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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - DESLIZamentos... (4)
Início de março de 1956: começa o drama - A

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Terreno sedimentar, com fina capa de solo, quando enfrenta chuva forte e não tem mais cobertura vegetal que fixe o solo... o resultado é um deslizamento de terras, e quem estiver no caminho sofre as conseqüências. Nos morros santistas, ocorreram vários deslizamentos célebres, como o que soterrou um grupo de piratas holandeses (caso excepcionalmente atribuído a um milagre da santa padroeira da Cidade), ainda no século XVII. Outros casos destacados aconteceram em 1928, 1956 e na década de 1980, motivando enfim a realização de um amplo trabalho de contenção das encostas e monitoramento da situação geomórfica nos morros santistas.

Em 2 de março de 1956, o jornal santista A Tribuna registrava, em várias páginas - ortografia atualizada nesta transcrição:


A CATÁSTROFE DE ONTEM, NO MARAPÉ - A foto registra o início dos socorros, ontem à noite, nos desabamentos que ocorreram no Marapé, onde milhares de metros cúbicos de terra soterraram chalés, ferindo e matando moradores. Reportagem na última página (Foto de Evaristo Pereira de Carvalho, da reportagem de A Tribuna)
Foto e legenda publicadas com a matéria original (na primeira página do jornal de 2/3/1956)

Catastróficos os efeitos do temporal de ontem em Santos

Inúmeros chalés soterrados pela avalanche de terra e pedras, a maioria dos quais situados no sopé do Morro do Marapé - Dez mortos e quatorze feridos, mas o balanço trágico dos acontecimentos de ontem alcança muitas outras vítimas - Continuaram durante a madrugada as operações de salvamento - Mobilizados todos os recursos - Chegou a Santos o governador Jânio Quadros

(Reportagem de Oláo Rodrigues, Luiz Soares, Antonio Brandão, e fotos de Evaristo Pereira de Carvalho)

Março é mês trágico para Santos. Foi neste mês, há 29 anos, que ocorreu a catástrofe do Monte Serrat, vitimando cerca de 200 pessoas. Tragédia imensa também se repetiu ontem, ao início de março, com o desabamento de vários chalés situados em morros e sopés de morros, em face do deslocamento de grandes massas de terra motivado pelo violento temporal.

Não se conhece a extensão das conseqüências da tragédia. Cinco mortos foram removidos, às últimas horas da tarde, para o necrotério do Saboó e, ativados os trabalhos de socorro no sopé do Morro de Santa Terezinha ou Morro do Marapé, onde os efeitos do temporal se fizeram sentir com maior intensidade, foram encontrados mais cinco cadáveres.

Deve ser maior, muito maior, o número de pessoas sacrificadas, pois calcula-se que 40 chalés ruíram no morro e sopé do Morro do Marapé, lá no final da Rua João Caetano, ficando todos eles totalmente encobertos pelas camadas de terra, deslocadas por efeito das violentas chuvas.

O grande temporal - Há muitos anos que não ocorre temporal da força e insistência do que ontem desabou sobre a cidade. As chuvas começaram às 14,30 horas e recrudesceram depois das 16 horas, declinando por volta de 20 horas, mas persistindo lá pelas 22 horas. Foram chuvas, pois, insistentes, que duraram cerca de oito horas.

Ocorrendo a alta da maré, cuja máxima se verificou às 18 horas, as camadas de águas pluviais não puderam escoar-se para o mar, havendo, conseqüentemente, inundações em todos os setores da cidade. Todos os canais transbordaram, as galerias ficaram obstruídas e as ruas centrais e dos bairros se transformaram em verdadeiros rios, chegando as águas a atingir a meio metro, em determinados pontos.

Todo o serviço de tráfego ficou desarticulado. Sem bondes e os ônibus funcionando precariamente, durante largo período, grande parte da população se viu desarvorada, e quem mais sofreu foi a população escolar.

Em conseqüência, houve pânico na cidade.

Desabamento de chalés nos morros - As chuvas violentas ocasionaram deslocamento de pesadas camadas de terra nos morros de S. Bento, Itararé, Castelo, Bufo e, com maior intensidade, no Marapé.

Inúmeros chalés desabaram, ocasionando mortos e feridos.

No Morro de S. Bento, ligação 16, ruiu um chalé, achando-se no seu interior o operário José André e duas crianças, sendo uma de 1 ano e meio de idade e outra de seis anos. Esta última, que se chamava Francisco, morreu sob os escombros.

No Morro Monte Castelo, ligação 1, desabou outro chalé, matando o operário Rosalvo Furtado de Lima.

No Morro de S. Bento, ligação 291, também se verificou o desabamento de um chalé, causando a morte de uma mulher, ainda não identificada.

