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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (S)
Começa a guerra do (ao) lixo (4)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas.

Um dos grandes problemas que a Baixada Santista sentia já então a necessidade de equacionar era o da destinação do lixo. A reciclagem do lixo começou a ser feita no início da década de 1990, chegou ao auge (em termos de século XX) na metade dessa década e foi quase abandonada pelo Poder Público municipal em fins desse século, para ser retomada - desde um patamar de coleta bem inferior aos índices anteriores - no início do século XXI.

Porém, bem antes o assunto já preocupava, como o prova esta matéria, publicada na edição de 15 de março de 1976 do jornal santista A Tribuna - observando-se que na época vigorava no Brasil o padrão monetário Cruzeiro e um dólar estadunidense comprava Cr$ 9,60 no câmbio oficial. Assim, Cr$ 1 milhão valia US$ 104.166,67.

O lixo vai mudar

Texto: Ana Maria Simões Pereira
Fotos: Sílvio Guimarães

No malcheiroso e feio terreno, misturam-se caminhões e funcionários da Prefeitura e da empresa encarregada do recolhimento de lixo. Urubus em quantidade assustadora, cães de todos os tamanhos e cores, detritos de toda a espécie e - o pior - homens e mulheres mal vestidos, trabalhando aos grupos ou isoladamente, muito ocupados em escolher o lixo.

Enquanto vão separando o aproveitável do lixo descarregado pelos caminhões, seus filhos descansam à sombra de caixotes improvisados em barracos ou guarda-sóis desbotados, provavelmente salvos também do lixão. Pior ainda, a maioria das crianças - algumas de poucos meses - permanece com o mínimo de roupa ou sem roupa nenhuma, exposta às moscas e mosquitos que infestam o local e respirando o pesado e poluído ar que domina o ambiente.

Quando em sua residência o santista atira o objeto já inútil na lata do lixo, certamente não calcula o caminho que esse lixo percorrerá até a descarga, ou seja, até chegar ao destino final. Transportado pelos caminhões até um ponto distante da Alemoa, por um caminho estreito e mal pavimentado, é afinal atirado no lixão, num ponto qualquer do amplo terreno para ser escolhido pelos catadores de lixo e, se de todo for inaproveitável, ali permanecer até se decompor.

É esse o mecanismo do lixo atualmente em funcionamento na Cidade. Dos mais obsoletos e simplificados, deverá passar por grandes transformações a partir deste mês, a fim de se evitar que Santos continue sendo uma cidade suja, na qual o lixo - quando recolhido - é simplesmente atirado em um terreno e onde ainda existem pessoas, seres humanos, que sobrevivem à sua custa.

As embalagens do tipo use uma vez e jogue fora multiplicam-se com incrível rapidez; resíduos metálicos, plásticos e químicos tomam conta da Cidade; cargas para serem embarcadas ou desembarcadas pelo porto estragam-se e são abandonadas, muitas vezes, na via pública; restos de material de construção são igualmente deixados nas ruas, inúteis; na areia da praia, restos de comida, recipientes one way e lixo de toda a espécie.

Que fim dar a todo esse material inútil? Qual a possibilidade de transformá-lo em material útil? Como removê-lo? Como produzir lucros com ele? Certamente não da maneira como se faz no momento, recolhendo-se o que se pode desse lixo, para atirá-lo num terreno da Alemoa. Algumas medidas já estão sendo tomadas e muitas outras deverão ser postas em prática nos próximos meses e anos, na tentativa de se evitar que, daqui a algum tempo, a ameaça da invasão dos resíduos se concretize e nos tornemos uma cidade-lixão.

Essas medidas podem resumir-se na criação de um atualizado sistema de coleta e destinação do lixo; mas, para que esse sistema funcione a contento, para que seja eficiente, é necessário que esteja apoiado em uma legislação específica e num atuante corpo de fiscalização. Essa é a opinião do diretor-presidente da Prodesan, José Lopes dos Santos Filho, e de engenheiros da empresa, especialistas no assunto. Essa é a realidade que pode ser facilmente comprovada com uma visita a cidades que puseram em prática esse ponto de vista, como o Rio de Janeiro.

