito rio arriba com as terras da banda esquerda, ficando o dito rio por
marco deles e assim irãm pelo dito rio arriba até itapeira como pelas certas que eles ditos tem das ditas terras se contem mais largamente pelos
autos de medição assim sempre peguadas hu c'outros e traspaçam um ao outro qualquer acção que nas ditas bandas huvessem que sua tenção é ficar
cada hu da banda do ditto rio assim como ditto tem E em fé e testemunho da verdade mandaram ser feita esta escritura de contrato e amigavel
composição.
Testemunhas que presente foram Gpar Gonçalves Carpinteiro
(estante na dita povoação) e João Piz Palhaes morador tambem na ditta povosção (e eu) Luiz da C. Costa tabalião do publico que isto escrevi. Esye
traslado tirei do proprio que está no meu livro de notas. E aqui me pcro sinal da cruz que tal é o sinal publico".
Outra escritura da data mais anterior, isto é, de 1544, confirma a designação de
Povoação de Santos e não Porto de Santos. Esclarece, também, que em 1544 já existia hospital, por derivar o nome de Santos do que tinha o
Hospital de Todos os Santos, conforme o consenso geral.
Devemos o conhecimento desta escritura ao ilustre frei Timotheo van den Broek.
Vejamos os seus termos, pois é inédita, como as outras referidas.
"Escritura de venda que
faz Antonio da Pena a Braz Cubas, terra que foi de Domingo Pires. Maço 15. Nº 32 - Pags. 52 e 53.
Anno do Nascimento de N. S. J. Christo de 1544 aos 9 dias do mez de Abril do
dito anno em esta villa de S. Vicente - nesta dita Villa e na rua da Tapera.... apareceu hi de hua parte Braz Cubas e da outra parte Antonio da
Pena ambos moradores em a povoação de Santos termo desta villa que tudo hé dentro desta ilha, e logo pelo dito Antonio da Pena foi dito e
disse que elle vendia hora como logo de feito vendeu deste dia para todo o sempre ao dito Braz Cubas comprador hua terra que elle dito vendedor
tem nesta dita villa a qual terra está junto da povoação de Santos a qual terra elle vendedor houve por titulo de compra de hum Domingos
Pires, morador nesta dita villa de S. Vicente, e disse ele vendedor que asim e da maneira que ele comprou ao dito Domingos Pires como se veria por
a carta de venda que fez Francisco Mendes tabelião publico que foi nesta dita villa, e que asim e da propria maneira que em dita carta de venda se
contem, elle dito vendia a dita terra ao dito Braz Cubas como dito hé com todas suas novidades e bemfeitorias que na dita terra estão feitas tudo
por preço logo nomeado da quantia de 51$600 em dinheiro do contado da moeda hora corrente de 600 ao real; convem a saber desta maneira seguinte
etc. E eu Manuel Vaz tabelião do publico e judicial em esta villa de S. Vicente por o senhor Governador que este traslado tirei da nota que fica
em meu poder. Junto desta escritura vem outra de quitação que Antonio da Pena deu a Braz Cubas em que confessa estar pago do preço por que vendera
a terra. He feito em a Povoação de Santos aos 23 de abril de 1545 pelo tabelião Luiz da Costa. Nella declara Antonio da Penna que as terras
que elle vendeu a houvera de Domingos Pires, coronheiro, partem com Pascoal Fernandes".
Estes documentos confirmam e recuam a data de 1547 encontrada por frei Gaspar da
Madre de Deus na qual é mencionado o hospital como parte integrante da Misericórdia de Santos.
A escritura de 1544 estabelece de modo claro a existência do hospital em data
anterior, ou 1543.
4)
Santos - Pernambuco.
Quando iniciamos o trabalho sobre as Misericórdias solicitamos às várias
instituições brasileiras informações sobre suas origens e organização. Com esta base seriam facilitadas nossas investigações.
A Santa Casa do Recife prontamente atendeu ao nosso apelo. Enviou substancioso
memorial de 30 páginas datilografadas. É um excelente subsídio para quando tratarmos especificamente da instituição pernambucana. O primeiro
capítulo trata da "Fundação da Santa Casa de Misericórdia de Olinda". Eis os seus termos, na íntegra:
"Data a fundação da Santa
Casa de Misericórdia de Olinda desse mesmo século em que foram ali criadas, em 1576, a ordem religiosa de Santo Inácio de Loiola; em 1585 a de S.
