O novo hospital prestará atendimento a particulares e atenderá a convênios
Foto: Irandy Ribas, publicada com a legenda e a matéria
COMEMORAÇÃO
Santa Clara, o novo hospital da Beneficência
Nilce Gonçalves da Silva
O tradicional portão de ferro da antiga sede da sociedade,
trazido especialmente da Rua Aguiar de Andrade, no Paquetá, e encimado pelo brasão da bandeira de Portugal, vai abrir-se
para uma nova fase da Sociedade Portuguesa de Beneficência, no próximo dia 10 de março: a inauguração da primeira etapa do hospital novo, com
entrada pela Rua Monsenhor Paula Rodrigues. A escolha do histórico portão não foi mero acaso, mas um modo de manter presentes as amarras que ligam a
entidade a um passado de lutas e idealismo, desde aquele longínquo 21 de agosto de 1859, quando se reuniram 20 portugueses dispostos a criar uma
entidade que acolhesse os compatriotas enfermos e indigentes.
É com esse mesmo espírito e em homenagem ao idealismo daquele grupo de imigrantes, e de todos
quantos os seguiram, que se inaugurará em março o novo hospital, batizado de Santa Clara e, ainda em fevereiro, o Núcleo Infantil de Lazer Santo
Antonio, na esquina das ruas São Paulo e Monsenhor Paula Rodrigues. Ambos, no mesmo terreno de 40 mil m² que desde 1923 é o "quartel-general da
colônia portuguesa e um marco das realizações dos imigrantes", como gosta de definir o atual presidente da sociedade, Paulo Roberto Pires.
Mas se a entidade se prepara para entregar duas novas obras à comunidade, o que vem fazendo com
regular freqüência, não quer dizer que não lute com dificuldades. Ao contrário. E Paulo Pires associa essa realidade não apenas à crise que o País
atravessa e suas naturais conseqüências na área da Saúde, mas também a um certo distanciamento da colônia da vida da entidade.
"Os portugueses e seus descendentes, em grande parte, só se lembram do hospital em algum momento
doloroso, quando precisam dele, mas a sociedade necessita da colaboração de todos sempre, pois a única forma de manter a qualidade dos serviços é
através dessa participação", define o presidente. A Sociedade Portuguesa de Beneficência, ou a Beneficência - como a comunidade se habituou a
chamá-la - vive hoje da venda de títulos (e já soma 5 mil sócios) e de doações da comunidade.
Uma fundação - A necessidade de ampliar e aprimorar serviços e a rotina das dificuldades
financeiras obrigaram a diretoria a pensar no que Paulo Pires chama de "a Beneficência do futuro". Isso inclui a criação, dentro de alguns meses, de
uma fundação para gerir as atividades da entidade e de todos os serviços a ela subordinados: o Hospital Santo Antonio, para atendimento através do
Inamps; o futuro Hospital Santa Clara, para convênios e particulares; Hospital Psiquiátrico; Residencial para Idosos e o Serviço de Luto.
"A fundação nos ajudará a criar condições para que o hospital possa navegar acima das turbulências
e das tempestades da economia brasileira. Trata-se de assegurar a sobrevivência da sociedade, que não tem dono, pertence à comunidade", esclarece
Paulo Pires. A diretoria quer que a entidade seja autônoma e, se possível, sem depender da verba dos governos. "A receita é simples: um hospital
filantrópico não objetiva lucros, mas bons serviços, e isso será possível cobrando de alguns, que podem pagar, para favorecer aqueles que não têm as
mesmas condições. É do que estamos tratando na Beneficência", arremata o presidente.
O refeitório do núcleo infantil reproduz o ambiente de lanchonetes modernas
Foto: Irandy Ribas, publicada com a legenda e a matéria
Núcleo infantil, a próxima etapa
O Hospital Santa Clara e o Núcleo Infantil de Lazer Santo Antônio logo entrarão em funcionamento.
O hospital - na realidade os três andares de um dos dois prédios de seis pavimentos que formarão o conjunto - iniciará as atividades com um centro
cirúrgico completo e mais 180 leitos, divididos em cinco unidades de internação com 18 apartamentos em cada uma delas, agora em fase de acabamento.
"As dificuldades são muitas, a situação da Saúde no Brasil é lamentável, mas o ideal de construir
alguma coisa de melhor nos empurra para a frente", explica Paulo Pires. E conta que essas dificuldades muitas vezes obrigaram a diretoria a usar a
verba destinada à construção do novo hospital (iniciada há três anos) para garantir a continuidade do atendimento no Hospital Santo Antônio.
Como tudo o que se faz na Beneficência, o hospital é resultado das contribuições da colônia
portuguesa e seus descendentes. Nos apartamentos, com acabamento em fórmica, além de geladeira, há televisão, telefone e adaptações para todo o
equipamento de emergência. O conjunto ainda dispõe de copa e unidades de isolamento.
