Imagem: reprodução da primeira página de A Tribuna de 3/3/1956
Eleva-se a 22 o número de mortos na catástrofe do Marapé
Prosseguem os trabalhos de desobstrução da área atingida pela avalanche de pedras e terra -
Vinte casas destruídas no sopé do Morro Santa Terezinha - Cenas confrangedoras durante o encontro, remoção e sepultamento das vítimas - Suspendeu
ontem às 16 horas seu funcionamento o comércio de varejistas - Impressionantes atos
Consternada e compungida, a população de Santos acompanha as
operações que se desenvolvem na área da sinistra ocorrência de anteontem, em que humildes habitações foram derruídas, no bairro do Marapé, por uma
avalanche de terra e pedra, sepultando quase todas as pessoas que ali se encontravam, cujo número ainda não pode ser precisado.
Triste, imensamente triste, o quadro que se ofereceu na noite tempestuosa de anteontem e durante o
dia de ontem, quando do encontro dos corpos daquelas criaturas, tão brutalmente marcadas por uma fatalidade implacável. Foram cenas estarrecedoras,
só comparáveis com aquela outra imensa tragédia do Monte Serrate, vivida também no fatídico mês de março, há 28 anos atrás.
Pranto, desolação e dor assinalaram os momentos emocionantes do encontro e remoção de corpos
inanimados. E esses momentos, desgraçadamente, se repetirão, porque há mais vítimas sob aquela avalanche de terra, pedra e madeira. Ainda não foi
encerrado o balanço da tragédia, da tragédia imensa que enlutou a boa gente de Santos e emocionou todo S. Paulo e todo o Brasil.
Ante o quadro confrangedor e doloroso, há, contudo, um grande elemento compensador de conforto e
desopressão: a solidariedade humaníssima do povo de Santos, tão cristãmente manifestada desde os primeiros instantes do funesto acontecimento.
Autoridades e populares, fraternizados nessa conjuntura pungente, foram ao sacrifício do esforço e ao heroísmo da dedicação, para atenuar as
conseqüências materiais do grande e deplorável fato.
Santos, por todas as suas categorias sociais, honrou, no inevitável de ontem, as suas gloriosas
tradições de filantropia e fraternidade.
Até as 24 horas, 22 mortos - Até as 24 horas de ontem, elevava-se a 22 o número de mortos,
a maioria (17) em conseqüência do desmoronamento de barreiras do morro de Santa Terezinha, em cujo sopé se situa a área mais atingida pelo sinistro.
Famílias inteiras foram dizimadas pela tragédia. Um humilde operário perdeu seus filhos, esposa e
outros parentes, mostrando-se alucinado pela brutalidade do golpe. Sabe-se de uma senhora que, em companhia da filha, fora visitar uma parente e, à
hora da despedida, ao sobrevir o desabamento do chalé, pereceram ambas. Um pobre motorneiro do S.M.T.C. perdeu a mulher e os filhos. Outro
trabalhador viu desaparecidos seus dois filhos, enquanto a mulher, com uma perna amputada, em véspera de dar à luz, sofreu graves ferimentos,
estando hospitalizada.
Também se conhece o caso de outro habitante da Rua Godofredo Fraga, que, ao perceber que a
avalanche se precipitava, correu à casa para socorrer dois filhos, mas só teve tempo de alcançar um, pois o outro, pobrezinho, fora atingido pelos
escombros.
Desaparece um funcionário de A Tribuna - Se a grande tragédia já consternara a todos
nós, o golpe atingiu também os funcionários de A Tribuna, pois um companheiro da seção de impressão, jovem de 20 anos, zeloso e dedicado em
suas atribuições, pereceu sob os escombros do lar humilde, quando repousava para, à noite, exercer a sua atividade profissional. Sua progenitora,
paralítica, seriamente ferida, foi removida para o hospital da Santa Casa, em estado desesperador, aprofundando a desolação e a dor na família do
inditoso companheiro Francisco Valle Alonso.
Imagem: reprodução parcial da última página de A Tribuna de 3/3/1956
Comunicado da Casa Civil do Governador
SÃO PAULO, 2 (Da Sucursal) - A Casa Civil do Governador do Estado distribuiu comunicado
relatando os acontecimentos de Santos e em particular as providências tomadas pelo Estado para a proteção às vítimas dos desmoronamentos. Ressalta
ainda o papel da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, do Corpo de Bombeiros e do povo santista em geral nos trabalhos de salvamento. Esse
comunicado salienta as medidas determinadas pelo Executivo determinando a ida para Santos do diretor do Serviço do Interior da Secretaria da Saúde e
uma equipe de sanitaristas a fim de prestar socorros às vítimas e adotar medidas de saneamento a fim de evitar possível surto epidêmico. Grande
quantidade de medicamentos foi levada pela equipe da Secretaria da Saúde Pública.