Francisco; em 1588 a de Nossa Senhora do Carmo; e em 1595 a de S. Bento.
Consta de um trabalho apresentado ao Instituto Arqueológico e Geográfico desta
Província, por um dos seus membros, que João Paes Barreto, filho segundo de Antonio Velho Barreto, morgado de Bilheira, natural de Viana, Foz de
Lima, em Portugal, que depois se casou com d. Inez Guardez, filha de Francisco de Carvalho Andrade e de sua mulher d. Maria Tavares Guardez,
chegando a Pernambuco no ano de 1560, fundou na cidade de Olinda o hospital da Santa Casa de Misericórdia, da qual foi muitas vezes
provedor e a dotou com esmolas tão avultadas, que lhe foi concedido o padroado da sua capela-mor, na qual jaz inumado em sepultura rasa, e nela
estão gravadas suas armas porém quase apagadas; vindo a falecer naquele mesmo hospital que fundara aos 21 de maio de 1617".
A notícia desta fundação está de acordo com outros escritores.
Salvador Henrique de Albuquerque, na Rev. Inst. Hist. Geogr. Pern. (T. I,
1865, Nº 8, p. 296), tratando em uma Memoria Historica de quando teria sido edificada a Igreja da Misericórdia de Olinda, diz:
"A arquitetura da atual
igreja da Misericórdia está indicando obra de século XVII e não do anterior como deveria ter sido a primeira igreja, cujo hospital foi fundado por
João Paes Barreto, provedor ali muitos anos e que faleceu em 1617".
Conclui Albuquerque que a igreja deveria ter sido edificada em fins do século
XVI, incendiada em 1631 e reedificada dentro dos oito anos que decorreram de 1637 a 1645.
A atuação de João Paes Barreto na fundação da Irmandade parece, ainda, confirmada
pela homenagem idêntica à que teve Braz Cubas. Foi sepultado na capela mor da Santa Casa.
A verificação consta da Rev. Inst. Arq. Geog. Pern. de 1865. Nº 9, p. 349.
Entretanto, dois cronistas, F. A. Pereira da Costa (Anais Pernambucanos) e
A. A. de Luna Freire (Rev. Inst. Arq. Pern. 1896 - V. VIII, Nº 49, p.79) mencionam, talvez um copiando o outro, um auto de demarcação de
terras deixadas por Pedro Fernandes Vogado ao Hospital da Misericórdia de Olinda, em 1540.
Não conseguimos encontrar, no Rio de Janeiro, os Anais Pernambucanos.
Temos presente, porém, uma transcrição autenticada pelo presidente do Inst. Arq.
Hist. Geogr. Pern., existente no Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Santos. Não consta a data do trabalho.
O cronista Pereira da Costa transcreve uma nota que constaria do Livro do
Tombo da Freguezia de Nossa Senhora da Luz que começou a ser escriturado em 1755. O trecho refere um documento de 1540 que teria sido VISTO.
Vejamos os seus termos:
"Em 1540 já existia a
igreja de Nossa Senhora da Luz, situada como de presente se vê sobre a Muribeca. Prova-se esta antiguidade e verdade dita de uma auto de
demarcação de terras que ficaram de Pedro Fernandes Vogado que a deixara ao hospital da Misericórdia de Olinda quando ainda vila, cujas terras
então fizeram demarcar o provedor e mais irmãos da dita Misericórdia em 9 de janeiro de 1540. O original de referida demarcação se achava no
arquivo do colégio (dos jesuítas) do Recife e eu vi o translado dele passado a requerimento do sargento-mor Diogo Faldão de Sá, senhor que depois
foi do colégio, vizinho desta povoação da Luz, que foi dos padres jesuítas e por isso ainda chamado o colégio e mais antigamente chamado como
Terra das Misericórdias-Partido da Misericórdia".
Quem foi que viu o documento? Ninguém esclarece. Teria sido a data verificada e
reproduzida com exatidão, nesta reminiscência?
Se existia o documento no arquivo do convento dos jesuítas do REcife, lá ainda se
deve encontrar. Não poderia ter sido destruído pelo incêndio de Olinda, pois que a escrituração da igreja teria começado em 1755.
