DOCUMENTOS
Doc. n. 40
Ilmo. sr. provedor da Santa Casa de Misericórdia de Santos
De posse do ofício que V. S. me dirigiu em 12 do corrente, fiquei ciente de ter sido nomeada nova comissão para acompanhar o andamento que dou à execução do testamento do benemérito santista João Octávio dos Santos, concernente à construção e montagem do edifício para o Instituto D. Escolástica Rosa.
Estimando ver tão ilustrados e distintos cavalheiros interessados nesse grande empreendimento, aproveito a oportunidade para juntar aqui a cópia do meu último requerimento ao M. juiz do Inventário, pelo qual se verifica o recurso pecuniário do espólio.
Qualquer outro esclarecimento que a digna comissão possa precisar, será prontamente fornecido, assim como encontrará ela, sempre à disposição em nosso escritório, os respectivos livros e documentos do inventário.
Apresento a V. S. e a seus companheiros da Comissão os meus protestos do mais elevado apreço.
Santos, 21 de setembro de 1906.
Júlio Conceição.
Doc. n. 41
Exmo. sr. dr. juiz de Direito da 1ª Vara.
Ao testamenteiro, para atender. 17-4-07.
Roiz Sette.
A Comissão abaixo assinada, nomeada pela Mesa Administradora da Santa Casa de Misericórdia, para acompanhar as obras do Instituto D. Escolástica Rosa, necessitando prestar informações à mesma Mesa sobre o estado de tais obras, precisa que V. Excia. se digne de mandar que o inventariante e testamenteiro, junto a este, informe o seguinte:
1º) Se o edifício destinado àquele Instituto está ou não com as obras concluídas.
2º) No caso negativo, quais as obras que faltam.
3º) Se está ou não terminado o prazo concedido por este juízo para a prestação final de contas da testamentaria.
4º) Em quanto importaram as obras do edifício e em quanto importarão as que faltam para a conclusão.
5º) Qual a razão de não haverem sido concluídas as obras até a presente data.
6º) Qual a renda líquida do patrimônio do Instituto, mensalmente.
P. Deferimento.
Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, Provedor.
Dr. Guilherme Álvaro, Mordomo Geral
João N. Freire.
Doc. n. 42
Exmo. sr. dr. juiz de Direito da 1ª Vara.
J. para constar. Santos 2-5-907.
Roiz Sette.
Em 17 do corrente foi-me presente a seguinte petição, enviada pela Santa Casa de Misericórdia desta cidade.
As interpelações da mesma foram devidamente respondidas, como passarei a transcrever, ipsis verbis, não só o inteiro teor da petição e despacho de V. Excia., como a minha resposta aos sete itens na mesma contidos.
....................................................................................................................... (*)
(*) Vid. doc. n. 41, para não repetir transcrição
Exmo. sr. dr. juiz de Direito da 1ª Vara.
Em obediência ao despacho de V. Excia. exarado nesta petição, cumpre-me dizer que, conquanto esquisito que uma Comissão da Santa Casa de Misericórdia, expressamente nomeada para acompanhar as obras do Instituto, NECESSITE INFORMAÇÕES SOBRE O ESTADO DAS MESMAS, quando as contas do Instituto referentes à montagem, construções etc., são visadas pela referida Comissão -, passarei a responder aos quesitos retro.
Antes, porém, de respondê-los, não deixarei de notar que até hoje ninguém se interessou no sentido de vir pedir-me informações ou recorrer aos autos do inventário, a não ser o M. juiz do feito, que acompanha com interesse os passos que estão sendo dados.
Anteontem, 17, a Comissão interpelante fez uma visita ao Instituto, precedendo-a de um aviso ao testamenteiro, por ofício de 16 do corrente. Infelizmente, como estive em S. Paulo a outros negócios, e também a alguns relativos ao Instituto, não pude estar presente a essa visita.
Apesar do que no local foi visto pela Comissão, não posso deixar de ser um tanto minucioso na resposta aos quesitos, atenta a origem da interpelação e o fundo que a mesma encerra.
"1º - Se o edifício destinado àquele Instituto está ou não com as obras concluídas".
Resposta:
As obras de pedreiro estão concluídas, com exceção de uma parte dos calçamentos externos e um pequeno muro em sentido transversal do terreno, para amparar os aterros ali feitos, como os suplicantes podiam ter observado por ocasião da visita, que anteoontem fizeram às obras, encontrando no local um pedreiro, um servente e um trabalhador que faz o serviço de capinação e roçagem do terreno.
"2º - No caso negativo, quais as obras que faltam".
Resposta:
Já está respondido: faltam, em parte, os calçamentos externos e o pequeno muro transversal para amparo do aterro, se é que a Comissão reparou.
"3º - Quando pretende inaugurar o Instituto e fazer entrega à Santa Casa".
Resposta:
Pretendo inaugurar o Instituto quando, muito naturalmente, tudo ficar completo.
Como viu a Comissão, falta algum aterro, parte dos calçamentos externos, fogão, enxoval de cama e mesa, baterias de cozinha, instalação de oficinas de sapataria e alfaiataria, instrumental para a banda de música e talvez mais algumas coisas insignificantes que me possam ter escapado neste momento. A entrega será feita quando se realizarem todos estes trabalhos e estiverem todas as contas liquidadas, sem ônus para a Santa Casa, se antes o M. juiz não ordenar o contrário.
"4º - Se está ou não terminado o prazo concedido por este juízo para a prestação final de contas da testamentaria".
Resposta:
Quanto ao prazo para a conclusão da testamentaria, está ao rigoroso cuidado do testamenteiro zelar pelo que lhe foi concedido pelo M. juiz, em 28 de julho de 1906, segundo poderão verificar nos autos do inventário.
A prestação de contas da testamentaria tem sido feita mês por mês, desde o início do inventário, fazendo-a acompanhar de documentos comprobatórios das contas pagas e recebimento dos aluguéis, constatados em lista com o nome do inquilino, rua e número da casa e valor do aluguel.
Assim, a prestação final de contas da testamentaria depende de pouco: apenas do que se gastar daqui por diante e do exame das contas, que os interessados têm o reigoroso dever de fazer.
"5º - Em quanto importaram as obras do edifício e em quanto importarão as que faltam para a conclusão".
Resposta:
As obras do edifício importaram, em 31 de março do corrente ano, em Rs. 369:888$834, que a Comissão pouco mais ou menos deve saber, porque limitou-se a tomar cautelosamente apontamentos e visar todas as contas, que são pagas por medição, as quais, por seu turno, também são visadas pelo exmo. sr. dr. Ramos de Azevedo. Essas medições, qualquer membro da Comissão ou qualquer interessado poderá verificar, tomando o trabalho de puxar a trena e fazer os cálculos de metragem linear, quadrada ou cúbica, conforme a natureza do serviço.
Naquela casa, para livrar dúvidas, nada se fez até hoje por administração, tudo é feito sob unidade métrica, até as pinturas e caiações do edifício, pertencendo todos os materiais aos respectivos empreiteiros, nada tendo o Instituto com isso, se não quanto à sua boa qualidade. Quanto à qualidade do material empregado, solidez das obras e rigorosa execução das plantas aprovadas, têm sido e serão fiscalizadas pelo testamenteiro e seus empregados, pois até hoje o espólio não despendeu um real sequer com esse serviço.
A digna Comissão, que certamente fora perspicaz e observadora em sua visita de anteontem, há de ter notado que no Instituto existem algumas coisas mais que as construções, forçando-me a dizer que até então não pesaram na conta da instalação e nem ao espólio, porque ainda não visou contas que se referissem à arborização, feitura de jardim, gramado, algum aterro, guarda do edifício, zelo do mobiliário e outras pequenas coisas que não vale a pena mencionar.
Cumpre-me observar que o saldo acima de Rs. 369:888$834 é a soma da conta especial que criei na escrituração do espólio exclusivamente para lançar o que concerne propriamente à construção e instalação do Instituto D. Escolástica Rosa.
As notas das contas visadas, tomadas por essa Comissão, deverão conferir com o saldo acima, uma vez que leve em conta: custo do terreno, Rs. 15:000$000; despesas anteriores com diversos estudos preliminares de engenharia e três projetos, Rs. 5:000$000; pequenos objetos para o jardim, tais como tesouras, pás, vassouras, máquina de podar, ancinho, fretes e, finalmente, o ordenado de 700$000 mensais ao futuro diretor do Instituto, mandado pagar por determinação do digno Juiz do inventário em virtude da informação dessa mesma Comissão, que, ciente das considerações ou informações ue prestei no mesmo requerimento, não se opôs ao pedido do requerente, nos seguintes termos: "O M. juiz resolverá como melhor entender sobre o requerimento retro, sendo que não nos opomos ao que é pedido ali".
As notas, portanto, das contas visadas, que essa comissão tem tomado, acrescentando esses extras aqui narrados, forçosamente devem conferir com a soma referida, de Rs. 369:888$834.
Se a Comissão não se esqueceu da reunião que precedeu o início das obras do Instituto D. Escolástica Rosa, em 12 de agosto de 1904, no Fórum, perante o M. juiz do inventário, deve saber que as mencionadas obras foram iniciadas tomando-se por base preços unitários, de unidade métrica contratual, não só para trabalhos de alvenaria como de carpintaria. Os trabalhos de funilaria, ferraria, instalação elétrica etc. têm sido feitos em S. Paulo, por concorrência, pelo ilustre engenheiro-arquiteto, exmo. sr. dr. Ramos de Azevedo.