Em Santos, os primeiros passos já estão sendo dados para a atualização do sistema da coleta e destinação do lixo, enquanto o plano completo encontra-se traçado e aprovado. Resta esperar para se testar a sua eficiência. Em agosto de 74, a Prodesan assinou convênio com a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, objetivando a criação de um plano que solucionasse o problema do lixo em Santos.

"Em 1975 - conta José Lopes -, esse plano estava concluído. Após analisar as diversas hipóteses viáveis no Brasil, para a destinação do lixo, os estudos decidiram-se pela realização, inicialmente, do aterro sanitário; a seguir, partiremos para a reciclagem, produção de compostos em termos reduzidos e incineração de uma pequena parte do lixo.

Mas, para que isso aconteça, o próprio plano apontou, como solução institucional, a operação dos serviços por empresa em que a Prefeitura de Santos detivesse capital majoritário. Por esse motivo, o serviço de limpeza pública será transferido, em três etapas, para a Prodesan, devendo a fase inicial começar ainda em março. Assessorado pelos engenheiros Luís Carlos Pimentel Arruda, responsável pelo setor de limpeza urbana da Prodesan, e Jean Jacques Leopoldo Monteux, chefe do grupo de técnicos da empresa que estudou a transferência do serviço de limpeza pública, José Lopes explica a fase inicial:

"Além de nos responsabilizarmos já por alguns serviços executados atualmente pela Prefeitura, cuidaremos do aterro sanitário, ou seja, a descarga de lixo será controlada, efetuada no mesmo local onde é feita atualmente. Porém, o lixo será espalhado e coberto com terra diariamente, de maneira que, terminada a jornada de trabalho, não se verá lixo algum na área".

Mas para se chegar a esse estágio será preciso preparar o terreno aos poucos. Somente dentro de três a seis meses, poderá ser feito o serviço metodicamente. Antes, a área deverá estar em condições, para que diariamente o lixo recebido seja coberto. Com o passar do tempo, a matéria orgânica irá decompondo-se, integrando-se ao solo. O tempo de vida útil do terreno da Alemoa, para aterro sanitário, será de sete a oito anos.

No momento, recebendo o lixo sem a realização de aterros sanitários, o terreno também está sendo prejudicado: sofre recalques freqüentemente. "Se não efetuarmos o aterro - afirma o presidente da Prodesan -, corremos o sério risco de causar problemas sanitários à população, em especial aos moradores do Casqueiro, mais próximo do local da descarga do lixo".

O fechamento da área da descarga do lixo será condição essencial para a realização do aterro sanitário. Além disso, será eliminado um problema social, pois homens e mulheres que vivem de separar objetos do lixão não mais poderão exercer essa atividade. Na área, a Prodesan vai exercer uma atividade privada, portanto terá o direito de fechar o terreno. E a movimentação de equipamentos pesados exige também o fechamento do local, para proteger pessoas estranhas ao serviço, que poderiam acidentar-se.

A usina - Antes do fim do prazo de vida útil do terreno onde será realizado o aterro sanitário, estará implantada a solução definitiva para o problema do lixo. "Os estudos já foram feitos - afirma José Lopes - e as medidas serão adotadas antes desse tempo. Existe, no lixo urbano, material que pode e que não pode ser reaproveitado. Por isso, será construída a usina de lixo, que deve ser entendida como um complexo destinado a fazer do lixo material comercializável. A partir do início da construção, prevista para 1977, haverá prazo de 24 meses para o início do funcionamento do complexo".

A usina será programada para receber, diariamente, 284 toneladas de lixo. Atualmente, a média diária de lixo recolhido na Cidade situa-se em 220 toneladas, mas há dias de pico (especialmente nas segundas-feiras), quando esses números são mais elevados. E também, na época de temporada, aumenta a tonelagem de lixo recolhido em Santos.

Basicamente, a usina de lixo retirará, diariamente, de cada tonelada recolhida, 198 quilos de material comercializável (papel, papelão, plásticos, vidros, materiais ferrosos etc.), e produzirá, de cada tonelada, 400 quilos de compostos. O restante irá para o aterro sanitário ou será incinerado (material hospitalar, animais mortos etc.). Restos de madeira e papel serão utilizados como combustível.

