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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (G)
Santos em três momentos (2): 1983

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas. Em 26 de março de 1983, o jornal santista A Tribuna comemorava seu 90º aniversário com uma edição especial, em que mostrava a cidade em três momentos - passado, presente e futuro:
 


No congestionamento, a imagem dos tempos contraditórios em que vivemos,
onde as prioridades não são observadas

A preparação para o futuro

(ou como escapar da estagnação do presente)

Imagine que agora você está tentando chegar a Santos. Você sabe onde fica aquela cidade que surge logo após a neblina da Serra, cheia de praias, com muito sol, própria para um bom e divertido fim de semana. Mas logo você percebe que chegar a Santos está cada vez mais difícil, com as obras de alargamento da Avenida Martins Fontes, na entrada da Cidade, que provocam, em dias normais, congestionamentos que ultrapassam uma hora de espera.

Mas o lazer compensa qualquer sacrifício, não é mesmo? E você sente o prazer antecipado de descarregar toda a tensão e aliviar o cansaço da vida rotineira. E é simples: basta entrar naquele mar todo, deitar na areia e deixar o tempo voar, sem maiores preocupações.

Mas se você prestar um pouco de atenção, verá que nem tudo é assim tão tranqüilo em Santos. E certamente perguntará: que cidade é essa?

Vamos com calma, agora que você está entrando em terreno perigoso. Se atingir o Centro de Santos está difícil, desvendar o coração e a alma da Cidade é tarefa ainda mais heróica e trabalhosa, pois parece que as contradições flutuam em todos os cantos. E olhe que não são poucas...

A História é implacável e hoje é fácil perceber a realidade, cada vez mais cristalina: são 440 anos de coragem e fibra, nobres sentimentos geralmente recompensados de forma drástica e arbitrária, com cassações, restrições e perseguições.

A fragmentação - O comércio do café deixou de ser a sustentação da economia e da sociedade santista, enquanto o porto deixou de oferecer trabalho. E sem saber como aproveitar o turismo, Santos repentinamente deixou-se consumir por suas próprias dúvidas. E, tentando encontrar caminhos para equilibrar suas finanças, sofreu dois tropeços significativos: a cassação da autonomia e as restrições à importação.

A falta da autonomia representou - e ainda representa - muito mais do que a suspensão do direito de escolher o prefeito do Município. Sem ela, o comando deslocou-se para longe, mais precisamente para o Palácio do Planalto, em Brasília. Santos perdeu a liberdade de opção, de ação, a iniciativa para procurar aqui mesmo as respostas para os seus problemas. E o clima de submissão acabou contaminando, como praga incurável, todos os setores de atividade.

O orgulho santista, de independência de ação e pensamento, estava finalmente quebrado. Afinal, desde os tempos imperiais a brava gente santista incomodava os poderosos, com sua teimosia em lutar sempre contra as injustiças.

Quanto ao Porto, com as restrições e a queda dos preços do café no mercado externo, muitos compreenderam finalmente que deveriam abandonar os sonhos de riqueza. E a construção civil, depois de invadir todo e qualquer espaço disponível, já não encontrava tanto campo para atuar.

Novos tempos aproximavam-se, mas Santos debatia-se no redemoinho do milagre brasileiro. A Cidade havia sido atingida em dois pontos vitais, política e economicamente. A volta à realidade foi, então, lenta e sofrida.

O despertar - 1983. Um ano fatídico, dizem todos, enquanto os eternos otimistas tentam mostrar que nem tudo está perdido. Existe lógica no raciocínio, mas é preciso entender que os milagres não caem mais dos céus, como antigamente. É preciso criar as condições para que eles aconteçam.

Os problemas de Santos ainda são os mesmos, mas os dias passam e as soluções viáveis não são aplicadas na prática, permanecendo no terreno dos planos e projetos, estudos e divagações metafísicas. Fantasia-se a realidade como se Santos permanecesse adormecida, vivendo dos momentos de glória do passado.

Parece fundamental entender que as mudanças aconteceram rápido demais e não foram suficientemente acompanhadas. Ontem, Santos era um local tranqüilo, com casarões vistosos, chalés, jardins e muitas árvores, com importantes raízes históricas a serem preservadas. Hoje, Santos é uma cidade que se projeta para o futuro que se aproxima velozmente. Mas que não se está preparando para viver o futuro.