No morro de Itararé, na divisa de Santos e São Vicente, ocorreu o desabamento de pequeno chalé, morrendo, sob os escombros, uma pobre mulher, que também não foi identificada.

Caiu o automóvel no canal 2 - Como dissemos, todos os canais transbordaram. O canal 2, por exemplo, ficou confundido com as duas pistas inundadas da Avenida Bernardino de Campos. Às últimas horas da tarde, um automóvel mergulhou nesse canal, e, em conseqüência, faleceu d. Leonor Campos Del Nero, saindo feridos Zizi Silveira Franco, com gravidade, e, de natureza leve, o sr. José Dionísio Pinho. D. Zizi Silveira Franco foi internada no hospital da Beneficência Portuguesa.


Imagem: reprodução da última página de A Tribuna de 2 de março de 1956

A tragédia ocorrida no Morro do Marapé - As conseqüências do violento temporal se fizeram sentir com maior gravidade no Morro do Marapé, em cujo sopé, lá no final da Rua João Caetano, situam-se inúmeros chalés de madeira. Calcula-se que entre 20 e 30 chalés foram soterrados. Atingidos os primeiros pela enxurrada, ruíram totalmente e os escombros alcançaram vários outros.

Quantas pessoas se achavam, no momento, no interior dessas humildes residências? É a interrogação dolorosa e pungente. Até as 23 horas, foram encontrados cinco cadáveres, sendo um de uma criança, agarrada a uma bicicleta. O outro corpo era de uma mulher, de cerca de 50 anos, encontrada com os braços erguidos. Dois outros eram de homens.

As cenas que se seguiram ao desabamento e se repetiram durante a noite foram de estarrecer. Havia homens chorando pelas esposas e filhos, homens que regressaram do trabalho e não mais encontraram seu lar nem seus entes estremecidos. Havia também crianças à procura dos pais.

Duramente atingida pelas enxurradas, a grande área do sopé do Morro do Marapé se assemelhava àquela imensa tragédia do Monte Serrate, há 29 anos atrás.

Os serviços de socorro - O delegado de plantão na Central de Polícia, dr. Bolívar Barbante, logo que tomou conhecimento da tragédia do Morro do Marapé, diligenciou socorros urgentes, convocando o Corpo de Bombeiros, Guarda Civil, Polícia Marítima, Rádio-Patrulha, Exército e recorrendo à própria população.

Foi um trabalho elogiável, mas muito prejudicado pela persistência das chuvas. Inúmeros populares, de todos os bairros da cidade, afluíram à Central de Polícia, munidos de pás, enxadas e picaretas para integrar-se naquela cruzada de humanitarismo. S.M.T.C., Companhia Docas e muitas outras organizações atenderam ao apelo, colocando suas frotas de caminhões à disposição da Polícia.

Também o delegado Barbante solicitou o auxílio dos motoristas de praça, mas esses permaneceram alheios ao chamamento, numa atitude tão deplorável quão desumana.

Até mesmo a tripulação dos navios da Marinha de Guerra surtos no porto prestou assinalados serviços, patrulhando a cidade, sob o comando do tenente Luiz Ranha, do contratorpedeiro Araguaya, pois todo o policiamento civil fora deslocado para as operações de socorro no Morro do Marapé.


O prefeito sr. Antonio Feliciano esteve no local dos desabamentos, ordenando, pessoalmente, providências que se impunham no momento
Foto e legenda publicadas com a matéria, na página 6

Ambulâncias de S. Paulo - Durante a noite chegaram oito ambulâncias da capital, além de dois carros do Corpo de Bombeiros, ambos dispondo de holofotes de grande alcance.

Seus responsáveis se apresentaram na Central de Polícia, sendo os carros dos bombeiros enviados imediatamente para o sopé do morro do Marapé.

Gente também do Cubatão - Até do Cubatão vieram turmas de voluntários, uma delas chefiada pelo vereador Francisco Eleutério Pinheiro.

Foi geral a cooperação, apenas se lamentando o gesto dos motoristas de praça, não atendendo ao apelo do delegado de plantão. Aliás, ausentaram-se de todos os pontos centrais, assim que começou o temporal.

Quando estivemos na Central, lá permaneciam todos os delegados, à frente dos quais o delegado auxiliar, dr. Pinto de Castro.

Chegou a Santos o governador do Estado - Às últimas horas da noite, acompanhado do dr. João Batista de Arruda, secretário da Segurança Pública, chegou a Santos o governador Jânio Quadros, o qual foi recebido à entrada da cidade pelo prefeito Antônio Feliciano e pelo secretário da Justiça, dr. Lincoln Feliciano.