As obras do hospital enfrentam as mesmas dificuldades de uma construção comum, desde a falta de
verbas até a demora na entrega do material, mas isso não desanima a diretoria. "Até o
final do ano, com sorte, concluiremos todo o prédio. Em funcionamento, estas novas unidades nos darão fôlego financeiro para tocar as demais
atividades da sociedade", avalia Paulo Pires.
Para as crianças - O Núcleo Infantil de Lazer Santo Antônio é um exemplo do que o trabalho
daqueles que se dedicam à sociedade pode criar. AInda sem data de inauguração, ele vai receber 50 crianças, com idade entre 4 meses e 5 anos e 11
meses, que lá terão todos os cuidados, alimentação e atividades de recreação. O centro de convivência, em fase de acabamento, é destinado aos filhos
das funcionárias da Beneficência e lá permanecerão, gratuitamente, durante o expediente de trabalho das mães, compreendido entre 7 e 19 horas,
diariamente.
Várias vagas serão abertas também ao público, exclusivamente para mães que trabalham fora, mas
delas será cobrada uma taxa mensal equivalente aos preços de mercado. As mães poderão optar por meio período ou jornada completa. Inscrições estão
sendo aceitas no Departamento de Pessoal da Beneficência, no horário comercial.
À frente desse trabalho está um grupo de senhoras que há anos dedicam parte de seu tempo à
Beneficência. Nilza Custódio Amado Costa, advogada, é quem acompanha de perto as obras do núcleo. Foi ela também quem idealizou suas dependências e
trata da contratação de pedreiros e compra do material.
A Beneficência não tem gasto nenhum. Toda a verba foi arrecadada com o material vendido no bazar
do hospital, um ponto de vendas sazonal, que tanto oferece refrigerantes, doces e salgadinhos, como acompanha as datas mais marcantes do ano,
vendendo chocolates na Páscoa, lembranças para o Dia das Mães e assim por diante. "Durante muito tempo, recolhemos esse dinheiro para pequenas
obras, como a reforma da capela ou aplicação de cascolac em algumas dependências. Depois, vislumbramos a possibilidade de fazer algo mais
abrangente, e surgiu o núcleo infantil", conta Nilza Amado Costa.
Pesquisa - Não foi um trabalho fácil. Ele começou com muitos levantamentos em creches da
Capital. Nilza Amado Costa freqüentou dois cursos específicos na Universidade Católica de Santos, enquanto acompanhava o andamento das obras. A
dentista Carolina Cap Dell"Artino, Lourdes Maria Correia Gomes e Iris Neide Ciaglia, suas companheiras no empreendimento, ainda dividem com ela esse
trabalho de voluntariado.
O núcleo foi projetado para ter dois pavimentos, mas o superior aguardará uma nova etapa de obras.
Agora, ele terá um berçário (com local de estimulação e amamentação); 2 salas de atividades e repouso; uma sala de multimeios (miniteatro,
brinquedos); recepção, sala de serviço social (secretaria), lavabo externo, lactário, vestiário, lavanderia, sanitários (adaptados para as crianças)
e até um refeitório que repete as instalações das lanchonetes da moda.
Depois de inaugurado, o Núcleo Infantil será mantido pela Beneficência Portuguesa.
Paulo Pires, mantendo a tradição
Foto: Irandy Ribas, publicada com a legenda e a matéria
Patrimônio feito de idealismo e muitas lutas
"Nos primeiros dias do friorento mês de
agosto de 1859, espalharam-se, pela cidade, circulares subscritas por dois portugueses: José Joaquim de Souza Airam Martins e Joaquim José da Costa
e Silva. Convidavam-se todos os compatriotas para uma reunião, onde se tratariam assuntos da mais alta relevância, em benefício e proteção da
colônia, e marcava-se o dia 21, porque, nesta data, ocorreria o aniversário natalício de Sua Majestade D. Pedro V, Rei de Portugal, o Muito Amado.
Nesse dia, às cinco horas da tarde e na casa de número 20 da Rua Direita, onde residia Airam Martins, reuniram-se vinte
portugueses, dos principais da cidade, que atenderam ao convite".
Começava, assim, a história da Sociedade Portuguesa de Beneficência, como documenta o escritor
Jaime Franco em seu livro A Beneficência - Memória Histórica da Sociedade Portuguesa de Beneficência e Contribuição para a História de Santos.
Essa obra mostra, em riqueza de detalhes, a difícil luta da colônia portuguesa para criar, preservar e ampliar as atividades da sociedade, de início
um ponto de convergência para os imigrantes aqui chegados para ajudar na procura de "...emprego
honesto para os sócios que não o tivessem; prestar alimento aos patrícios indigentes que não pudessem trabalhar e sustentar-se; socorrer os enfermos
privados de recursos..."
