Nos últimos anos, as chuvas e os ventos estão cada vez mais intensos e fortes.
Até o início do inverno, esse panorama
deverá ser mantido
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria
CLIMA
Efeito colateral da ação humana
Fatos inusitados registrados nos últimos anos no País e na Baixada Santista são
conseqüência do aquecimento global
Aumento da temperatura nos últimos anos e ocorrência de fenômenos naturais no
Brasil chamam a atenção da comunidade científica
Sandro Thadeu
Da Redação
Os paradigmas em relação
às questões climáticas caem a cada ano. Certamente, o conteúdo que os adultos aprenderam sobre o tema é, em alguns casos, o oposto do que ocorre
atualmente. Para exemplificar tal situação, o livro Previsão do Tempo e Clima, de autoria de A. G. Forsdyke, de 1975, traz a seguinte frase,
de maneira taxativa: "Não existem furacões no Hemisfério Sul".
A afirmação acima foi desmistificada com o registro do Catarina, o primeiro
furacão da história do Brasil, em março de 2004. O ato foi considerado pelo Hadley Center (um aclamado instituto climático do mundo, situado na
Inglaterra) o fenômeno mais importante do século 21.
Ao contrário do que constatado anteriormente em outras regiões do planeta, as águas
do Oceano Atlântico Sul não chegavam a 28 graus Celsius - temperatura para a ocorrência desse fenômeno da Natureza. Portanto, a comunidade
científica se rendeu diante desse fato, o que comprova a velocidade das mudanças climáticas nos últimos anos, devido à ação do próprio homem.
Fenômenos atípicos foram registrados recentemente na Baixada Santista. No
último dia 14, ventos de 90 quilômetros/hora causaram destruição em Santos, Guarujá e
São Vicente. Na tarde do dia 17, uma nuvem em formato de funil apresentava pré-condições para a formação de um tornado,
conforme análise do professor de física e astronomia, Rodolfo Bonafim. O fenômeno não ocorreu, possivelmente, porque a pressão não caiu suficiente
em seu centro para iniciar o espiral.
Em relação ao evento do dia 14, o docente entende que a mudança constante e
velocidade dos ventos, além da forte chuva podem "caracterizar as evidências de um possível tornado", enfatiza ele, que é consultor científico da
Organização Não Governamental (ONG) Amigos da Água.
O fato da ventania ter sido mais intensa nos bairros centrais, como
Vila Mathias e Encruzilhada, reforça a hipótese do professor, pois a devastação ocorreu no
centro desse funil.
28 graus Celsius |
é a temperatura mínima das águas para a formação
de furacões |
|
Ciclone extra-tropical - Para comprovar as mudanças climáticas, Bonafim diz
que foi registrada, no último dia 3, a formação de um ciclone extra-tropical, o que acontece normalmente entre março e abril. "Ele geralmente se
forma na região do Uruguai, mas isso ocorreu numa região bem mais ao Norte, nas proximidades de Iguape,
no Vale do Ribeira. Nesse dia, a Baixada registrou ventos de 70 quilômetros por hora e ressacas durante um período curto".
A professora do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas, Luci
Hidalgo Nunes, explica que os fenômenos registrados ultimamente em Santos foram uma situação extrema.
No entanto, faz um alerta: "A única coisa que posso afirmar é que outro fenômeno,
como um furacão, acontecerá novamente, mas não dá para precisar quando isso ocorrerá, se daqui a 10, 20 ou 30 anos".
Passado - A falta de instrumentos adequados para a leitura de fenômenos e a
pequena população em comparação a hoje são fatores que dificultavam o registro preciso para explicar os motivos de grandes eventos naturais, como
o de 10 de março de 1928, quando houve o escorregamento da encosta do Monte Serrat, incidente que
deixou 80 mortos e oito casas soterradas.
"Hoje nós não temos tantos elementos e estudos preciosos, que necessitam de séries
históricas de 30, 40 e 50 anos para falar com pouco mais de certeza se os efeitos extremos estão se tornando mais comuns. É uma falha da comunidade
científica nacional", revela a professora.
O CICLO DE VIDA DE UMA TEMPESTADE
Fase de desenvolvimento - Nuvens cúmulos (em geral, em formato de cogumelos). Nesse estágio, que normalmente dura dez minutos, há pouca ou
nenhuma chuva e raios ocasionais.