Estando os trabalhos prosseguindo sob esse regime de construção, não posso precisar em quanto importará esse resto de serviço, de que a Comissão está ciente, pois o seu quantum determina-o a medição e a maior ou menor importância da montagem das duas oficinas que faltam, pois já está completa a primeira oficina de marcenaria e carpintaria, com máquinas apropriadas vindas dos Estados Unidos da América do Norte.
Essa digna Comissão está provavelmente esquecida de que, antes do início da construção do Instituto D. Escolástica Rosa, nos reunimos com o exmo. sr. dr. Ramos de Azevedo, em 7 de agosto de 1904, e ficou assentado adotar-se o projeto desse ilustre arquiteto, orçado em Rs. 352:000$000, e em 305:192$536 com o aproveitamento da antiga casa do sítio onde se erigiu o Instituto.
Ao proceder-se a reparos e saneamentos nessa antiga casa, tais como cimentamento do solo, colocação de latrinas, banheiros etc., a fim de adaptá-la para residência do diretor e sua família, empregados e almoxarifado, verificou-se que os assoalhos, ao serem levantados para o cimentamento, estavam com muitas vigas podres; as paredes, com exceção de uma parte da externa, eram todas de pau-a-pique e ruinosas, importando tais reparos em prédio novo e fora do plano.
Em vista disso, convidei essas digna Comissão, em 30 de abril de 1906, a fazer uma visita às obras e certificar-se do que está exposto.
Feita a visita e certificando-se de tudo, a digna Comissão concordou comigo em que se fizessem, dentro do plano, casa nova para o diretor, empregados e almoxarifado, uma lavanderia e um ginásio. Isso tudo está corretamente executado, sob o mesmo regime de unidade métrica para pagamento das construções.
O orçamento de 352:000$000, propriamente para as construções dos edifícios e montagem, não foi excedido, ainda estamos bastante aquém, uma vez que se isole da conta, como é natural, naturalíssimo - custo do terreno anexo adquirido, despesas com os projetos anteriores etc., conforme no item 7º - e mais, notem bem, extra-orçamento da montagem e edificações: calçamentos, muros e gradis externos, fundações do 4º pavilhão de oficinas até a altura de 65 centímetros acima do solo, destinado à oficina tipográfica e encadernação, mais de meio quilômetro de cerca em arame farpado, com mourões de trilhos e aço, e o aterro do local. Como, pois, a digna Comissão há de ter notado, as edificações foram feitas em plano elevado, aterrado, a fim de sanar males da própria escolha do sítio onde quisera e foi colocado o Instituto.
O ato de fazer as edificações em plano aterrado, sem consulta, foi de mim para mim, julgando bem zelar de atribuições que muito em particular me estão confiadas pelo testador.
Como todos sabiam e foi verificado posteriormente durante as construções, as águas da lagoa existente atrás, em certas épocas do ano, atingiam a cozinha do antigo prédio.
As obras de saneamento que a nossa Câmara Municipal pretendeu fazer naquele charco, lá estão à vista de quem quiser, inutilizadas por completo.
Penso assim justificar tais excessos, sem audiência da digna Comissão, com trabalhos imprescindíveis, pois não podia o terreno ficar em aberto e o edifício colocado em lugar baixo, atingível pela água.
"6º - Qual a razão de não haverem sido concluídas as obras até a presente data".
Resposta:
Se a digna Comissão interpelante tivesse cumprido com o encargo que aceitou, deveria saber que o motivo de não estarem concluídas as obras é a razão pecuniária, pois que tão grande empreendimento está sendo executado vagarosamente para ir de acordo com as rendas do patrimônio.
Essa digna Comissão não devia ter esquecido que esta testamentaria, desde a conclusão do inventário, tem obedecido, com assentimento e aplauso do M. juiz, e acredito que também da Santa Casa, à orientação de não vender imóvel algum do patrimônio para não desfalcar a sua renda, a fim de atender ao grandioso empreendimento que, com conhecimento do saldo da época, fora resolvido em reunião de 9 de abril de 1904, no Fórum, perante essa Comissão e o M. juiz do inventário.
Ainda no dia 3 do corrente, por carta publicada na primeira página da "A Tribuna", o público desta cidade ficou ciente da demora da inauguração do Instituto; mas, como é provável que a digna Comissão não tivesse conhecimento disso, aqui transcrevo a referida carta, que presumo completar a resposta a este item da interpelação:
"Santos, 3 de abril de 1907. - Ilmo. sr. redator da "A Tribuna"
Acabo de ler em seu jornal uma interrogação sobre a inauguração do Instituto D. Escolástica Rosa.
Tratando-se de assunto que por forma alguma deve deixar de ter a necessária explicação de minha parte, convido V. S. a examinar, nos autos do inventário, as forças do patrimônio e apreciar como tem sido dirigida a renda do espólio e bem assim a construção e instalação do Instituto.
Ali V. S. encontrará os balancetes que presto, mês por mês, instruídos com os devidos documentos, desde o início do inventário. Se isto não lhe aprouver, ou achar mais facilidade, mesmo porque com isso não despenderá em extrair certidões, V. S. ou qualquer pessoa interessada encontrará, como sempre, em meu escritório, toda e qualquer explicação e mais as duplicatas de todos os documentos nos autos, da gestão do encargo que me foi confiado.
É verdade que o tempo já vai longo, pois, se não fosse a largueza de vistas, com anuência dos interessados, e incômodos para mim, em dois tempos estaria instalado o Instituto na cidade, em local e prédio impróprios para o fim.
Grandiosa como está sendo a instalação, tudo se provendo a fim de que nada falte para a completa montagem, e com recursos relativamente minguados, afirmo, com consciência, que não se pode fazer mais.
As obras estão seguindo com lentidão, para as quais auxilio com adiantamentos de dinheiro.
Entendo que o Instituto não deve ser inaugurado com ônus de espécie alguma, como também pensa o M. juiz do inventário, porque será uma instituição que, sob a administração da Santa Casa, não lhe deva ser pesada e nem venha a explorar ou implorar a caridade pública.
Repito: tenha a bondade de procurar as informações, para judiciosamente bem julgar o assunto.
Uma vez que fui publicamente interrogado, desejo merecer a fineza de estampar a minha lacônica explicação.
Com estima e consideração etc.".
"7º - Qual a renda líquida do patrimônio do Instituto, mensalmente".
Resposta:
A Comissão encontrará nos autos, como com o testamenteiro, toda e qualquer explicação. Entretanto, para não me alongar em recapitulação das prestações de contas, repetidas vezes feitas ao digno juiz do inventário, citarei a última prestação, relativa ao trimestre de dezembro, janeiro e fevereiro últimos, por onde poderão fazer ideia da renda:
Dezembro .................................................................. 9:312$000
Janeiro ..................................................................... 10:160$000
Fevereiro ................................................................... 9:911$300
Sendo bruta essa renda, deduzidas as despesas de consertos, empregados etc., deu uma renda líquida de R$ 23:384$756 no trimestre, ou por mês Rs. 7:794$918 (*).
(*) Por inadvertência, pesa sobre este líquido a importância de 700$000, ordenado do futuro diretor do Instituto. Digo que houve inadvertência, visto que esta soma pertence à conta da construção, montagem e despesas propriamente reerentes ao Instituto.
J.C.
O líquido desta renda varia conforme a época de pagamento do imposto predial à municipalidade, taxa de esgotos ao Estado e à menor ou maior quantidade de melhoramentos exigidos pelos prédios. Estes mesmos sempre foram feitos por concorrência entre mestres de obras e pintores, conforme atestam os serviços feitos e as propostas de concorrência, no arquivo do espólio, motivando as contas apresentadas. Só não são feitos por concorrência pequenos e urgentes trabalhos que a elas não se prestam, como consertos de calhas, goteiras, reparos em canos de água e gás, colocação de fechaduras, pequenos remendos, reparos em calçadas, caiações e outros trabalhos de igual importância.
Finalizando:
A digna Comissão interpelou anteontem a um dos três operários que encontrrou no Instituto, onde estavam os outros que ali trabalhavam. A esta interpelação estou habilitado a responder: o grupo de operários que trabalhou no Instituto pertence ao construtor sr. Angelo del Debbio, que tem distribuído parte do mesmo em trabalhos do "Moinho Santista", parte em construções minhas particulares e o restante em construções de estações na linha Sorocabana.
Em tempo:
Entendo conveniente observar que, no trimestre tomado por base para se apurar o liquido da renda mensal de Rs. 7:794$918, conforme acima se viu, foi ele um dos onerados pelo seguro contra fogo (*) de todos os prédios urbanos e suburbanos, dispêndio este que se dá uma vez por ano.
(*) E os 2:100$000 do trimestre ao futuro diretor do Instituto.
J.C.
Se porventura tiver escapado qualquer informação para satisfazer os intuitos interpelativos da digna Comissão da Santa Casa, será para mim motivo de imenso prazer satisfazê-la com a maior solicitude e rapidez.
Santos, 19 de abril de 1907.
Júlio Conceição
.......................................................................................................................