Os srs. Antônio Feliciano e Lincoln Feliciano, antes, estiveram no sopé do Morro do Marapé, determinando o prefeito municipal várias providências sobre o serviço de socorro às vítimas.

O governador do Estado interessou-se vivamente pelos acontecimentos e, por seu turno, adotou medidas visando atenuar a grande tragédia.

Durante a tarde, também o chefe do Executivo municipal deu instruções ao Pronto-Socorro e a unidades da Diretoria de Obras e Limpeza Pública, visando a prestação de socorros urgentes às vítimas.

As ruas atingidas - As ruas atingidas, no sopé do Morro do Marapé, são as seguintes: Contorno, Godofredo Fraga e Tarquínio Silva.

Segundo os últimos cálculos, teriam sido destruídas 40 casas nessa área. E o número de vítimas? Durante toda a madrugada, prosseguiram as operações de desobstrução da área para facilitar a prestação de socorros às vítimas, devendo esse serviço ser ativado na manhã de hoje.

Cooperação do IT Clube - Há inúmeras pessoas desabrigadas. Muitas foram acolhidas em casas residenciais. O IT Clube, a prestigiosa entidade da Av. Francisco Glicério, por nosso intermédio, coloca os seus salões à disposição dos desabrigados, oferecendo-lhes também lanche.

Vai pleitear auxílio às vítimas o deputado Rubens Ferreira Martins - O deputado Rubens Ferreira Martins, que se encontra em Santos, deverá seguir hoje para o Rio de Janeiro. E ainda hoje, esse parlamentar santista pleiteará na Câmara dos Deputados um auxílio às vítimas dos acontecimentos de ontem em Santos.

Também desabaram 3 chalés em S. Vicente - Segundo comunicação recebida pelo delegado Bolivar Barbante, desabaram três chalés em S. Vicente, não ocasionando, felizmente, vítimas pessoais. Seus moradores, por providência daquela autoridade, foram abrigados numa unidade escolar de S. Vicente.


Populares munidos de enxadas, pás e picaretas trabalham afanosamente nos serviços de desentulho e socorro às vítimas. O chalé que aparece na primeira foto é o de n. 44, da Rua Godofredo Fraga, (...)


(...) e no outro, que está na foto de baixo, foram encontrados 3 corpos, todos da mesma família, não aparecendo o chefe da casa
Fotos e legenda publicadas com a matéria, na página 6

Vítimas medicadas no Pronto-Socorro - Em conseqüência dos desabamentos, foram medicadas no Pronto Socorro as seguintes pessoas: Antonio Prieto Netto, de 13 anos de idade, filho de Antonio Prieto Júnior, residente à Rua Godofredo Fraga, 32; Adelson de Jesus, de 5 anos de idade, filho de Joaquim de Jesus, residente à Rua Rangel Pestana; José André, brasileiro, de 30 anos de idade, casado, operário, residente no Morro do Fontana.

Internadas na Santa Casa - Algumas vítimas apresentavam lesões gravíssimas, motivo porque foram internadas na Santa Casa. Até uma hora de hoje, tinham sido ali hospitalizadas as seguintes pessoas: Manoel Correa, português, de 61 anos de idade, casado, serralheiro, residente à Rua Godofredo Fraga, 46; Anita Possinete, brasileira, de 58 anos de idade, viúva, doméstica, residente à Rua Godofredo Fraga, 33; Reinaldo Ferreira de Souza, brasileiro, de 14 anos de idade, filho de Henrique Ferreira de Souza, residente à Rua Godofredo Fraga, 45; Delma Ferreira, brasileira, de 27 anos de idade, casada, residente à Rua Godofredo Fraga, 42; Madalena Alomaz Lopes, de 40 anos de idade, doméstica, residente no Morro do Fontana, ligação 12; Isaura Esteves Branco, espanhola, de 42 anos de idade, casada, residente à Rua Godofredo Fraga, 41; Benedita Romão, Josefina Silva Souza, Sonia Maria Ferreira, Rosa Lopes Fernandes e Hermínia Alonso do Valle.

Os mortos - Até o momento em que a nossa reportagem esteve no local da tragédia, tinham sido retirados dos escombros cinco corpos, sendo identificados Djalma Oliveira Sousa, de 10 anos de idade, filho de Hermínio Vieira de Sousa, residente à Rua Godofredo Fraga, 45; Sandra Maria Romão, de 5 anos de idade, filha de José Romão, residente à Rua Godofredo Fraga, 44, e Tereza Ramos Melo, brasileira, de 48 anos de idade, casada, residente à Rua Pedro Américo, que se achava em visita à sua progenitora, na casa 44 da Rua Godofredo Fraga e foi soterrada. Outras duas vítimas, uma senhora e uma jovem, também foram retiradas, sendo os seus corpos removidos para o necrotério, sem que fossem identificados.