Somente a reprodução do original poderá nos convencer que em Muribeca pudesse
existir tal igreja em 1540, quando Olinda, a própria Olinda, ainda se achava no primeiro qüinqüênio de sua agitada formação.
O outro cronista Luna Freire cita o mesmo fato. Relata a demarcação das mesmas
terras, deixadas pelo mesmo Pedro Fernandes Vogado, no mesmo ano de 1540 e para a mesma Misericórdia de Olinda. Constaria do mesmo Livro de Tombo,
da mesma igreja da Luz.
Agora, porém, ela seria situada no "monte
das Tabocas, cuja matriz é a igreja mais antiga de Pernambuco, depois de Igarassú; de junto dessa igreja partiam as terras deixadas".
Luna Freire assinala, como vimos um pormenor; da vizinhança das terras com a
igreja da Freguesia da Luz no monte das Tabocas.
Segundo Pereira da Costa, a igreja de Nossa Senhora da Luz, em 1540, com seu
respectivo livro do tombo, iniciado em 1755, achar-se-ia em Muribeca, ao passo que Luna Freire a encravou no monte das Tabocas.
Muribeca pertence a Jaboatão. Taboca à Vitória. A Misericórdia é de Olinda.
O morro das Tabocas era sertão mais de um século depois da data em que lá teria
existido a igreja da Luz.
Conta Varnhagem no T. 3, pág. 17, da sua Historia do Brasil (Ed. Comp.
Melh.) os acontecimentos de 14 de julho de 1645, na guerra contra os holandeses. Fernandes Vieira levara as suas forças para as bandas do sertão
a uma paragem forte e defensável por natureza tal como o monte das Tabocas.
Varnhagem, que visitou pessoalmente o local, diz que ao tempo da insurreição
(1645) ali se encontravam apenas tabocas e lapas ou furnas onde os combatentes se abrigaram.
Em certo momento da luta "João
Fernandes Vieira se atemorizou (Varnhagem)
e fez promessa de ali levantar duas igrejas uma à virgem de Nazareth e outra à do Desterro".
Despenhou-se depois, como um turbilhão. Tocando "atabaques e buzina",
foi empurrando os holandeses "como por uma torrente semelhante à das lavas jorrando do cume dos
vulcões ou as grandes geleiras despenhadas do cimo das cordilheiras nevadas". Obteve vitória.
Nem uma palavra sobre a igreja de N. S. da Luz ou de suas ruínas.
É inverossímil que naquele sertão existisse tal templo no período primordial da
formação portuguesa de Pernambuco.
São perigosas as reminiscências dos cronistas. História exige documentação.
O Dicionario Topografico, Estatistico e Historico da Provincia de Pernambuco,
de Manoel da Costa Honorato, editado em Recife (Col. Tereza Cristina do I. H. G. B.) trata, na pág. 83, de "Muribeca,
freguesia situada sobre os montes Guararapes, 4 léguas a sudeste do Recife, 3 léguas de Afogados e 4 do mar".
Sobre as igrejas, diz o seguinte:
"Sua igreja
matriz é dedicada a N. S. do Rosário e tem as filiais: N. S. do Livramento, N. S. do Rosário, N. S. do Loreto, N. S. das Candeias e S. Antonio da
Barra de Jangada. Existe mais a igreja de N. S. dos Prazeres nos montes Guararapes, pertencentes aos religiosos beneditinos, e a da N. S. da
Piedade, na costa do mar, pertencentes aos religiosos carmelitas".
Não menciona qualquer outra igreja. Sobre Vitória, diz Costa Honorato:
"Vitória, município,
termo, freguesia, cidade, situada na estrada do sertão. 9 léguas a sudeste de Recife.
"Em 1625 um tal Braga fez construir no lugar onde hoje é cidade, uma capela
dedicada a Santo Antão e algumas casas em que se acomodou com sua família e parentes. Esta povoação chamou-se por algum tempo cidade de Braga; mas
perdendo o o nome de seu fundador, ficou com o do santo, ao qual ele tinha consagrado a pequena capela que edificara.
Acentua que em comemoração à batalha ganha pelos pernambucanos em suas
imediações, em 1645, sobre os holandeses, a lei provincial nº 13, de 6 de maio de 1843, elevou a vila de Santo Antão à categoria de cidade, com a
denominação de Vitória".