Os plásticos constituem-se num capítulo à parte. A maioria não é biodegradável, mas hoje já existe um mercado para os resíduos plásticos, que podem ser novamente aproveitados. Em 1967, não havia mercado para o plástico atirado no lixo e, nessa época, o produto praticamente não fazia parte do lixo de Santos. Agora, ele aparece em grande volume, mas já tem um destino: pode ser reaproveitado, transformado em placas divisórias, em baldes e bacias ou em brinquedos baratos.

As fases - A transferência do serviço de limpeza urbana para a Prodesan, feita em três etapas, estará encerrada em outubro. Na primeira fase, em março, a Prodesan se encarregará da destinação do lixo (dando início ao aterro sanitário), da limpeza mecânica das praias e da conservação das pistas de vias públicas não pavimentadas (nivelamento). Também nessa primeira etapa, a empresa assumirá a coleta de lixo urbano no Centro, nos morros e no Jardim São Manoel. Para poder realizar esse serviço dentro dos padrões previstos, a Prodesan precisou adquirir equipamentos importados e nacionais, no valor de Cr$ 4 milhões.

Na relação de equipamentos, estão dois tratores agrícolas para limpeza mecânica das praias e uma pá-carregadeira de pneus, também para a praia; uma motoniveladora, para ser utilizada nas ruas não pavimentadas; um trator de esteira com lâminas e uma carregadeira de esteira, para a descarga do lixo (compactar e empurrar os detritos); oito caminhões basculantes para o aterro sanitário e mais três caminhões para a coleta do lixo. No dia 31 de julho, estará encerrada a primeira fase da transferência dos serviços para a Prodesan.

A segunda etapa vai de 1º de agosto a 30 de setembro, e nesse período a Prodesan assumirá a limpeza de logradouros públicos (varrição, capinação, limpeza de valas, limpeza manual das praias, limpeza de locais onde se realizam feiras etc.). O total dos equipamentos necessários a essa segunda fase vai custar cerca de Cr$ 3 milhões e inclui, entre outros, um carro-tanque e caçambas para a limpeza de feiras. Na terceira etapa, em outubro, a Prodesan assumirá a coleta domiciliar de lixo, atualmente executada pela Lipater, e adquirirá equipamentos no valor de Cr$ 7 milhões. O total a ser gasto em equipamentos necessários para o serviço de limpeza urbana é de Cr$ 14 milhões.

O diretor-presidente da Prodesan explica que, para a execução da limpeza pública, a empresa não prevê o aproveitamento de mão-de-obra ociosa, em planos que incluam serviço de assistência social: "Os funcionários da Prefeitura que atualmente trabalham na limpeza pública serão remanejados para outros setores da Administração Municipal. Os da Prodesan que já se dedicam à atividade da limpeza pública serão mantidos, e o restante de funcionários necessários a essa atividade será completado dentro dos esquemas normais de admissão, estabelecidos pela empresa".

O sucesso - São ainda o diretor-presidente e os engenheiros da Prodesan que lembram algumas condições necessárias ao sucesso do plano de limpeza urbana: "Antes de tudo, é necessário que a população colabore. Sem a participação espontânea do povo é inútil manter uma sofisticada estrutura de limpeza pública. Mas é preciso, também, ter em mãos uma legislação que permita à fiscalização manter a obediência da população. E é necessário, logicamente, que haja um corpo de fiscais eficiente".

Para exemplificar, José Lopes lembra o que acontece na Capital, onde o feirante é obrigado a deixar limpa a área onde arma sua barraca. "A participação de cada pessoa é indispensável para manter a Cidade limpa. No Rio de Janeiro, a Companhia Metropolitana de Limpeza Urbana vem realizando um trabalho muito eficiente. Mas essa empresa conta com uma legislação e uma fiscalização que lhe permitiram, em 1975, aplicar Cr$ 10 milhões em multas por desobediência às leis que objetivam manter a limpeza pública".