Essas interpelações, exmo. sr., não poderiam deixar, pela sua fonte, de trazer certa desilusão a quem, com inquebrantável abnegação e escrúpulo, vem de longa data cuidando de um empreendimento de tal magnitude, como tudo melhor demonstrará, com documentos, o relatório final desta testamentaria.
A atitude da Comissão da Santa Casa, acentuadamente hostil, de verdadeira ojeriza, data desde a escolha do local onde foi instalado o Instituto, e mais vem corroborar esta asserção a interpelação OFICIAL por intermédio de V. Excia., a qual, se não teve um intuito perverso, foi pelo menos de uma inqualificável inépcia ou leviandade. A comissão da Santa Casa, firmando-a, não foi mais que um veículo transmissor de murmúrios muito em voga em tudo nesta cidade, impróprios das pessoas em jogo e da elevação do assunto.
Os serviços que tenho prestado de longos anos à Santa Casa, aliás reconhecidos pela Irmandade, me dão direito a exigir mais consideração por parte da Comissão que a representa.
Cito com facilidade todos os incidentes das reuniões que tivemos, porque tomei a precaução de, ato contínuo às mesmas, relatá-las a V. Excia., a fim de merecerem o respectivo despacho, como têm tido, para a sua inclusão nos autos, senão como peças documentais, ao menos como um histórico verdadeiro das ocorrências que se deram.
A Comissão, se dedicasse real interesse ao espólio e não fugisse sistematicamente de procurar confabular com o testamenteiro, não ignoraria, por certo, a soma de sacrifícios por mim empregados no cumprimento desta trabalhosa missão. E saberia mais, além do que ficou dito no 5º item, que ao espólio não têm pesado: juros de importâncias não pequenas que adiantei e até hoje adianto, sendo a primeira de quantia superior a cem contos de réis (100:000$000), o que fiz para ocorrer às primeiras despesas com os encargos e pesados impostos do inventário, evitando assim o empobrecimento do seu patrimônio pela venda dos imóveis que o constituem, quando o ideal, alíás realizado, fora de aumentá-o com edificações e melhoria dos prédios, ao ponto de duplicar-lhes a renda; aluguel de alguns anos de armazém (três anos e meio), exclusivamente para a guarda da mobília de João Octávio dos Santos, que irá figurar no Instituto; comissões de pagamentos realizados em S. Paulo, de todas as contas das construções; escritório que serve de secretaria a esta importante administração; quantias superiores a 13:000$000, de prejuízos que o espólio sofreu durante a administração, sendo o maior na importância de Rs. 6:100$000, conforme V. Excia. já teve ciência em virtude e petição junto aos autos do inventário; e, finalmente, muitas viagens e diligências a S. Paulo, a interesses do espólio (*).
(*) A vintena pro-labore, expressamente autorizada pelo testador em seu testamento, serviu para ocorrer a isso tudo e a muitas outras coisas mais, que aqui não são e nem devem ser mencionadas.
Como V. Excia. vê pelas contas mensais apresentadas, a escrituração, o árduo trabalho da cobrança de aluguéis e a fiscalização das obras dos prédios do espólio e construção do Instituto, tudo tem sido feito com esmero e cuidado. Isso não se obtém senão com pessoal competente, que, além desse predicado, tenha o da idoneidade. Ora, com o pessoal encarregado desse serviço, de completa garantia para o espólio, apenas são despendidos 600$000 mensais, quando em tempo do testador havia um cobrador de aluguéis com o ordenado de 400$000 para menor número de propriedades, afora um guarda-livros e um criado. E para harmonizar a acumulação de serviço no pessoal de minha confiança, com economia para o espólio, estabeleci que o cobrador, depois de ser vítima da infidelidade de dois, percebendo 300$000 mensais, dividisse 150$000 entre um fiscal e um guarda-livros.
Creio que para um espólio tão movimentado não é possível menor despesa: 600$000 para ocorrer à cobrança de nove, dez e onze contos de réis por mês; um mestre de obras para atender prontamente a todas as reclamações; fiscalizações diversas e perfeita escrituração mercantil, tudo feito por pessoal idôneo, parce-me que não se pode exigir maior economia.
Não é tudo. Parece esquecido que a esta testamentaria coube um dos mais penosos trabalhos, que foi reformar os velhos prédios do espólio, pois que à sua gestão tocou o período de transformação higiênica por que, como todos sabem, tem passado esta cidade, não havendo um prédio sequer que não sofresse intimação da Comissão Sanitária para sanar defeitos de sua origem ou feitura, conforme consta das intimações bem coordenadas no arquivo, uma por uma.
Esmiuçando, assim, qualquer ponto suscetível de nova interpelação, estou certo que V. Excia. há de aprovar esta minha atitude de tudo pormenorizar, alegando, o que nunca o faria, benefícios por mim prestados.
Sendo a unanimidade do assunto desta, como vê V. Excia., relativa ao andamento da testamentaria, principalmente no que se refere ao Instituto D. Escolástica Rosa, espero merecer o respeitável despacho de V. Excia. para a sua inclusão nos autos do inventário.
Assim,
P. deferimento.
Santos, 30 de abril de 1907u.
Júlio Conceição.
Doc. n. 43
Ilmo. sr. dr. juiz de Direito da 1ª Vara.
J. Notifique-se o testamenteiro. Santos 5-6-907.
Roiz Sette.
A Comissão abaixo assinada, nomeada pela Mesa da Santa Casa para acompanhar as obras do Instituto D. Escolástica Rosa, tendo requerido a V. Sa., para o fim de prestar informações à mesma Mesa, que mandasse o testamenteiro do finado João Octávio dos Santos responder aos quesitos constantes da petição que oferecera, o testamenteiro respondendo a uns, deixara entretanto de responder a outros, sendo de notar que nessas respostas aquele testamenteiro procura simplesmente não defender-se da demora proposital na conclusão das obras, e sim acusar a comissão que unicamente tem por missão visar as contas de fornecimentos de materiais e mão-de-obra que são apresentadas pelo testamenteiro para pagamento, mas que a comissão ignora se foram ou não realmente feitas ou recebidas, porque não tem meio para fazer essa fiscalização e nem tal coisa lhe compete.
Cumpre desde logo declarar que a comissão não fez visita alguma ao Instituto no dia 17 de abril e nem oficiara ao testamenteiro avisando-o dessa visita, porque não pretendia fazê-la.
Se em poder do testamenteiro existe algum ofício da comissão nesse sentido, é ele apócrifo.
Quem fez a visita foi a Mesa Administrativa da Santa Casa, que tendo oficiado nesse sentido, não mereceu a delicadeza de ser ali esperada por qualquer pessoa para abrir-lhe as portas de compartimentos que estavam fechados, ou dar-lhe as informações que desejasse.
O que apenas a Mesa Administrativa observa, foi que a sua anunciada visita fez um benefício ao Instituto, porquanto houve quem mandasse lavar pelo menos o assoalho dos lugares que estavam franqueados.
Conforme tem sido observado pelos membros da Comissão, é certo que nas obras não há pessoal para o trabalho e em tais condições é impossível a conclusão das obras, e só poderão ficar terminadas quando naturalmente tudo ficar completo, pois, tal é a resposta ao 3º quesito.
E estranha a comissão que na resposta ao quarto quesito, declare o testamenteiro que o prazo lhe fora prorrogado em 28 de julho de 1906, porque, se nas prorrogações anteriores era a Mesa da Santa Casa sempre ouvida, a sua audiência fora dessa vez dispensada e nem - concedida a prorrogação - lhe fora dada ciência!
Em relação ao 5º quesito, o testamenteiro responde que a comissão tem cautelosamente tomado notas e visado as contas e que ainda não visou contas que se referissem a arborização, feitura de jardim, gramado, algum aterro, guarda do edifício, zelo do mobiliário.
Como já ficou dito, a Comissão tem se limitado a visar as contas sem indagar se realmente os materiais lá chegaram e se o serviço foi feito, porque não tem meios para essa fiscalização e nem uma nota tem tomado das contas visadas, por julgar isso desnecessário.
Quanto à falta de contas de arborização, gramado, guarda e etc., a comissão recorda-se ter visado uma ou 2 contas do construtor com salários de jardineiro, e as árvores que lá estão não têm contas pagas porque são das que o Instituto Agronômico de Campinas dá gratuitamente a quem pedir.
Quanto ao guarda do edifício e zelo do mobiliário, nunca a Comissão teve o prazer de encontrar ali tão útil empregado.
Relativamente ao que está recebendo o diretor do futuro Instituto, a Comissão tem a dizer que a nomeação de diretor fora feita por proposta do testamenteiro quando se tratava de saber onde deveria ser instalado o Instituto, sendo a pessoa nomeada convidada desde logo a vir tomar posse do lugar e receber o ordenado que fora desde logo também fixado pelo testamenteiro sem oposição da Comissão que então era outra.
A pessoa nomeada para aqui veio e, vendo que os seus serviços ainda não eram necessários, pediu uma licença para voltar ao seu lugar de magistrado, e quando aposentado em virtude da compulsória apresentou-se novamente para assumir o lugar.
O testamenteiro, portanto, foi quem propôs a nomeação do diretor de um Instituto que ainda não existia.
Sobre as obras na casa destinada à residência do diretor, a Comissão atual, com exclusão de um de seus membros, nada sabe.