Nada consta sobre a igreja da Luz.
Nos trabalhos de Luis Estevão de Oliveira (Rev. Inst. Arq. Hist. Geogr. Pern.
V. XXXV, pág. 193 - 1937-38), sobre o IV Centenário da Fundação de Olinda, nada consta sobre igreja da Luz ou prioridade da Misericórdia de
Olinda. Refere-se, entretanto, à Misericórdia e à Sé, como "Catedral histórica que nascera com
a capitania".
O trabalho de S. H. Albuquerque sobre Fundação de varias igrejas (mesma
Rev. T. 1, pág. 176) descreve apenas as que surgiram depois da restauração de Pernambuco.
Luna Freire, discorrendo sobre a Fundação de Olinda (mesma Rev. V. IX. Nº
51, pág. 135) refere várias igrejas mas não menciona a da Luz nas Tabocas, ou em Muribeca.
Artur Muniz (mesma Rev. T. XIII. Nº 73, pág. 248), dissertando sobre
acontecimentos históricos de Pernambuco, nada menciona sobre a igreja ou a Misericórdia.
Em resumo, foram infrutíferas nossas buscas no sentido de esclarecer a existência
dessa igreja, na época apontada. Negativas, também, foram as pesquisas sobre a presença, em época anterior a 1540, de Pedro Fernandes Vogado em
Pernambuco. Este nome Vogado não aparece na Primeira Visitação do Santo Oficio às partes do Brasil, de autoria do licenciado Heitor Furtado
de Mendonça - Denunciações de Pernambuco - 1593-1595.
Se já tivesse morrido, não teria deixado herdeiro com este nome e com
interferência nos negócios do Santo Ofício. Este nome não figura, também, no Dicionario Bibliografico Portuguez de Inocencio Francisco da
Silva, que abrange o Brasil, nem no Dicionario Bibliografico Brasileiro de Sacramento Blake.
Em conclusão, podemos dizer que enquanto não for exibido o documento de
demarcação de terras, datado de 1540, com as referências sobre a Misericórdia, em seu original ou cópia fotográfica autenticada, não há razão para
se acreditar no que referiram os dois cronistas Pereira da costa e Luna Freire, sem prova documental, e de modo tão diverso e tão difícil de
admitir.
No estado atual dos nossos conhecimentos históricos, a Santa Casa de
Misericórdia de Santos, fundada por Braz Cubas, é mais antiga do Brasil.
Constituiu-se em Irmandade possuidora de igreja e hospital. Provavelmente é,
também, a mais antiga da América do Sul.
5)
Serafim Leite, nas Paginas de Historia do Brasil (Brasiliana) pgs. 204 e 206 dedica um trecho à Santa Casa do Rio de Janeiro, reproduzido na
Historia da Companhia de Jesus no Brasil (T. II, pág. 577).
Por inadvertência, esta referência não constou do
capítulo em que discutimos as datas de fundação das Misericórdias de Santos e Rio de Janeiro.
O historiador jesuíta, citando Capistrano de Abreu, diz concordar com seu parecer
de que é "mais provável que a Misericórdia (do Rio de Janeiro) existisse desde o começo da
cidade". A citação de Capistrano (ref. de S. Leite) está no trabalho do padre J. M. de
Madureira (Rev. Inst. Hist. Geogr. Bras. - T. Especial V. IV - 1927 - pg. 24-25).
Madureira menciona os autores que afirmam a atuação de Anchieta na fundação da
Misericórdia do RIo de Janeiro: Brasilio Machado, barão de Studart, José Vieira Fazenda e frei gostinho de Santa Maria. Em seguida reproduz a
seguinte opinião de Capistrano:
"É muito provável, no Rio,
como alhures, se fundasse a casa de misericórdia - desde o começo e não se esperasse quinze anos para começar".
Anchieta estaria no Rio apenas "de
passagem, ao contrário de Nóbrega, primeiro reitor do Colégio".
Serafim Leite aponta dois argumentos contrários à atuação de Anchieta na fundação
referida.
Primeiro: As forças armadas de Flores Valdez, tendo chegado ao Rio de
Janeiro, a 25 de março de 1582, "os confrades da Misericórdia (Sarmiento), deste povo (Rio)
receberam os doentes etc.". Logo, já existiria a Misericórdia.