No início de 1976, as desobediências a essas leis, no Rio de Janeiro, caíram consideravelmente. Entre os infratores do ano passado figuraram feirantes, concessionárias de serviços públicos, casas particulares e comerciais e empresas construtoras. Em Santos, o Código de Posturas já recomenda, em vários artigos, a observância de critérios de limpeza. "Mas - explica o presidente da Prodesan - além da colaboração espontânea do povo, precisaremos contar com uma fiscalização eficiente. Se possível, por delegação do Poder Público, a própria Prodesan se encarregará da fiscalização".

Sobre as cargas que se estragam e são abandonadas nas proximidades do porto, José Lopes dos Santos Filho lembra que, na maior parte dos casos, isso acontece em área que pertence à Companhia Docas, e portanto a responsabilidade é da companhia. Além disso, a parte próxima ao porto, de responsabilidade do Município, em breve passará por reformas, o que tornará bem mais difícil a prática, comum atualmente, de abandono de cargas deterioradas.

O presidente da Prodesan resume alguns itens essenciais ao sucesso do serviço de limpeza pública: "É necessário começar pela padronização do vasilhame de recolhimentos de lixo nas residências. Embora o saco plástico tenha sua eficiência comprovada, não é preciso que seu uso seja obrigatório. Basta uniformizar o vasilhame - por exemplo, obrigar a utilização de latas em dimensões adequadas -, o que aliás já está previsto no Código de Posturas".

É preciso, ainda, segundo os técnicos da Prodesan, que as empresas concessionárias de serviços públicos, ao terminarem uma obra na via pública, se encarreguem de retirar o material que sobrou, para que este não contribua para a sujeira e mau aspecto das ruas. Também a exemplo do que acontece no Rio, a empresa responsável pela limpeza pública deve encarregar-se da limpeza dos bueiros. Caso contrário, o varredor da rua acabará jogando o lixo na boca-de-lobo, causando sérios problemas de enchentes em épocas de chuvas fortes.

Os veículos que transportam granéis deverão ser apropriados, de maneira que não derrubem a carga nas vias públicas por onde trafegam e, finalmente, o problema dos vendedores ambulantes - grandes responsáveis pelo lixo nas ruas - deverá ser resolvido a contento. "Nós estamos preparando-nos para assumir a limpeza pública - afirma José Lopes - conscientes de que estaremos jogando a experiência de 10 anos da Prodesan em cima de algo que é apenas um desafio. Não pretendemos fazer milagres, apenas melhorar alguma coisa, fazer um serviço que não é fácil, mas muito necessário".

O reaproveitamento

O problema do lixo urbano tem preocupado governos, técnicos e populações em todo o mundo. As mais diversas e sofisticadas soluções foram encontradas para ele, a partir de experiências realizadas em cidades dos Estados Unidos e da Europa, baseadas em uma ação coletiva, até a criação de equipamentos complexos, para transformação do lixo em material aproveitável.

As experiências realizadas em diversas comunidades européias e norte-americanas resumiram-se a uma ação coletiva para coleta de resíduos, solucionando o problema da remoção de objetos usados cujo transporte seria caríssimo se feito pelos moldes convencionais, não compensando o frete que se teria que pagar. A ação coletiva, além de solucionar o problema, gerou uma renda extra e deu início a uma série de novas iniciativas relacionadas com o lixo.

Porém, um dos pontos principais de solução do problema do lixo baseia-se na melhoria dos processos industriais, permitindo que os resíduos sólidos voltem a entrar no complexo industrial, tornando-se úteis mais uma vez. A crescente utilização das embalagens one way - tornando os produtos oferecidos ao consumidor higienicamente melhor acondicionados - está, porém, exigindo a criação de modernas técnicas que permitam a reutilização desse material, em geral de difícil decomposição, e que aumenta consideravelmente o volume do lixo urbano.

A usina de Santos já prevê a retirada de material comercializável do lixo urbano, mas é certo que nesse aspecto os planos de limpeza pública deverão, dentro de mais algum tempo, atualizar-se ainda mais. Caso contrário, o papel, o plástico e todo o material utilizado nas embalagens one way continuarão constituindo-se em desperdício de substâncias valiosas e em fontes de poluição, contaminação e encarecimento do serviço de coleta e destinação do lixo.

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