As informações que teve, por intermédio do mesmo seu companheiro, são que: a Comissão nunca teve convite para essa visita. O finado coronel Proost, encontrando-se com o companheiro referido, dera conhecimento de que a casa estava em mau estado e não podia ser aproveitada, sendo então combinada uma visita ao local. Nessa visita ainda, a Comissão não teve o prazer de encontrar o testamenteiro ou quem suas vezes fizesse, e tendo verificado o estado do prédio, a Comissão, por intermédio do coronel Proost, fez ciente ao testamenteiro que a sua opinião era de ser demolida a casa e construído um pequeno "chalet" para residência do diretor. Não se tratou de Ginásio e de lavanderia, coisas que não precisam de muito tempo e grande dispêndio e podiam ser feitas mesmo funcionando o Instituto.
Essa é a verdade sobre tal assunto.
Há ainda as fundações do 4º pavilhão, feitas sem ciência da Comissão e que não deviam ser feitas, porque quando, para o futuro, houver necessidade de ser construído esse pavilhão, nem a cimentação do solo existe e as paredes das fundações terão desaparecido.
O testamenteiro ainda uma vez manifesta a sua má vontade pela construção do edifício no lugar onde se acha, havendo sido contrariada a sua pretensão de ser comprado o edifício do Hotel Internacional.
Até esta data não consta à Comissão que o edifício construído tenha caído pelas águas da lagoa e nem que se tivesse por isso danificado.
A Câmara, ali mandando fazer uma obra, deixou ficar o aterro preciso para a lagoa, aterro esse que não foi aproveitado.
Relativamente ao 6º e último quesito, responde o testamenteiro que o motivo da não conclusão das obras é a falta de dinheiro, porque a renda precisa ser distraída com consertos nos prédios, impostos prediais, taxas de esgotos etc., o que justifica plenamente a opinião da Mesa da Santa Casa quanto à aquisição do prédio do Hotel.
E há despesas que devem ser levadas à conta da demora, como seja o imposto predial, pois uma vez funcionando o Instituto, a Câmara Municipal não se negará a dispenar tal contribuição, que só aproveitará aos órfãos ali recolhidos.
É, pois, um prejuízo que está sendo causado pela demora unicamente.
Ficou, portanto, a Comissão sem saber quando poderá ficar concluído o Instituto e em quanto importará o que resta fazer.
Poderá tão somente a Comissão informar à Mesa Administrativa que, se tiver de aceitar a incumbência que lhe deu o finado João Octávio dos Santos, receberá uma casa nova, é verdade, mas já necessitando de reparos e limpeza, porque não teve a conserva precisa, durante o tempo que esteve sem funcionar o Instituto.
A Comissão, respondendo assim às acusações, ressalvando o direito de corrigir o que entender a alterar também algumas vírgulas, requer que seja dada ciência ao testamenteiro, entregando-se depois à mesma Comissão para o uso que convier.
P. deferimento.
Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva
Dr. Guilherme Álvaro
João N. Freire Júnior.
Doc. n. 44 (*)
(*) À vista de ter a Mesa Administrativa da Santa Casa perpetuado em seu último relatório, deste ano, um resumo de duas interpelações com fundo acusativo, por ela feitas sobre as obras do Instituto, cujo assunto deveria ficar no silêncio do cartório, fui forçado, com bastante pesar, a modificar o plano deste meu trabalho, transcrevendo na sua íntegra não só as referidas interpelações, como as devidas respostas, positivamente claras e documentadas, uma vez que estas não figuram naquele relatório.
Há males que vêm para bem: essa atitude, manifestada no relatório, proporcionou-me defesa, que nunca faria, contra várias insinuações capciosas pela imprensa, que caladamente suportei, sem que os verdadeiros alvejados me viessem defender.
J.C.
Exmo. sr. dr. juiz de Direito da 1ª Vara.
J. Como requer. Santos 30-6-907.
Roiz Sette.
Fui notificado, por despacho de V. Excia. de 5 do corrente, da petição dirigida pelo srs. Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, dr. Guilherme Álvaro e dr. João Nepomuceno Freire Júnior, membros da Comissão da Santa Casa junta à construção do Instituto D. Escolástica Rosa, a propósito de assuntos que se referem a esse Instituto.
Tratando-se de fatos que devem ter toda a explicação de minha parte nos mais insignificantes detalhes, passarei a responder, transcrevendo textualmente todas as increpações que me são feitas, sistematizando-as em capítulos com as respectivas respostas, para maior esclarcimento de V. Excia. e compreensão dos srs. membros da Comissão ou de qualquer interessado.
Diz a Comissão:
I
"A Comissão abaixo assinada, nomeada pela Mesa da Santa Casa para acompanhar as obras do Instituto D. Escolástica Rosa, tendo requerido a V. S., para o fim de prestar informações à mesma Mesa, que mandasse o testamenteiro do finado João Octávio dos Santos responder aos quesitos constantes da petição que oferecera (**), o testamenteiro respondendo a uns, deixara entretanto de responder a outros, sendo de notar que nessas respostas aquele testamenteiro procura simplesmente não se defender da demora proposital na conclusão das obras, e sim acusar a comissão que unicamente tem por missão visar as contas de fornecimento de materiais e mão de obra que são apresentadas pelo testamenteiro para pagamnento, mas que a comissão ignora se foram ou não realmente feitas ou recebidas, porque não tem meio para fazer essa fiscalização e nem tal coisa lhe compete".
(**) Essa petição corresponde ao doc. n. 41.
J.C.
Respondo:
Todos os itens tiveram resposta clara. Se há o intuito de não me compreenderem, é outro caso. Entretanto, responderei por outras palavras o que já está dito, uma vez que a Comissão não interpretou devidamente o que exarei na minha resposta ao 6º quesito:
Não há dinheiro para se fazer tudo de pronto, a razão está suficientemente explicada e reexplicada: é preciso ir propositalmente devagar com as obras, de acordo com a arrecadação das rendas do patrimônio.
Não são raras as vezes que esta testamentaria tem feito adiantamentos de dinheiro para que o Instituto não tenha credores à porta. Basta um ligeiro exame das contas para certificar-se do estado da caixa do espólio.
A Comissão parece não querer tomar em consideração que à construção do Instituto ou ao espólio João Octávio dos Santos até hoje ninguém levou o contingente de um real, senão mesquinhos olhares, naturalmente porque não sabe o que ali se faz e nem toma o trabalho de sindicar para falar com critério.
Uma vez que a Comissão diz não ter meios para fiscalizar os materiais e mão de obra do Instituto, é pesaroso para mim responder que isso afeta a honorabiidade do ilustrado professor e arquiteto que, por deferência pessoal ao testamenteiro, aceitou o encargo da execução das obras, de chamar concorrências parciais, visar as contas e proceder às medições dos serviços feitos; afeta a honorabilidade do construtor, homem de reconhecida honestidade e cumpridor de seus contratos, o que atesto, pois a ele foi confiada a construção do hospício de Juqueri e de diversos edifícios públicos e dos mais modernos de S. Paulo; afeta a honorabilidade das respeitáveis casas fornecedoras do Instituto; afeta, finalmente, a honorabilidade do testamenteiro, que, embora acumulado de confiança por parte do testador, se limitou, no caso, a pagar as contas visadas, não só pelo referido arquiteto, como pela mesma Comissão da Santa Casa, que hoje verbera seus atos.
Não obstante ter por esta forma declinado de qualquer responsabilidade ou da confiança da Comissão, assumo, com desassombro, qualquer irregularidade cometida na execução desses trabalhos.
Quando tudo isto não bastasse, o trabalho feito está sujeito à verificação de cálculo por medição métrica linear, quadrada ou cúbica, conforme a sua natureza e os preços de concorrência. Esse trabalho se rege, se a Comissão não está esquecida, pela convenção estabelecida com a própria Comissão em 12 de agosto de 1904, no Fórum, perante o M. juiz do inventário, da qual darei um transunto no próximo relatório desta testamentaria.
Se não competia à Comissão fiscalizar as obras, parecia desnecessário estar ela visando contas abstratamente para depois vir, com laivos de suspeita, interpelar oficialmente o testamenteiro.
II
Diz a Comissão:
"Cumpre desde logo declarar que a Comissão não fez visita alguma ao Instituto no dia 17 de abril e nem oficiara ao testamenteiro avisando-o dessa visita, porque não pretendia fazê-la.
Se em poder do testamenteiro existe algum ofício da Comissão nesse sentido, é ele apócrifo.
Quem fez a visita foi a Mesa Administrativa da Santa Casa, que tendo oficiado nesse sentido, não mereceu a delicadeza de ser ali esperada por qualquer pessoa para abrir-lhe as portas de compartimentos que estavam fechados, ou dar-lhe as informações que desejasse.
O que apenas a Mesa Administrativa observou foi que a sua anunciada visita fez um benefício ao Instituto, porquanto houve quem mandasse lavar pelo menos o assoalho dos lugares que estavam franqueados".
Respondo:
O ofício a que eu me referi foi o seguinte, cujo teor dou na íntegra:
"Santa Casa de Misericórdia, Santos, 16 de abril de 1907.
Ilmo. Sr.
Cumpre-me comunicar a V. S. que a Mesa Administrativa desta Santa Casa resolveu fazer uma visita ao Instituto D. Escolástica Rosa, amanhã, 17, às 7 horas da manhã.
