UM DRAMA - Enquanto aguardam as promessas de reurbanização,
famílias vêem a proliferação de barracos nas áreas carentes de Santos.
Na Vila Gilda, quase 5 mil famílias sem água e esgoto tratados
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Segunda-feira, 21 de Fevereiro de 2005, 06:56
FAVELAS
À espera de uma casa
Enquanto sofrem com as condições insalubres nos barracos das áreas mais carentes da Cidade, famílias testemunham a proliferação dessas moradias e cobram projetos de reurbanização
Fabiana Honorato
Da Reportagem
Prestes a dar à luz o quinto filho, Soledade Alves da Silva, de 25 anos, espera pelo dia em que trocará o barraco sobre palafitas que habita há 13 anos, no
Dique da Vila Gilda, por uma residência digna. Enquanto isso não acontece, ela e outros moradores de favelas da Cidade presenciam a proliferação dessas moradias precárias e sofrem com as condições de vida desses locais.
O assunto foi tema de matéria publicada no último dia 13 em A Tribuna, onde informações da Cohab davam conta de que "a meta do Governo (João Paulo Tavares)
Papa é retomar o extinto programa de congelamento de favelas".
A medida é ainda mais esperada pelos moradores de regiões que concentram essas habitações, tanto os que viram as favelas surgirem quanto os que estão há pouco tempo nesses locais.
Precariedade |
"Eu tomo banho usando roupa, vê se isso é possível?"
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Soledade Alves da Silva
Moradora do Dique
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"Como eu, enquanto moradora, posso impedir as invasões, por mais que isso inviabilize um projeto de reurbanização?", questiona a presidente da Sociedade de Melhoramentos da Vila Gilda,
Lucinéya Marques de Souza. Segundo ela, estimativas apontam que só naquela área existam cerca de 5 mil famílias. A maioria, perto de 90%, não conta com rede de água e esgoto tratado.
O crescimento dessas habitações, analisou Néya, como é conhecida, é conseqüência da desativação do programa de congelamento de favelas e do cenário de desemprego nacional. "Você
vê todos os dias o aumento das favelas. As pessoas estão desempregadas e não têm onde morar. Diante desse quadro, você vai fazer o quê?".
Inconformada com a permanência de um cenário já tão antigo de total exclusão social, a líder comunitária espera que a reurbanização do dique seja retomada o mais rápido possível,
conforme promessa do prefeito, João Paulo Tavares Papa.
Entre as medidas que julga serem necessárias para viabilizar a construção das moradias no local, Néya citou a volta de um órgão paritário, chamado Comu, onde os representantes da
comunidade discutiam diretamente as questões habitacionais com o Poder Público. "O primeiro passo deve ser a retomada do Comu, que desde o primeiro ano de mandato do antigo prefeito (Beto Mansur) foi abandonado".
Empenhada em fazer o projeto sair do papel, ela afirmou que procurará Papa a fim de mostrar os anseios da comunidade. "Eu espero que essa obra aconteça. Estamos cansados de promessas e
nada ser feito".
Barraco onde mora Soledade corre o risco de desmoronar
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Banheiro - Sem contar com o precário banheiro, que caiu há cerca de um mês, Soledade, mais conhecida como Sula, vive num estreito barraco com igual perigo de desmoronar.
Com o marido desempregado e acamado, ela se entristece ao comentar que está prestes a dar à luz. "Meu banheiro caiu. Meu marido foi atropelado duas vezes ontem (quarta-feira). E agora,
como posso ter um filho nessas condições?"
Enquanto não pode refazer o cômodo, ela, o marido e os quatro filhos pequenos tomam banho no tanque de lavar roupa, do lado de fora do barraco. "Eu tomo banho usando roupa, vê se isso é
possível?"
Depois de 13 anos morando em uma habitação improvisada com tábuas que ameaçam ruir a qualquer momento, Sula mantém a esperança de ver sua situação melhorar. "A gente sempre
acredita né?"
No Dique da Vila Gilda, onde vivem 5 mil famílias, 90% delas não têm água e esgoto tratado
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Segunda-feira, 21 de Fevereiro de 2005, 06:57
Crescimento de favelas é menor na V. Pantanal
Ainda que em menor número, a construção de novos barracos na Vila Pantanal, Saboó, é vista com receio pelos moradores que aguardam as próximas etapas do
projeto de reubanização da favela.
No local, as invasões são menos freqüentes, uma vez que os ocupantes dos barracos que já foram removidos para os apartamentos se comprometeram a demolir as antigas moradias. Mesmo assim,
eles alegam ser impossível impedir que novos barracos sejam construídos na favela.