Fase madura - Nessa etapa, ocorrem os episódios mais significativos de chuva, raios e ventos fortes. Em casos mais raros podem ocorrer
granizo e, mais ocasionalmente, tornados. Essa fase costuma durar 20 minutos, mas algumas tempestades podem ser muito mais longas.
Fase de Dissipação - A chuva perde intensidade. Ventos fortes podem ocorrer. Raios continuam a oferecer perigo.
Infográfico: arte Max e editoria
Temperatura sobe dois graus em 30 anos
A meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Neide Oliveira, afirma que o
aquecimento global - fruto da própria ação humana - fez com que a temperatura em todo o mundo aumentasse de um a dois graus em todo o planeta nos
últimos 30 anos.
Essa constatação pode ser observada também em Santos, ao levar em consideração as informações
referentes à temperatura máxima na Cidade publicadas por A Tribuna, durante os primeiros 15 dias do ano.
Vale lembrar que os dados não são confirmados por órgãos oficiais, devido à complexidade de se
fazer esse trabalho em um curto período de tempo.
O ano passado foi um dos mais quentes dos últimos 60 anos, conforme a Organização Meteorológica
Mundial, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU).
Em julho último, a temperatura média foi de três graus a mais em boa parte da
Argentina, Paraguai, Bolívia,
Sudeste e Sul do Brasil. Alguns desses locais registraram o mês mais quente desde 1960.
Os efeitos climáticos por conta disso foram sentidos com mais intensidade a partir dessa década.
Por exemplo, as rajadas de vento estão mais fortes, assim como o calor. As pancadas de chuva são cada vez mais comuns, enquanto as secas se
prolongam por mais tempo do que anteriormente.
"Uma variação grande como essa em um período tão curto é preocupante, porque além de afetar os
seres humanos, prejudica a flora e a fauna de diversas regiões do mundo", diz Neide.
As chuvas intensas em Minas Gerais, Rio de Janeiro, além das regiões Norte, Leste e Sul de São
Paulo devem continuar até o início do inverno, devido à ação da Zona de Convergência do Atlântico Sul.
Conforme a meteorologista, que há 26 [anos]
trabalha no Inmet, o La Niña também influencia bastante a temperatura no Brasil, que estará de um a dois graus
acima da média.
Registros oficiais em Santos |
Ano |
máxima |
(em
graus)/dia |
mínima |
(em
graus)/dia |
2003 |
41,0 |
(12/11) |
9,7 |
(18/8) |
2004 |
37,0 |
(22/ 9) |
10,8 |
(26/7) |
2005 |
39,0 |
(29/ 8) |
11,5 |
(26/7) |
2006 |
39,1 |
(15/ 9) |
8,3 |
(22/8) |
2007 |
38,1 |
( 9/ 3) |
6,8 |
(30/7) |
2008 |
35,2 |
(10/ 2) |
12,0 |
( 7/5) |
Fonte: Base
Aérea de Santos - colaboração José Costeira |
Índice pluviométrico não teve alteração significativa
A professora Luci Nunes afirma que atualmente há menos dias de chuva, mas quando elas acontecem
são mais fortes e concentrada,s o que traz problemas à população. As conclusões estão disponíveis no mestrado da geógrafa Andréa Koga, orientado
pela docente.
O trabalho aponta que os índices pluviométricos nas décadas de 1960 e 1970 foram praticamente os
mesmos dos anos 1980 e 1990. Entretanto, houve aumento na freqüência de eventos extremos, como prejuízos ao meio-ambiente, materiais e mortes.
Também orientada por ela, a tese de mestrado em Geografia de Ricardo Araki revela que o número de
deslizamentos em Guarujá não está ligado ao crescimento de índice pluviométrico.
Número |
518 deslizamentos
foram registrados em Guarujá na década de 1990 |
|
Enquanto de 1965 a 1988 ocorreram 81 escorregamentos, na década de 1990 tais casos
somaram 518. "Deslizamentos fazem parte da evolução do planeta. A partir do momento em que esse ambiente (morros e encostas) é alterado pela
população, que vive nessas áreas instáveis, a probabilidade de acidentes é maior". |