Muito estimaríamos encontrar V. S. naquele Instituto à referida hora.
Apresento a V. S. o testemunho da minha estima e alta consideração.
Deus Guarde a V. S.
Ao Ilmo. Sr. Júlio Conceição, M.D. testamenteiro do falecido sr. João Octávio dos Santos.
Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, Provedor".
Como se vê, está ele assinado pelo sr. Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, que acumula duas funções, de provedor da Santa Casa e membro da Comissão daquela Irmandade para acompanhar as obras do Instituto, e que lá compareceu, segundo me consta, com seus companheiros de Comissão.
O que francamente não posso compreender é quando estes srs. querem ser considerados membros da Santa Casa ou membros da Comissão.
Se a Mesa Administrativa quisesse visitar as obras, podia fazê-lo independentemente de cerimonioso ofício, pois elas são públicas e lá estão franqueadas à visita de toda e qualquer pessoa, mormente da Comissão fiscalizadora e dos membros daquela corporação.
Quanto à falta de delicadeza de minha parte, creio que até hoje tenho dado provas de educação e civilidade. A própria Mesa Administrativa da Santa Casa tem recebido as mais cortezes comunicações minhas a propósito do espólio João Octávio dos Santos. A última delas, por exemplo, foi a seguinte:
"Santos, 17 de abril de 1907.
Ilmo. sr. provedor da Santa Casa de Misericórdia.
Nesta.
Acabo de receber neste momento, meio dia, o ofício de V. S. comunicando-me que a Mesa Administrativa resolvera fazer hoje uma visita, às 7 horas da manhã, ao Instituto D. Escolástica Rosa.
Lamentando receber tarde o aviso, visto que estive dois dias em S. Paulo, também tratando de assunto relativo ao Instituto, cumpre-me dizer a V. S. que nos dias úteis, desde o início do serviço, invariavelmente, sou encontrado naquele estabelecimento às 9 horas da manhã, pelo menos.
Seria para mim motivo de imenso prazer a presença da Mesa Administrativa naquele local, pois quero crer que muito lucrará o Instituto com a confabulação sobre interesses que lhe dizem respeito.
Com toda a estima etc."
Agora, reflita-se sobre o assunto do ofício que a Santa Casa me dirigu em 16 de abril, e sobre a resposta que lhe enviei no dia imediato. Pela leitura desta se depreende que eu só abri o ofício da Santa Casa depois de realizada semelhante visita.
Torcer a verdade por mim expressa e a intenção clara da minha comunicação, não sei ao que possa aproveitar, e nem como proceder para ser agradável à referida Comissão da Santa Casa.
III
Diz a Comissão:
"Conforme tem sido observado pelos membros da Comissão, é certo que nas obras não há pessoal para o trabalho e em tais condições é impossível a conclusão das obras, e só poderão ficar terminadas quando naturalmente tudo ficar completo, pois tal é a resposta ao 3º quesito".
Respondo:
A conclusão das obras não depende do pessoal nelas empregado, mas das circunstâncias já referidas e de outras que adiante mencionarei. Pessoal sempre houve, e disso teve prova a Comissão, quando, em 17 de abril, visitou as obras, encontrando no local um pedreiro, um servente e um trabalhador que faz o serviço de capinação, roçagem do terreno e irrigação das plantas. O que não há é pessoal numeroso, mesmo por não hver necessidade disso, tendo-se em vista os recursos disponíveis para esse mister.
E, perguntando-me a Comissão interpelante, no 3º item, quando eu pretendia inaugurar o Instituto, é claro que eu só podia responder da maneira por que o fiz: "Pretendo inaugurar o Instituto quando, muito naturalmente, tudo ficar completo". Com maior precisão, com a precisão que exigem os srs. signatários da petição, é impossível responder, pois ainda falta para a conclusão das obras, além de uma mão de pintura geral, necessária para boa conservação, o que deixei expresso na minha resposta ao 3º item da interpelação: "algum aterro, parte dos calçamentos externos, fogão, enxoval de cama e mesa, baterias de cozinha, instalação de oficinas de sapataria e alfaiataria, instrumental para a banda de música e talvez mais algumas coisas insignificantes que me possam ter escapado neste momento".
IV
Diz a Comissão:
"E estranha a comissão que na resposta ao quarto quesito, declare o testamenteiro que o prazo lhe fora prorrogado em 28 de julho de 1906, porque nas prorrogações anteriores era a Mesa da Santa Casa sempre ouvida, a sua audiência fora dessa vez dispensada e nem - concedida a prorrogação - lhe fora dada ciência!"
Respondo:
Se a Comissão estranhou esse fato, mais estranhável ainda me parece pretender ela que as obras, executadas com largueza de vistas, de forma a dotar Santos com uma instituição notável, ficassem incompletas.
Tenho feito sentir por várias vezes que o meu vivo empenho, em todo este trabalho, é dar o máximo desenvolvimento à criação de João Octávio, o que não conseguiria sem um lapso de tempo mais ou menos longo para obter recursos, dentro do qual pudesse agir desembaraçadamente.
V
Diz a Comissão:
"Em relação ao 5º quesito, o testamenteiro responde que a Comissão tem cautelosamente tomado notas e visado as contas e que ainda não visou contas que se referissem a arborização, feitura de jardim, gramado, algum aterro, guarda do edifício, zelo do mobiliário.
Como já ficou dito, a Comissão tem se limitado a visar as contas sem indagar se realmente os materiais lá chegaram e se o serviço foi feito, porque não tem meios para essa fiscalização e nem uma nota tem tomado das contas visadas, por julgar isso desnecessário.
Quanto à falta de contas de arborização, gramado, guarda etc., a Comissão recorda-se ter visado uma ou 2 contas do construtor, com salários de jardineiro, e as árvores que lá estão não têm contas pagas porque são das que o Instituto Agronômico de Campinas dá gratuitamente a quem pedir.
Quanto ao guarda do edifício e zelo do mobiliário, nunca a comissão teve o prazer de encontrar ali tão útil empregado".
Respondo:
Os dois primeiros tópicos já estão atrás respondidos, no cap. I.
Quanto às contas que a Comissão se recorda ter visado, elas se referem aos poucos dias de serviço que o cavoqueiro encarregado da capinação, roçagem do mato e destoucamento do terreno praticava na jardinagem com meus empregados, pois não é possível que estes lá permaneçam por tempo indefinido, visto haver necessidade de quem, com alguma prática, os substitua.
Quanto às árvores e plantas do jardim do Instituto, elas custaram o dinheiro do suplicante, tendo vindo do Rio de Janeiro e de outras procedências.
O suplicante nunca se utilizou, felizmente, até hoje, de planta alguma do Instituto Agronômico de Campinas nem do Horto Botânico de São Paulo, porque não stá em seu modo de proceder fazer cortesias com o alheio. Ninguém ousará contestar-me isto.
Relativamente ao guarda do edifício e zelador do mobiliário, que a Comissão diz não ter tido o prazer de encontrar ali, tenho a notar:
Esse empregado, que até hoje nada tem custado ao espólio, tinha vindo à cidade buscar objetos de ferragens miúdas para o Instituto, por ocasião da visita da Mesa Administrativa da Santa Casa ou da Comissão fiscalizadora. Nem é crível que o edifício não tenha sido zelado e o mobiliário devidamente fiscalizado, pois do contrário o olho da gatunagem seria bastante perspicaz para subtrair as mobílias, as instalações sanitárias e tantos objetos que lá existem.
VI
Diz a Comissão:
"Relativamente ao que está recebendo o diretor do futuro Instituto, a Comissão tem a dizer que a nomeação de diretor fora feita por proposta do testamenteiro quando se tratava de saber onde deveria ser instalado o Instituto, sendo a pessoa nomeada convidada desde logo a vir tomar posse do lugar e receber o ordenado que fora desde logo também fixado pelo testamenteiro sem oposição da Comissão que então era outra.
A pessoa nomeada para aqui veio e, vendo que os seus serviços ainda não eram necessários, pediu uma licença para voltar ao seu lugar de magistrado, e quando aposentado em virtude da compulsória apresentou-se novamente para reassumir o lugar.
O testamenteiro, portanto, foi quem propôs a nomeação do diretor de um instituto que ainda não existia".
Respondo:
Não é essa a verdade dos fatos, aliás documentados por ofícios que constarão do meu próximo relatório.
Tratando-se da fundação do Instituto na cidade, à Rua da Constituição, e sendo a sua adaptação relativamente fácil e de pouca demora, urgia mesmo nomear previamente o seu diretor para elaborar desde logo os estatutos e regulamentos do asilo, visitar em S. Paulo idênticos estabelecimentos de educação e dar outros passos necessários.
Em reunião que tive com a Mesa Administrativa da Santa Casa e, portanto, com os fiscais das obras do Instituto, propus para exercer esse cargo o ilustrado professor sr. C. de E., que foi unanimemente rejeitado com a principal alegação de ser casado com protestante, cujo imenso defeito somente nessa ocasião chegou a meu conhecimento.
Prejudicada esta proposta, indiquei o não menos ilustrado sr. A. V., que foi igualmente recusado (sic) por "ser gente d'A Tribuna".