Perguntar-se-ia, então: o que fazer para retomar a caminhada tão bruscamente interrompida?

Inicialmente, uma retomada de consciência, um movimento de adequação à realidade, que absorva e assimile temas como a definição das potencialidades (qual a principal característica: cidade turística, cidade-dormitório, centro de prestação de serviços?) e a formulação honesta da estrutura que hoje faz falta.

Até hoje, o crescimento físico aconteceu de forma aleatória, sem qualquer disciplina e beirando o caos. Planejar e ordenar a Cidade é mais importante do que possam pensar aqueles que têm o poder de decisão (ou mesmo de fiscalização), pois está ligado diretamente à qualidade de vida da população. E qualquer pessoa de razoável sensibilidade sabe muito bem que a estrutura física age sobre o psiquismo das pessoas, sobre a sua personalidade.

Em termos econômicos, é urgente o aproveitamento do que existe de natural, ou seja, as atrações turísticas. Valorizando e cuidando daquilo que temos, além da criação de novas opções, Santos estará mostrando seu amadurecimento e, mais do que isso, realmente aproveitando seus recursos e crescendo financeiramente. Pois o que hoje é feito, em termos de turismo, não significa nada, apenas abrem-se as estradas e permite-se que os turistas desçam a Serra. Por que não implantar novos equipamentos ao longo das praias que, ao mesmo tempo, possam tornar a estada dos turistas um pouco melhor e revertam em cruzeiros para os cofres públicos? Afinal, a Prodesan existe para quê? Apenas para tapar buracos?

A grande questão - Sem dúvida, o problema principal não é o que fazer, mas como encarar as questões referentes ao desenvolvimento de Santos. Pensar longe e claro é o que a Cidade necessita, a compreensão de que é preciso revisitar o passado e arrancar do presente o futuro de Santos.

E a política é exemplo marcante: enquanto Santos defronta-se com questões essenciais, nos salões e gabinetes preocupam-se com detalhes insignificantes, com providências não prioritárias, com o aumento do número de funcionários da Câmara, com a discutível concha acústica ou a iluminação das praias. Perderam a sensibilidade, os nossos políticos?

Mas existem outros indícios: desde as eleições de novembro, a participação popular cresceu bastante, apesar de todas as frustrações que ocorrem diariamente, como o posicionamento personalista de muitos eleitos ou aumentos exagerados nos preços das tarifas dos ônibus urbanos. Em vários pontos da Cidade, aprende-se gradativamente a reivindicar e a exigir satisfações dos homens que ocupam cargos públicos. É o início do sentimento democrático. E aqueles que não compreenderem que os novos tempos estão realmente chegando correm o risco de ficarem perdidos na poeira do passado.

Socialmente, vivemos tempos igualmente difíceis, pois a crise econômica aumenta a população carente e reduz suas possibilidades de acesso aos bens de uso comum. Que, por definição, deveriam ser colocados à disposição de todos os habitantes.

Surge, como em todas as cidades da Baixada Santista, um cinturão da miséria, com as favelas, os diques, as palafitas e os casebres nos morros. Como acabar com esta triste paisagem? Simples: dando toda a assistência e condição para que se sintam, pelo menos, como integrantes de uma comunidade. E não como os eternos espoliados de um sistema que esmaga e expulsa, continuamente, a população carente, para valorizar áreas antes ocupadas por quem não tem onde morar com dignidade.

Eis a questão, senhores moradores e senhores visitantes: a necessidade de retomar a sensibilidade e pensar em enfrentar os problemas como quem cuida, com carinho e generosidade, de um filho doente. Procurando o seu restabelecimento global, integral. E a lembrança que o poder não existe para servir a interesses pequenos ou ambições pessoais, mas sim para preparar o crescimento dos homens, dos filhos da comunidade.

É o que a Cidade do presente necessita para tornar-se contemporânea, para viver o seu tempo devido e preparar o seu futuro, incluindo a questão da ocupação de Bertioga.

Pois, hoje, Santos é uma cidade aparentemente nova, que substitui seus prédios da noite para o dia. Mas que permanece com o coração envelhecido.

Quando a nova consciência existir, poderemos receber sem sustos todos os turistas que desejarem enfrentar a neblina da Serra e os congestionamento da entrada da Cidade. E, então, mostraremos a todos que aqui se respira um ar mais leve, o ar da renovação.

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