Segundo: Uma carta ânua, inédita, assinada pelo próprio Anchieta, ao se
referir ao Rio de Janeiro e aos acontecimentos ocorridos com a armada de Valdez, assinala que o povo e em particular os índios das aldeias
construíram casas para os doentes, porque os mesmos não cabiam no hospital - "não caberem no
hospital" - conforme a expressão, transcrita entre aspas por Serafim Leite.
Conclui S. Leite:
"Existia, portanto, o
hospital e a Misericórdia do Rio de Janeiro antes de 1582, ano em que chegou Flores Valdez.
Desde quando? Cremos que a Misericórdia seja coeva da fundação da cidade", como
ocorreu com Santos e Bahia, acrescenta.
S. Leite, a seguir, menciona uma referência de Duarte Nunes e Almeida (Alm. Hist.
Rev. Inst. Hist. Bras. T. XXI, págs. 145-146) sobre a fundação da S. C. de Misericórdia do Rio de Janeiro. Nas Paginas de Historia do
Brasil (Brasiliana - Pag. 206), S. Leite, baseado em Duarte Nunes, diz: "Aliás consta que a
Misericórdia do Rio de Janeiro já existia, pelo menos em 1570". Na H. da Companhia, pág.
578, citando o mesmo Duarte Nunes, o historiador jesuíta é afirmativo quando assevera: "Quanto
à Misericórdia do Rio de Janeiro, já existia em 1570". Mais seguras foram sa palavras das
Paginas de Historia do que as da Companhia.
Realmente, Nunes obtém as datas de 1568-1569, por simples dedução ou conjectura,
tirada de uma petição dos Irmãos e alvará do rei (assunto discutido no texto). Eis o que diz Duarte Nunes:
"Como no arquivo desta
casa (S. C. Mis. R. Jan.) se não acham documentos que mostrem decisivamente a época de sua fundação, citarei o requerimento que o provedor e mais
irmãos fizeram a Sua Majestade e juntamente o alvará pelo qual lhes foram concedidos privilégios e regalias da Casa de Misericórdia de Lisboa que
sem embargo de não corresponder a data do dito alvará ao cumpra-se que teve nesta cidade, contudo devo supor engano de quem o lavrou,
porque computando-se a era da fundação da cidade em 1567 com a do Cumpra-se do Alvará em 1630 vem-se a conhecer que são (com pouca
diferença) os 60 anos da posse que alegam no requerimento e daqui infiro que a criação desta casas principiou logo deois da fundação da cidade em
1568 ou 1569, porque a diferença que há seria demora que teve o requerimento em ir a Lisboa e voltar"
Nunes baseia-se, portanto, em simples hipóteses.
Para Serafim Leite, nenhuma intervenção tiveram os jesuítas na fundação do H. da
Misericórdia do Rio de Janeiro. Não quer atribuir aos "jesuítas glórias incertas, se lhes
sobejam as verdadeiras". Além disso, não seria Anchieta o responsável, pois Nóbrega era o
superior do Rio (1567-1570) e o reitor do colégio era o padre Pero Toledo. Por este testemunho, não cabe a Anchieta este benefício. Não desmerecerá
sua memória, tantos prestou ele ao Brasil de que foi Apóstolo.
6 -
Na sua viagem da Bahia a S. Vicente, o padre Leonardo Nunes, transportando índios que conseguiu libertar,
aportou em Espírito Santo. A descrição da viagem e respectivos acontecimentos consta de sua carta de 1550 publicada nas Cartas Avulsas,
editadas pela Academia Brasileira de Letras. Em Espírito Santo, o jesuíta hospedou-se com o vigário por não haver ali hospital.
Depois, quando chegou à vila de Santos, teve se alojar em uma casinha, por não
haver, também, hospital.
Não é lógico admitir que estando todos com saúde, pretendesse o jesuíta
instalar-se em casas de assistência a enfermos, para as quais a Companhia, aliás, nunca contribuiu para organização e manutenção.
Parece evidente que padre Leonardo Nunes, em ambos os casos, empregou o vocábulo
hospital no seu verdadeiro sentido latino de hospedaria. Era do que ele e seus companheiros precisavam. |