E por fim, na falta de outros candidatos de igual competência, fui sugerido por outrem para apresentar o sr.______, a quem não tinha o prazer de conhecer pessoalmente, "o velho educador" no "Culto à Ciência", em Campinas, e em colégio particular, em S. Paulo.
Esta proposta foi logo aceita com geral aplauso, embora seja hoje o testamenteiro o primeiro a reconhecer que esse ilustrado sr. não poderá ocupar com vantagem, pela sua complexidade, o espinhoso cargo, em virtude da sua avançada idade.
De todas estas minhas asserções ainda há testemunhas na Mesa Administrativa, homens de honorabilidade para os quais apelo, notadamente para o mais antigo dos membros daquela Administração, o sr. Manoel José Martins Patusca, que possui excelente memória para auxílio dos fatos ocorridos, que sou forçado a reviver.
Aproveito a oportunidade para confessar que é com constrangimento que faço o pagamento mensal de Rs. 700$000 ao futuro diretor do Instituto D. Escolástica Rosa.
Este extemporâneo pagamento é devido a um impensado ato da Comissão da Santa Casa, com apoio do sr. dr. curador de resíduos, exarado no requerimento do sr. ____ ao M. juiz de Direito da 1ª Vara, em 1 de fevereiro de 1906, pedindo o pagamento de honorários de diretor do Instituto a contar do mês de março em diante.
O sr. ________ havia sido nomeado em 18 de agosto de 1903 para entrar em imediato exercício do cargo, visto ter sido escolhido, contra a minha vontade, o prédio da Rua da Constituição para nele se fundar o Instituto.
Aconteceu, porém, que o primitivo plano da instalação, devido a persistentes considerações por mim expendidas, foi abandonado pela Santa Casa, que, em reunião de 9 de abril de 1904, no Fórum, resolveu localizar o Instituto no Ramal da Ponta da Praia.
Esta resolução importava em grandes dispêndios e demora na instalação. Reconheceu o sr. _______ essa circunstância de espaçamento de tempo e procurou-me para se licenciar e voltar ao seu lugar de magistrado em _____ . Ficou entre nós combinado que s.s. voltaria em tempo oportuno a reassumir o lugar, pois era evidente e de bom senso que o espólio não podia ficar sobrecarregado com essa supérflua despesa.
Em princípios do ano p. p. de 1906, procurou-me novamente o sr. ______, manifestando desejos de ocupar o cargo. Eu disse-lhe que a ocasião ainda era imprória, visto estar em construção o Instituto e ser algum tanto demorada a sua completa instalação. A isto retrucou-me dizendo que ia requerer ao M. juiz o pagamento de honorários que pretendia, ao que eu respondi que somente em virtude de mandado poderia efetuar o pagamento desejado.
O requerimento do sr. _______, não obstante o meu parecer bastante claro, foi informado pela Comissão da Santa Casa nos seguintes termos:
"O M. juiz resolverá como melhor entender sobre o requerimento retro, sendo que não nos opomos ao que é pedido ali".
E o sr. dr. curador de resíduos, por sua vez, acompanhou-a, dizendo:
"De acordo com os pareceres do testmenteiro e do provedor da Santa Casa de Miserikcórdia".
A minha informação no mesmo requerimento não envolve em absoluto anuência alguma ao que o requerente solicitava.
A Comissão da Santa Casa, portanto, é a responsável pelo extemporâneo pagamento de 700$000 mensal ao diretor de um estabelecimento que ainda não funciona. Pelo menos é isso que se depreende dos fatos documentalmente expostos.
VII
Diz a Comissão:
"Sobre as obras na casa destinada a residência do diretor, a Comissão atual, com exclusão de um de seus membros, nada sabe.
As informações, que teve por intermédio do mesmo seu companheiro, são que: a Comissão nunca teve convite para essa visita. O finado coronel Proost, encontrando-se com o companheiro referido, dera conhecimento de que a casa estava em mau estado e não podia ser aproveitada, sendo então combinada uma visita ao local. Nessa visita ainda, a Comissão não teve o prazer de encontrar o testamenteiro ou quem suas vezes fizesse, e, tendo verificado o estado do prédio, a Comissão por intermédio do cel. Proost fez ciente ao testamenteiro que a sua opinião era de ser demolida a casa e construído um pequeno chalé para residência do diretor. Não se tratou de Ginásio e de lavanderia, coisas que não precisam de muito tempo e grande dispêndio e podiam ser feitas mesmo funcionando o Instituto.
Essa é a verdade sobre tal assunto".
Respondo:
Obedecendo à minha persistente norma de agir, em ir de comum acordo com a Santa Casa em todos os negócios referentes ao Instituto, oficiei à Comissão, em 30 de abril de 1906, convidando-a a fazer uma visita às obras que estavam sendo realizadas no prédio da chácara destinado à residencia do diretor. Se a Comissão não se recorda desse convite, para aqui o tralado, dispensando-lhe recorrer ao arquivo da Santa Casa:
"Santos, 30 de abril de 1906.
Ilmos. srs. cel. José Proost de Sousa e dr. João Freire, dignos membros da Comissão da Santa Casa.
Nesta.
Tendo iniciado os reparos no antigo prédio N. 62 do Ramal da Ponta da Praia, que ficou resolvido ser adaptado para residência do diretor do Instituto D. Escolástica Rosa, e acontecendo estarem tão ruinosas todas as paredes internas, que são de pau a pique, já providenciei para serem substituídas por paredes de tijolos, não só pelas naturais vantagens que isso traz, como para bem calcular os trabalhos executados, que serão pagos sob medição, servindo de unidade o preço geral da construção do Instituto. Em suma, só serão aproveitáveis, como poderão verificar, as paredes externas e essas mesmas picadas e rebocadas de novo, telhados, forros, algumas portadas e janelas. O estuque das duas salas, que aliás recebe constantemente remendos, será substituído por forro de madeira, e cimentado o solo do porão. Como o porão é muito baixo, torna-se necessário o levantamento dos assoalhos e vigamentos, os quais serão feitos de madeiras novas.
Finalmente, meu fim principal é pedir a Vs. Ss. que façam uma visita às obras e tenham conhecimento do estado ruinoso a que me refiro, pois não desejo que se me impute a feitura de obras desnecessárias, visto a crença que havia de que o dito prédio estava em boas condições.
Com estima etc."
A Comissão, na visita que fez a meu pedido ao prédio da chácara, parecendo-lhe bem as minhas razões, concordou comigo em que o referido prédio fosse demolido, fazendo-se, dentro do plano das edificações, casa nova para o diretor, empregados e almoxarifado, uma lavanderia e um ginásio. Tudo isso foi executado sob o mesmo regime de unidade métrica para pagamento das construções. As plantas das novas edificações estiveram muitos dias em mãos do sr. provedor chefe da Comissão da Santa Casa, entregues pessoalmente por mim, e bem assim viu-as, examinou-as atentamente e teve ciência o M. juiz do inventário. Dei execução a esses projetos sem a mínima oposição de quem quer que fosse e com ciência dos interessados.
Parece que a Mesa Administrativa não tem ainda a intuição precisa dos fins a que se destina o Instituto D. Escolástica Rosa, pois, tratando-se de um estabelecimento de intuitos elevados, é claro que as fundações do ginásio e da lavanderia em nada devem desdizer da grandiosidade das outras construções e da estética geral do edifício. De mais a mais, não fica bem começar o Instituto a funcionar sem as dependências necessárias para o diretor e pessoal, almoxarifado e lavanderia, ginásio e sala de estudo de música, o que tudo está virtualmente previsto pelas cláusulas testamentárias, que o testamenteiro tem o rigoroso dever de executar.
VIII
Diz a Comissão:
"Há ainda as fundações do 4º pavilhão, feitas sem ciência da Comissão e que não deviam ser feitas, porque quando, para o futuro, houver necessidade de ser construído esse pavilhão, nem a cimentação do solo existe e as paredes das fundações terão desaparecido".
Respondo:
As fundações referidas foram feitas sem consulta nem audiência da Comissão, em virtude de atribuições que muito em particular me estão confiadas pelo testador.
Quanto à solidez daquelas construções, não posso prever o que o futuro lhes reserva, porém estou plenamente convencido da proficiência e honestidade de quem executou as obras, cuja excelência do material e boa execução foram sempre fiscalizadas por mim e por meus empregados particulares.
Conquanto respeite muito a abalizada opinião dos srs. membros da Comissão da Santa Casa, não temo a sua profecia quanto ao futuro desaparecimento da cimentação do solo e das paredes das fundações, pela prática que tenho e pelas responsabilidades, dignas de conceito, que estão ligadas àquelas obras.
IX
Diz a Comissão:
"O testamenteiro ainda uma vez manifesta a sua má vontade pela construção do edifício no lugar onde se acha, havendo sido contrariada a sua pretensão de ser comprado o edifício do Hotel Internacional".
Respondo:
E não será a última vez que manifestarei a minha má vontade, ou, mais propriamente, o meu desagrado pela construção do edifício ali. Como em breve pretendo publicar o relatório final desta testamentaria, reservo para ele um capítulo especial sobre a localização do Instituto, onde responderei satisfatoriamente a este tópico dos srs. membros da Comissão. Ali encontrarão todos os motivos que pesaram em meu espírito para contrariar o intuito da Santa Casa na escolha do local onde havia fundar-se o Instituto.