O governador Jânio Quadros passou a noite em claro determinando todas as medidas ao alcance do
Estado a fim de não faltar o conforto moral e material às famílias atingidas pela tragédia. Por outro lado, mostrou-se profundamente magoado com a
nota de vespertino desta Capital que lhe atribui declarações segundo as quais teria determinado a evacuação dos civis que voluntariamente estavam
auxiliando as autoridades no serviço de salvamento. O chefe do Executivo qualifica essa notícia como infamante, tendo, a respeito, enviado carta ao
diretor do jornal.
A nota distribuída pela Casa Civil do Governador diz o seguinte:
"O governador, os secretários da Segurança
Pública e da Justiça e o chefe da Casa Civil, dirigiram-se a Santos às 22 horas de ontem para conhecer a exata extensão de um temporal que desabou
sobre aquela cidade, causando, em desmoronamento no Bairro do Marapé, elevado número de vítimas. Todos os recursos do Estado estão sendo empregados
em cooperação com o prefeito daquela cidade e com o auxílio de elementos do Exército, Marinha, Aeronáutica e ainda com a colaboração do povo para
socorrer os feridos e minorar as conseqüências da tragédia.
"O governador regressou a esta Capital na manhã de hoje, mantendo-se contudo em permanente contato
com o comandante do Corpo de Bombeiros e as autoridades civis e militares que trabalham no local do desastre".
LUTO, LAMA E LÁGRIMAS - A população da cidade acompanhou, estarrecida, durante todo o dia de
ontem, o desentulho da Rua Godofredo Fraga, sobre a qual desabou parte da encosta do morro de Santa Terezinha. A tragédia do bairro do Marapé abalou
o país inteiro. Só ontem, avaliada em sua extensão, sem que ainda se possa precisar o número de mortos, a catástrofe destruiu vinte residências,
segundo informações da Prefeitura de Santos. Entre os mortos, a maioria é de mulheres e crianças. Os chefes de família, em grande parte, ainda não
haviam regressado do trabalho por causa da dificuldade do transporte que a fúria dos elementos provocou. Foi indescritível o desespero desse homens,
quando, de volta, atingiram o local do desastre, não encontrando mais suas casas, suas esposas, seus filhos. A avalanche de lama e pedra foi
horrorosamente arrasadora. A foto superior dá uma idéia do terrível arrasamento, pois fixou o trecho da Rua Godofredo Fraga antes do início da
remoção da monstruosa massa de entulhos. Nesse claro, houve casas... (...)
(...) Nas fotos inferiores, mulheres que visam a localizar, entre os escombros, objetos, roupas ou
destroços, que identificassem seus parentes perdidos. (...)
(...) A mulher, à esquerda, sentou-se sobre as pedras que cobriam o local onde, até ontem à tarde,
viviam seus parentes. Ficou assim, profundamente desolada e triste, horas seguidas. (Reportagem na última página)
Fotos e legenda publicadas com a matéria, na primeira página de A Tribuna de 3/3/1956
22 mortos
Até agora, o balanço trágico da catástrofe sofrida por Santos, na noite de anteontem, acusa o
número de 22 mortos, dos quais 19 já reconhecidos durante o dia de ontem, e três que não puderam ser identificados, por terem sido retirados dos
escombros cerca da meia-noite de ontem e ainda não haviam sido transportados ao necrotério da Santa Casa, quando encerrávamos esta edição.
É a seguinte a relação dos mortos identificados:
Rosalva Furtado de Lima, de 31 anos, brasileira, casada, residente no Morro do Castelo, 1;
Faustino Spinasse, brasileiro, 37 anos, casado, residente à Rua Godofredo Fraga, 37; Sílvia Lemes Oliveira, 65 anos, brasileira, casada, residente à
Rua Godofredo Fraga, 40; Sandra Maria Romão, 5 anos, residente à Rua Godofredo Fraga, 44; Tereza Arruda Lemes, brasileira, 52 anos, casada,
residente à Rua Pedro Américo, 143; Djalma de Oliveira Souza, brasileiro, 12 anos, residente à Rua Godofredo Fraga, 45; Maria Emília Marçal,
portuguesa, 22 anos, casada, residente à Rua Godofredo Fraga, 46; Alzira Oliveira Fonseca, portuguesa, 26 anos, casada, residente à Rua Godofredo
Fraga, 42; Ludovina Piedade Correia, portuguesa, 52 anos, casada, residente à Rua Godofredo Fraga, 46; José Horácio Spinasse, argentino, 60 anos,
casado, residente à Rua Godofredo Fraga, 30; Amélia Linari Spinasse, argentina, 56 anos, casada, residente à Rua Godofredo Fraga, 30; Maria Luiza
Gesteira, brasileira, 46 anos, casada, residente à Rua Godofredo Fraga, 36; Luiz Carlos da Silva, brasileiro, 9 anos, residente à Rua Godofredo
Fraga, 30; Sônia Silva, brasileira, 11 anos, residente à Rua Godofredo Fraga, 30; Maria Conceição Silva, brasileira, 32 anos, casada, residente à
Rua Godofredo Fraga, 30; Odete Arruda Lemes, brasileira, 17 anos, solteira, residente à Rua Pedro Américo, 143; Francisco Valle Alonso, brasileiro,
20 anos, solteiro, residente à Rua Godofredo Fraga, 28; Francisco André, brasileiro, 6 anos, residente no Morro do Fontana; Maria Isabel Fonseca de
Jesus, brasileira, 19 anos, residente à Rua Godofredo Fraga, 42.