O hospital viveu fases distintas nesses mais de 130 anos, desde a primeira caracterização da
entidade, quase um grêmio, que funcionava para a proteção do imigrante português. A segunda fase teve início em novembro de 1861, quando a entidade
assinou contrato com a Santa Casa da Misericórdia (no prédio antigo) para a implantação de um quarto no hospital, para o atendimento médico aos
sócios.
Enquanto os santistas ainda rumavam para engrossar as trincheiras da guerra contra o Paraguai, em
1867, a Beneficência recebia, em doação, casa e terreno em um local denominado "Bexiguentos", no Paquetá, hoje Rua Aguiar de Andrade, para a
edificação do hospital há muito almejado. Doou a área o comendador Antônio Ferreira da Silva. É o portão deste hospital pioneiro que em março se
abrirá no Hospital Santa Clara.
Prédio histórico - O antigo hospital multiplica suas atividades e importância na mesma
medida em que se intensifica a imigração portuguesa para Santos, especialmente nas décadas de 10 e 20. E em 1919, o então presidente, José da Silva
Gomes de Sá, liderou a campanha pela construção de um novo hospital e conseguiu, com a ajuda da colônia, a compra do terreno formado pelo
quadrilátero das ruas Monsenhor Paula Rodrigues, São Paulo, Joaquim Távora e Avenida Bernardino de Campos.
A Tribuna documentou o feito, assim como a solenidade de 1º de dezembro de 1926, para
inaugurar o novo prédio da Beneficência, em estilo barroco português. Muitos colaboraram para esse momento. Agostinho Sobreira de Campos, um
português de 85 anos e boa memória, além de colaborador também, lembra dos proprietários de casas de exportação e importação que contribuíram para a
data histórica: Bento de Souza e Cia., João Jorge Figueiredo, Ferreira de Souza e Cia., Souza Santos e Cia., Antonio Mota e Cia., C. Costa Fontes e
Cia., Lucas Simões e Cia., Artur Pinto de Souza e Cia., Ferreira Laje e Cia., Loja da China, Martins Pimenta e Cia., Peres, Irmão e Cia., Lourenço
Martins e Cia. e tantos outros.
Em 1934, seria a vez da inauguração da parte do fundo do hospital, o prédio anexo ao primeiro
conjunto. Nas palavras do atual presidente, Paulo Pires, nas décadas de 40 e 50, a sociedade se solidifica, mas sem grandes avanços no seu
patrimônio, o que se repete, de certo modo, até 1970.
Nessa década a sociedade sofre novo impulso com a implantação de novas unidades e a assinatura, em
72, de convênio com o INPS. Sob a presidência de Eduardo Dias Coelho, a Beneficência ganha o seu pavilhão D, com 132 novas vagas. Mais tarde, o
Serviço de Oncologia, a bomba de cobalto e ainda traz para Santos o acelerador linear, equipamento de precisão com apenas quatro similares no
Brasil.
A década de 80 já sinaliza um certo descompasso entre os serviços oferecidos pelo hospital e a
destinação das verbas oficiais, mas a sociedade avança com a criação do Residencial para Idosos (uma espécie de hotel geriátrico com 80 vagas) e o
Hospital Psiquiátrico, também com 80 vagas.
Diretoria - Por tudo isso, Paulo Pires considera fundamental a preservação das tradições da
entidade e o respeito àquele primeiro grupo de idealizadores. "Em meio a tantos serviços técnicos e médicos, ainda mantemos aqui no terreno da
sociedade uma horta que, cuidada por antigos colaboradores, ainda fornece boa parte dos legumes e verduras utilizados em nossa cozinha. A tradição
precisa ser mantida".
A atual diretoria da Beneficência está assim constituída: presidente, Paulo Roberto Pires; 1º
vice, Carlos Alberto Amado Costa; 2º vice, Alberto Costa Filho; 1º secretário, Flávio Moura Lourenço; 2º secretário, Diamantino Bernardino; 1º
tesoureiro, Sílvio Gonçalves; mais os diretores associativos: Victor Rodrigues M. Pereira, Diamantino da Costa, José Rodrigues Liberato e Newton
Cappa. O Conselho Deliberativo tem na presidência Otávio Alves Adegas; 1º vice, Alberto Mendes Correa; 2º vice, Orival da Cruz; 1º secretário,
Rubens de Almeida; e 2º secretário, Manoel Correia Botelho.
No antigo hospital do Paquetá, a consolidação dos ideais da colônia portuguesa
Imagem: reprodução, publicada com a legenda e a matéria
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