X
Diz a Comissão:
"Até esta data não consta à Comissão que o edifício construído tenha caído pelas águas da lagoa e nem que se tivesse por isso danificado.
A Câmara ali mandando fazer uma obra, deixou ficar o aterro preciso para a lagoa, aterro esse que não foi aproveitado".
Respondo:
Não sei o que deva dizer quanto à inoportuna afirmativa de não ter o edifício caído por causa das águas da lagoa a que se referem. Observo, porém, tolhendo os passos à maledicência, que não existe uma pá sequer do tal "aterro preciso para a lagoa". Para melhor prova, fora da que se pode encontrar nos atos da Câmara, passo a transcrever a carta que dirigi ao sr. tenente Manoel José Pereira Campos, empreiteiro dos trabalhos ali, e a respectiva resposta:
"Santos, 28 de junho de 1907.
Ilmo. sr. tenente Manoel José Pereira Campos
Nesta.
Tendo sido V. S. o contratante com a Câmara Municipal para desviar o curso do Rio Conrado, cortando-o ao antigo caminho por onde passava a linha de bondes, distante mais de 200 metros da construção do Instituto D. Escolástica Rosa, venho solicitar a especial fineza de responder ao pé desta se, porventura, em todas as obras que a Câmara pretendeu fazer ali, ficou uma pá sequer de terra para aterro da lagoa ou para qualquer outro mister.
Agradecido, subscrevo-me, etc.".
Em resposta à pergunta acima tenho a declarar-lhe que tendo sido o contratante com a Câmara Municipal, do trabalho para o desvio do Rio Conrado, cujo início teve lugar nos fundos do Instituto "Escolástica Rosa" na distância de duzentos metros mais ou menos, no lado oposto à antiga linha dos bondes, não deixei ficar ali aterro algum destinado a qualquer fim, nem mesmo a Câmara contratou ou ordenou-me a proceder o aterro da lagoa, cujo trabalho só poderia ser feito uma vez que o rio fosse canalizado: trabalho aliás que custaria grande dispêndio.
Sem motivo para mais, subscrevo-me, etc.
Manoel José Pereira Campos."
As obras que a Câmara pretendeu fazer ali, no caminho por onde passava a antiga linha de bondes, foi a mais de 200 metros de distância do edifício e constavam do fechamento de um bueiro, por onde passava o Rio Conrado para a chácara de João Octávio. Essas obras nada aproveitaram, pois o rio continua a derivar pelo mesmo leito e não se removeu de modo algum o inconveniente, por mim tantas vezes apontado, do local escolhido pela Santa Casa para a fundação do Instituto.
Ficou, assim, bem patente que não existe uma pá de terra sequer da Câmara naquele local. Os aterros ali foram sempre feitos à custa do espólio e à minha particular.
XI
Diz a Comissão:
"Relativamente ao 6º e último quesito, responde o testamenteiro que o motivo da não conclusão das obras é a falta de dinheiro, porque a renda precisa ser distsraída com concertos nos prédios, impostos prediais, taxas de esgotos etc., o que justifica plenamente a opinião da Mesa da Santa Casa quanto à aquisição do prédio do Hotel.
E há despesas que devem ser levadas à conta da demora, como seja o imposto predial, pois uma vez funcionando o Instituto, a Câmara Municipal não se negará a dispensar tal contribuição, que só aproveitará aos órfãos ali recolohidos.
É, pois, um prejuío que está sendo causado pela demora unicamente.
Ficou, portanto, a Comissão sem saber quando poderá ficar concluído o Instituto e em quanto importará o que resta fazer."
Respondo:
É a razão pecuniaria, unicamente, o que motiva a demora da conclusão das obras. Isso já foi dito acima e já foi explicado na resposta que dei ao 6º item dessa Comissão, acrescentendo: "... pois que tão grande empreendimento está sendo executado vagarosamente para ir de acordo com rendimento do patrimônio".
Quanto ao imposto predial que ainda paga o espólio, bem sei que a Câmara Municipal não se negará a dispensar essa contribuição, uma vez funcionando o estabelecimento, pois requeri e isso está oficialmente resolvido. Não está, porém, em minhas mãos acelerar a inauguração sem ônus para o próprio Instituto ou sem que ele esteja completamente montado.
Porque a Câmara não isentou o espólio do imposto enquanto não funcionar o Instituto, não posso declinar à Comissão da Santa Casa, ou quem quer que seja, da obrigação que me assiste da sua construção, assim determinada pelo testador, para o que chamo a preciosa atenção dessa Comissão ou de qualquer interessado:
"A construção ou aquisição do edifício fica a cargo exclusivo do meu testamenteiro Júlio Conceição, que o entregará quanto concluído e completamente montado".
Faltando ainda as coisas que enumerei no III capítulo, não me é possível determinar quanto ficará concluído o Instituto, nem tampouco em quanto importará o que resta fazer, pois isso depende de um dom que infelizmente não possuo: o de adivinhar as coisas que estão por vir. Entretanto, estou fazendo o possível para inaugurar o Instituto em 15 de novembro, ou, ao mais tardar, em 21 de dezembro p. f.
Tem sido o intuito desta testamentaria fazer as construções e tudo prover de forma que, por ocasião da inauguração, esteja tudo pago, sem passivo algum, para que não haja o mínimo embaraço na administração. O que é necessário é que a Comissão pese isto e se digne, uma vez ao menos, tomar conhecimento das rendas do espólio e do que se faz para a completa organização do Instituto. Note-se que, não sendo fornecedor do estabelecimento, limito-me a fiscalizar os fornecimentos necessários e a exigir tudo do bom e do melhor nas mais vantajosas condições para o espólio. Os fornecimentos para o Instituto são negociados em S. Paulo pelo exmo. sr. dr. Ramos de Azevedo nas condições que a Comissão já sabe, pelo que ficou convencionado na reunião acima aludida, no Fórum, perante o M. juiz do inventário e a Comissão da Santa Casa.
Quanto a ser necessário distrair a renda com consertos nos prédios, impostos prediais, taxas de esgotos etc., isso absolutamente não justifica a opinião da Santa Casa a respeito da aquisição do belo edifício do Hotel Internacional. O preço deste prédio era de 250:000$000. A sua adaptação para logo de pronto receber 150 meninos importava em 30:000$000 pouco mais ou menos, conforme os cálculos feitos na época por engenheiro competente. Entretanto, a construção do Instituto no local onde se acha já importou, até 31 de março do corrente ano, com rigorosíssima economia, em Rs. 369:888$834, tendo capacidade apenas para 70 asilados. Essa importância de 369:888$834 figura no último balancete que esta testamentaria prestou ao M. juiz, do qual tiveram ciência o signatários da petição.
Se a Comissão da Santa Casa pedisse informações ou se dignasse examinar todos os livros e documentos do espólio, certificar-se-ia de que a fortuna de João Octávio dos Santos, judicialmente avaliada e apurada, montou em Rs. 1:625:919$686. E que, deduzidos os legados, impostos e parte dos encargos do inventário, ficou o saldo de Rs. 795:355$458, assim constituído:
Prédios e terrenos............................................................ 788:660$000
20 ações da Cia. E. F. Araraquara............................................ 600$000
Móveis.................................................................................. 3:255$000
Em dinheiro.......................................................................... 2:840$458
Soma Rs...................................................... 795:355$458
Cumpre notar que a esse saldo de Rs. 795:355$458 pesavam ainda, para não dispor de imóveis, Rs. 80:193$460 restantes dos encargos do mesmo inventário.
João Octávio faleceu em 9 de julho de 1900 e o seu inventário ficou concluído em 5 de novembro de 1901, isto é, um ano, três meses e vinte e seis dias depois do seu falecimento, removidos todos os obstáculos e demandas.
Esclaredendo melhor:
O remanescente efetivo, por ocasião da conclusão do inventário, em 5 de novembro de 1901, abatidos os 80:193$460 do resto dos encargos do inventário, ficava reduzido a Rs. 715:161$998.
Partindo, entretanto, do saldo acima de Rs. 795:355$458, tem sido com a renda exclusiva desta soma que esta testamentaria tem provido ao saldo dos 80:193$460, às despesas da administração do espólio, reforma dos prédios, construções novas, ao ponto de duplicar as rendas, aquisição de um terreno, construção e montagem do Instituto D. Escolástica Rosa.
Que sirvam estes algarismos para rebate das fáceis censuras.
XII
Diz a Comnissão:
"Poderá tão somente a Comissão informar a Mesa Administrativa que, se tiver de aceitar a incumbência que lhe deu o finado João Octávio dos Santos, receberá uma casa nova, é verdade, mas já necessitando de reparos e limpeza porque não teve a conserva precisa, durante o tempo que esteve sem funcionar o Instituto".
Respondo:
Procurei sempre rodear-me da simpatia da Santa Casa a fim de evitar qualquer desinteligência de vistas com a mesma relativamente à benemérita criação de João Octávio dos Santos. Surgiram, porém, bem contra a minha vontade, inúmeros e impróprios murmúrios, a princípio, os quais se foram acentuando ao ponto, por último, de se revelarem documentalmente, outra coisa não se inferindo da leitura do trecho acima transcrito.