Esta casa não submergiu. Mas tombou espetacularmente, sob a fúria da enxurrada.
O mamoeiro, do lado, ficou intacto
Foto e legenda publicadas com a matéria, na última página
Auxílio de 20 milhões de cruzeiros pleiteou o deputado Rubens Martins
O deputado santista Rubens Ferreira Martins, como havia prometido, ocupou ontem a tribuna da
Câmara Federal, para fazer um relato do funesto acontecimento que tanto consternou o povo de Santos.
Em resultado do entendimento que manteve com o deputado Teotônio Monteiro de Barros,
vice-presidente da Comissão de Finanças, foi apresentada emenda ao projeto que transita por esse órgão da Câmara, dispondo sobre a concessão de
auxílio às vítimas das inundações de Pelotas, determinando que vinte milhões de cruzeiros, do crédito de 50 milhões pedido para aquela cidade
gaúcha, seja destinado às vítimas da catástrofe ocorrida em Santos.
UMA TROUXA DE ROUPAS, A ÚNICA COISA QUE RESTOU A ESSE HOMEM - Esse homem, após haverem escavado o
local onde existira sua casa, saiu de lá apenas com a trouxa de roupas que traz na cabeça. Chama-se Pedro Paulo de Souza. É o fiscal n. 197, do
S.M.T.C. Perdeu toda a sua família: esposa, dois filhos, sogro, sogra e cunhado. Estava trabalhando, quando soube do desastre. Somente à meia-noite,
diante das alarmantes e insistentes notícias, abandonou o serviço e regressou ao seu bairro. Para esse homem a tragédia teve um balanço doloroso: a
casa e a família inteira desapareceram de seu destino
Foto e legenda publicadas com a matéria, na última página
Telegrama do presidente da República ao governador Jânio Quadros
RIO, 2 (Asapress) - A propósito dos dolorosos acontecimentos verificados na cidade de
Santos, o sr. Juscelino Kubitschek enviou ao sr. Jânio Quadros o seguinte telegrama:
"Profundamente consternado, ante os efeitos
do temporal que ontem desabou sobre Santos, cobrindo de luto aquela grande cidade, venho manifestar a v. excia. meus sentimentos de pesar e ao mesmo
tempo, por intermédio de v. excia., exprimir a solidariedade do governo federal ao povo santista, nessa dolorosa emergência".
A DOLOROSA TRAGÉDIA SOFRIDA PELO BAIRRO DO MARAPÉ - Os serviços de remoção dos escombros
intensificaram-se ao amanhecer. Só então foi possível uma completa orientação nos trabalhos de desentulho. Homens da Aeronáutica, da Marinha, do
Exército, da Força Pública, centenas de trabalhadores da Prefeitura, do D.E.R. e um número incontável de voluntários, durante o dia de ontem,
cumpriram a dolorosa missão de procurar os mortos soterrados, escavando, pacientemente, palmo a palmo, a terra desabada sobre aquele trecho do
Marapé. No transporte do entulho já escavado foram empregados caminhões, carretas, escavadeiras e tratores.
O governador Jânio Quadros permaneceu em Santos, assistindo aos serviços de remoção dos escombros e determinando a tomada de diversas providências
em socorro dos feridos, das vítimas e suas famílias, desde as 22 horas de anteontem até as 7 horas da manhã de ontem. Juntamente com o prefeito
Antônio Feliciano, durante oito horas seguidas, dirigiu pessoalmente os trabalhos no local do desastre.
É de se notar, também, a colaboração dos voluntários, quase todos trabalhadores que, na véspera, haviam trabalhado durante todo o dia e não
descansaram um instante, atravessando a noite e parte do dia de ontem ajudando nas escavações. (Fotos de Rafael e José Dias Herrera)
Fotos e legenda publicadas com a matéria, na última página
OUTROS ASPECTOS DO DESABAMENTO - A avalanche que despencou do Morro de Santa Terezinha sobre a Rua
Godofredo Fraga, no Marapé, teve tal violência que atirou oito casas, situadas de um lado da rua, sobre doze outras que se erguiam em frente. As
casas de tijolos não foram arrastadas a longa distância, tendo sofrido, por isso, o maior peso do desabamento, esmagadas pelas pedras que sobre elas
se precipitaram. Os chalés de madeira foram arrastados pelas águas e, logo em seguida, cobertos pela lama que se desmoronou da encosta. No clichê,
outros aspectos da catástrofe, fixados pela reportagem fotográfica de A Tribuna. A foto do centro, em baixo, fixou o desastre ocorrido em
outro ponto da cidade, onde um carro se precipitou no canal da Av. Bernardino de Campos, quando a população, sob a chuva, assistia à retirada do
automóvel submergido
Imagem: reprodução parcial da última página de A Tribuna de 3/3/1956
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