"Não temos como expulsá-los ou evitar que entrem. Sabemos que onde já foi ocupado não voltará a ser, mas em outros locais não há como vigiar", disse o presidente da Associação dos
Moradores da Favela Vila Pantanal, Valdomiro Andrade dos Santos.
Segundo ele, a entrega, em setembro, das 260 unidades do Conjunto Habitacional Governador Mário Covas, primeira etapa do projeto de reurbanização do local, parece ter estimulado os
moradores.
Ainda faltam mais três etapas para que a favela seja extinta, o que deve ocorrer dentro de 10 anos. "O problema é que, se a área desocupada por quem estava nos barracos ficar livre por
muito tempo, pode voltar a ser invadida", falou ele.
Ratos - Na expectativa de ser contemplada na próxima fase da iniciativa, a dona-de-casa Rejiane Maria Belo Vieira, de 19 anos, ocupa há duas semanas, com o marido, um novo barraco
na Vila Pantanal. "Morávamos há dois anos em cima do canal, em palafitas, e não estávamos cadastrados. Mas agora eles nos incluíram e nos removeram para esses barracos, melhores do que onde estávamos", explicou.
Além dela, outras 29 famílias estão agora em outras moradias, improvisadas pela Cohab e que os abrigarão provisoriamente até que os apartamentos fiquem prontos.
"Estou há três anos na favela, mas onde morávamos era muito ruim, tinha rato e outros bichos", emendou Edileuza dos Santos Ribeiro, de 26 anos, que também foi transferida junto com o
marido e o filho de quatro meses.
A expectativa de ambas é que o número de barracos nas favelas pare de crescer na mesma proporção que novas unidades habitacionais forem entregues aos moradores. "Esperamos que toda essa
área um dia seja só prédios, sem nenhuma favela e com condições dignas para se viver", disse Rejiane.
Rejane (à dir.) morava em cima de palafitas e Edileuza está no local com a família há três anos
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Segunda-feira, 21 de Fevereiro de 2005, 06:56
Boquinha admite que não houve congelamento
De acordo com o coordenador da Regional da Zona Noroeste, Geonísio Pereira de Aguiar, o Boquinha, não houve o congelamento das favelas, mas sim a contenção de novas moradias desse
tipo.
Recentemente, o Governo Papa anunciou que as obras no Dique da Vila Gilda serão retomadas em abril, por meio do Programa Habitar Brasil, com a construção de 480 unidades a um custo de R$
14,8 milhões.
Segundo Boquinha, para que o congelamento de favelas surta os efeitos necessários, a Prefeitura deve repensar o programa. "A comissão de congelamento de favelas tenta atuar da
melhor forma, mas temos um número reduzido de agentes de campo, que fiscalizam essa situação".
A situação mais crítica constatada por Boquinha, que faz visitas freqüentes às favelas, é a do Dique da Vila Gilda, onde os barracos avançam para a maré. "Os jovens casam e
continuam a morar lá. Os moradores pedem melhorias, mas nem tudo eu posso fazer, por decisão do Ministério Público e para não incentivar mais invasões". Vale lembrar que na área da Favela Vila Pantanal, Saboó, serão construídos ao todo 1.040
apartamentos.
480 unidades |
deverão ser construídas no Dique da Vila Gilda pelo Habitar Brasil
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Controle - Secretário de Governo, Márcio Lara explicou que existe um decreto que determina as regras e estabelece as atribuições para as devidas áreas da Prefeitura atuarem nessa questão.
No entanto, a Administração está aprimorando as estruturas e instrumentos para controlar o surgimento dessas habitações e evitar novas ocupações. "Visamos a regularização fundiária e
urbanística, além da promoção de trabalho e geração de emprego e renda para essas famílias".
Lara frisou que o trabalho de congelamento de "habitações subnormais" na Cidade nunca deixou de ser feito, mas o modelo de execução passa agora por uma discussão para o "aprimoramento do
que já existe".
Nesse sentido, está sendo estudado o uso da ferramenta do geoprocessamento no controle das habitações em áreas invadidas. Essas mudanças, conforme ele, dependem diretamente da reforma
administrativa alinhavada pelo Governo, mas ainda não têm data para serem implantadas. "Trata-se da lista de atribuições dos órgãos que estão ligados ao programa de erradicação de habitações subnormais. Não estamos com o trabalho parado, mas não
posso anunciar nada antes do prefeito aprovar".
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Márcio Lara: discussão para aprimorar
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Boquinha: poucos agentes de campo
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Fotos: arquivo, publicadas com a matéria
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