Nunca quis acreditar que a Santa Casa pusesse em dúvida a aceitação do Instituto D. Escolástica Rosa, mas, ante o que acabamos de ver, sou forçado a modificar o meu juízo, não me pesando na consciência ter dado lugar a semelhante ato. Quando mesmo esta revelação possa tornar-se efetiva, parece que a opinião de alguns dos srs. mesários não possa prevalecer à da Irmandade em coletividade, aliás soberana nas decisões daquela respeitável agremiação.
Estranhável é que a Comissão por tanto tempo aninhasse em seu seio tão sinistra intenção, sem contudo abster-se de se imiscuir na escolha do local para a instalação do Instituto, visar contas de construção e intervir em outros atos que dizem respeito ao espólio (*).
(*) Além do mais, essa infundada opinião vem de encontro a uma resolução consumada por ato da própria Mesa, em sessão de 10 de agosto de 1900, tacitamente aprovado e ratificado pela anual reunião geral da Irmandade.
Das atas já consta:
"O Irmão provedor apresentou à Mesa uma certidão do testamento do finado Irmão Jubilado, João Octávio dos Santos, consultando se a nossa Irmandade aceitava o legado e as obrigações por esse documento estipulados.
A Mesa, por unanimidade, resolveu aceitar o legado e todos os encargos do testamento, mandando arquivar a certidão".
J.C.
XIII
Diz a Comissão:
"A Comissão, respondendo assim as acusações, ressalvando o direito de corrigir o que entender e alterar também algumas vírgulas, requer que seja dada ciência ao testamenteiro..." etc.
Respondo:
Acusações de minha parte à Comissão, são coisas verdadeiramente imaginárias.
Na resposta às interpelações que me foram feitas, eu ativei a memória dos signatários da petição relativamente a fatos entre nós passados em reuniões que tivemos e das quais está ciente, por ofícios da época, o M. juiz do inventário; pus em relevo a má compreensão das atribuições que lhes pertencem, sempre fugindo de confabular sobre coisas que interessam ao Instituto; e estranhei, finalmente, a falta de consideração que tiveram com quem nunca se negou a prestar quaisquer informações sobre o andamento do inventário e construção do Instituto, pois, podendo obter em meu escritório, ou por simples pedido, os esclarecimentos que quisessem, preferiram colhê-los por intermédio de uma interpelação oficial.
Quanto ao último tópico do trecho acima, dispenso-me de respondê-lo pela superficialidade e por nada vir ao caso em relação à verdade de fatos ora constatados.
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Terminando, o suplicante inclui a carta que dirigiu ao sr. tenente Manoel José Pereira Campos, com a resposta obtida, e requer a V. Excia. seja a Comissão da Santa Casa notificada do teor desta petição, juntando-se a mesma aos autos do inventário João Octávio dos Santos, visto interessar ao respectivo espólio tudo quanto nela se contém.
P. deferimento.
Santos, 30 de junho de 1907.
Júlio Conceição.
Valem as entrelinhas que dizem: à página 13 - futuro, e à página 18, - é verdade.
Júlio Conceição.
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Doc. n. 45
Santos, 8 de julho de 1907.
Ilmos. srs. Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, Dr. Guilherme Álvaro e dr. João N. Freire Júnior, muito dignos membros da Comissão da Santa Casa junta às obras do Instituto D. Escolástica Rosa.
Nesta.
Tendo esclarecido as increpações que Vs. Ss. me fizeram e que de certa forma não podiam deixar de magoar-me, espero que já tenham bem refletido sobre o assunto e modificado o seu juízo relativo aos negócios do espólio.
Penso estarem suficientemente explicados os pontos da lamentável desarmonia de vistas ultimamente suscitada entre nós, e, assim, não persiste em mim nenhuma animosidade, quer contra essa Comissão, quer individualmente contra qualquer de seus membros, pois acredito que, como eu, Vs. Ss. alimentam as mais puras intenções de bem colaborar na organização do Instituto D. Escolástica Rosa.
Como se trata de assunto de alta relevância, quer no sentido moral, quer no material, para a cidade de Santos, e mui diretamente para a nossa estremecida Santa Casa, não há razão, por todos os princípios, de fúteis atritos entre nós, bem ou mal fundados. E assim pensando, com toda a isenção de ânimo e com inteiro desprezo de sentimentos, venho solicitar-lhes a fineza de marcarem uma reunião onde entenderem, a fim de tratarmos de interesses que dizem respeito ao nobre intuito de João Octávio, visto que se aproxima a conclusão dos trabalhos, como tenho exposto.
Se a Comissão se dignar marcar dia e hora para esse mister, será mais conveniente que designe o edifício do Instituto, para melhores explicações.
Entretanto, com a maior satisfação, estarei inteiramente às ordens de Vs. Ss. em qualquer ponto que escolherem.
Com todo o acatamento e estima, subscrevo-me etc.
Júlio Conceição.
Doc. n. 46
Santos, 18 de julho de 1907.
Ilmo. sr. Júlio Conceição.
Nesta.
Prezado Sr.
Em resposta à sua carta de 8 do corrente, temos a honra de comunicar-lhe que, acedendo aos seus desejos, no dia 19 do corrente, às 9 horas da manhã, estaremos à sua disposição no edifício do Instituto D. Escolástica Rosa.
Sem outro assunto nos subscrevemos
De V. S.
Atos. e Obrdos. Venos.
João N. Freire Júnior
Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva
Dr. Guilherme Álvaro.
Doc. n. 47
Intendência Municipal
SEÇÃO DE OBRAS
Santos, 21 de maio de 1907.
Ao Sr. Júlio Conceição
Nesta.
Convido-vos a receber guia nesta Seção a fim de efetuardes o pagamento do imposto de construtor, visto como, não tendo sido concluída a construção do "Instituto D. Escolástica Rosa", cuja planta está firmada por vós, como construtor, deverá ser reformada no presente exercício.
Saudações.
O engenheiro-chefe,
Carlos Kiehl.
ATA DA INAUGURAÇÃO
DO
INSTITUTO D. ESCOLÁSTICA ROSA
No primeiro dia do mês de janeiro de mil novecentos e oito, às duas horas da tarde, no recinto do Instituto "D. Escolástica Rosa", na praia do Embaré desta cidade de Santos, Estado de S. Paulo, sendo presentes as autoridades judiciárias locais, cônsules, representantes das diversas associações de Santos, representantes dos srs. secretários da Justiça e do Interior, representantes da imprensa local e da capital do Estado, exmas. famílias e demais convidados, o sr. Júlio Conceição, testamenteiro e inventariante dos bens do falecido João Octávio dos Santos, convidou o juiz de Direito da 1ª Vara, exmo. sr. dr. Primitivo de Castro Rodrigues Sette, para presidir a sessão inaugural do Instituto, sendo aceito o convite e chamando o sr. presidente, para fazerem parte da mesa, o sr. vice-provedor da Santa Casa de Misericórdia, João Furtado da Rocha Frota, o dr. juiz de Direito da 2ª Vara, Luiz Porto Moretz-Sohn de Castro, o sr. coronel Almeida Moraes, monsenhor José Benedicto Moreira, o sr. dr. Ramos de Azevedo, o ajudante de ordens do sr. dr. secretário da Justiça, o dr. Domingos Leopoldino, o sr. dr. Francisco Xavier Moretz-Sohn, diretor do Instituto, e Agenor Silveira, servindo de secretário. O sr. presidente declarou aberta a sessão e em breves palavras expôs os motivos da presente reunião. O sr. Júlio Conceição, em seguida, tomou a palavra para explicar o plano a que obedeceu o seu trabalho, fazendo minuciosa descrição do edifício que se inaugura e lendo alguns tópicos do seu relatório sobre a testamentaria, ainda em provas tipográficas, nos quais acentua a feição, toda de independência, que pretendeu imprimir a esta instituição. Pelo sr. presidente foi dada em seguida a palavra ao orador oficial, exmo. sr. dr. Martim Francisco Ribeiro de Andrada, que produziu brilhante alocução, sendo vivamente aplaudido. O menino Leopoldino Bell, dirigindo-se ao pequeno Mauro, filho do sr. Júlio Conceição, recitou um breve discurso, em que pôs em relevo o trabalho benéfico do testamenteiro de João Octávio dos Santos. A senhorita Laura Leopoldino recitou em seguida uma linda poesia em homenagem ao falecido fundador desta instituição. O sr. Delphino Stockler de Lima pediu a palavra e orou brilhantemente sobre a caridade. Não havendo mais quem se lhe seguisse com a palavra, o sr. presidente, na qualidade de juiz de Direito da 1ª Vara, em cujo juízo correu o inventário de João Octávio, declarava montado, instalado e inaugurado o Instituto D. Escolástica Rosa, fazendo a sua entrega à Santa Casa de Misericórdia por intermédio do seu vice-provedor, João Furtado da Rocha Frota, que disse que o recebia em nome daquela corporação, a qual o administraria de conformidade com o testamento de João Octávio dos Santos. Ato contínuo, dirigiram-se as pessoas presentes a todas as dependências do Instituto, em companhia de monsenhor José Benedicto Moreira, que procedeu solenemente à bênção do edifício. Pelo sr. presidente foi em seguida declarada encerrada a sessão, da qual, para que a todo tempo conste, se lavrou a presente ata, que vai por todos assinada. Em tempo: o pequenino orador acima chama-se Bell Leopoldino e não Leopoldino Bell. - Agenor Silveira a escreveu.
(Seguem-se as assinaturas)
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