Ainda pereceram, em conseqüência de outros desabamentos, o menino Francisco André, de 6 anos de idade, filho de José André, quando ruiu o chalé do Morro do Fontana, e a doméstica Rosalva Furtado de Lima, brasileira, de 31 anos de idade, casada, residente no Morro Monte Castelo, ligação 1, que teve morte horrível quando desabou sua residência por volta das 16 horas.

A extensão da catástrofe - Impossível se torna calcular de imediato a extensão da catástrofe de ontem. Um quarteirão todo, com mais de trinta casas, em sua quase totalidade chalés de madeira, foram atingidos, ficando a maioria soterrada, isto no desabamento do Morro do Marapé, onde o desastre teve maiores proporções. Ali, acredita-se, o número de mortos deverá atingir a vinte, ou talvez mais, uma vez que, quando deixamos o local, por volta das 24 horas, ainda era enorme a quantidade de terra e pedra para ser desentulhada.

Nas demais ocorrências, isto é, no desastre da Avenida Bernardino de Campos em que pereceu uma mulher e outra ficou gravemente ferida, encontrando-se internada na Beneficência Portuguesa, e nos desabamentos ocorridos no Morro Monte Castelo e Morro do Fontana, também se verificaram mortes e feridos.

Quanto aos prejuízos, são enormes, e o trabalho de desentulho deverá se prolongar, pelo menos durante todo o dia de hoje.

Morte trágica de uma menor - Nas primeiras horas da noite de ontem, em conseqüência da torrente de água que caída do Morro do José Menino, uma menor, ainda não identificada, que passava pela praia guiando uma bicicleta, foi arrastada para o mar, perecendo afogada.

Na ocasião da trágica ocorrência, três ou quatro homens, que presenciavam o desastre, ainda tentaram segurar a menina, procurando livrá-la da morte, porém não o conseguiram, devido à velocidade da correnteza.


Durante toda a madrugada prosseguiram os trabalhos de salvamento das vítimas da catástrofe da Rua Godofredo Fraga


Bombeiros, soldados do Exército, Guarda Civil, Rádio-Patrulha, Polícia Marítima e populares procedem ao serviço de desentulho


Só hoje, provavelmente, se conhecerá a extensão das conseqüências da tragédia de ontem


No quarteirão da Rua Godofredo Fraga, onde os efeitos do temporal foram mais intensos, ruíram vários chalés, mas até as primeiras horas de hoje não se poderia avaliar o número de vítimas
Fotos e legenda publicadas com a matéria, na última página

Auxiliai as vítimas dos desabamentos!

Ainda mal refeitos do espantoso desastre ocasionado pelo longo e copioso temporal que assolou a cidade durante a tarde e a noite de ontem, não deixará de ocorrer aos santistas a necessidade de estender sua ajuda, sua proteção, seu amparo, às vítimas desabrigadas, aos feridos, às famílias enlutadas, lares desfeitos, nos desabamentos de que damos, nesta página, um testemunho, através da documentação fotográfica colhida pelo repórter Evaristo Pereira de Carvalho.

A Tribuna apela para o coração dos santistas. E o faz na certeza de que, mais uma vez, não falhará a uma tarefa de socorro e de assistência. Não há necessidade de justificar o nosso apelo. A eloqüência dessa catástrofe está aos olhos de quantos percorram esta página. Santos, mais uma vez, cumprirá o seu dever.



INUNDADA PELA CHUVA A CIDADE DE SANTOS - Na tarde de ontem, quando era mais intenso o temporal, a reportagem fotográfica de A Tribuna focalizou diversos aspectos da inundação, nos mais diferentes pontos da cidade. Quase todas as ruas ficaram inundadas, com a água cobrindo os passeios e chegando mesmo a invadir residências. Os canais chegaram ao nível das ruas, ao ponto de não poderem ser distinguidos. O tráfego ficou inteiramente paralisado. As fotografias que apresentamos dão bem uma idéia do que foi o temporal de ontem em Santos. Ao alto, à esquerda, a Rua XV de Novembro, com os veículos bloqueados pelas águas, e, (...)


(...) à direita, a Avenida Bernardino de Campos, onde a via pública e o canal 2 formavam um verdadeiro rio; (...)


(...) ao centro, à esquerda, um detalhe da Avenida Marechal Deodoro, (...)


(...) e, à direita, a Praça dos Andradas; (...)


(...) em baixo, na mesma ordem, a Rua Antônio Prado (...)


(...) e a Rua Visconde de São Leopoldo, com os trilhos e a calçadas cobertos pelas águas
Fotos e legenda publicadas com a matéria, na página 5

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