Praça da Independência em 1953.
Foliões no Banho da Dona Dorotéia, outra tradição santista perdida
Foto: reprodução, publicada com a matéria
CARNAVAL
Saudade da avenida
Tradição de mais de 60 anos, o desfile das escolas de samba santistas não será,
mais uma vez, realizado. Resta aos sambistas lembrar as glórias do passado e tentar planejar o futuro
Fabiana Honorato
Da Reportagem
"...Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais/Que
aqui sangraram pelos nossos pés/Que aqui sambaram nossos ancestrais". O trecho do famoso samba Vai Passar, de autoria de Francis Hime e Chico
Buarque, composto em 1984, traduz com perfeição o sentimento de saudade dos foliões santistas, que amargam mais um ano sem a realização do desfile
das escolas de samba de Santos, uma tradição de 60 anos.
Ao contrário do clima de euforia e descontração típico dos dias que antecediam os
festejos de momo, a Cidade, que já foi palco do segundo melhor Carnaval do País, assistiu a evasão do público de outrora e, principalmente, de seus
melhores sambistas.
Totalizando cinco anos sem o desfile das agremiações (1999, 2001, 2002, 2003 e 2004),
esta ausência não é motivo de desânimo apenas para os protagonistas e condutores deste misto de espetáculo e tradição. Muitos dos clubes que
arrebatavam multidões para os concorridos bailes carnavalescos não promoverão sequer matinês.
Assim como o comércio, principalmente as lojas de tecidos e armarinhos, este vazio no
calendário santista enfraqueceu também o mercado informal e o turismo. No entanto, a perda mais considerável decorrente desta lacuna ofusca,
sobretudo, o aspecto cultural e histórico em que a Cidade está inserida, como um dos "destaques" do Carnaval brasileiro.
A receita para que o brilho e a magia da maior manifestação popular do País sejam
resgatados em Santos não é fácil, segundo analisam estudiosos, dirigentes de escolas de samba e de clubes, representantes do comércio e de demais
segmentos.
Embora ainda haja divergências quanto ao melhor caminho para ressuscitar o espírito
carnavalesco no Município, os entrevistados são unânimes ao afirmar: a retomada só será possível com a profissionalização e união do segmento.
Leia a seguir o que pensam as pessoas ligadas diretamente ou indiretamente a esta
festa.
Razões |
"Falta vontade política em realizar este evento, mas a retomada também depende dos dirigentes das escolas
de samba"
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José Muniz Júnior
Pesquisador do Carnaval santista
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Decadência - Jornalista, autor de enredos, ritmista, passista, mestre-sala...
Muito mais do que profundo pesquisador do samba e do Carnaval, José Muniz Júnior, ou como prefere, J. Muniz Jr., 70 anos, é parte integrante da
existência deste festejo na Cidade.
Natural de Penedo, Alagoas, o Marechal do Samba chegou a Santos em 1939 e participou,
no ano seguinte, do surgimento das primeiras escolas de samba santistas.
Rodeado por fotos, diplomas, troféus e outras recordações de um passado glorioso, o
pesquisador apontou a desunião entre os sambistas e o desinteresse político como as "causas mortis" do desfile das agremiações.
"Falta vontade política em realizar este evento, mas a retomada também depende dos
dirigentes das escolas de samba. Tudo tem seu apogeu e sua decadência, mas a Cidade não merece isto".
Falando com propriedade sobre o assunto, Muniz Jr. defende a realização de concursos
locais, em cada cidade da Baixada Santista, e acredita que a manutenção desta tradição não deve depender apenas do subsídio do poder público.
Xisnoveano, ele não abandona a Cidade nos dias da folia de momo, embora a defina como
"fantasma", e enumere a violência como agravante para a ausência dos desfiles.
"O Carnaval tinha um clima único, músicas que só tocavam naquela época. Hoje o
repertório destes dias é o mesmo do resto do ano. Não há composições novas e a imoralidade é outro fator negativo".
Lamentando o marasmo que presencia nas ruas, ele apontou o comércio e o turismo como
setores prejudicados pelo enfraquecimento do Carnaval na Cidade. No entanto, ele ainda mantém viva a esperança de ver este cenário se transformar.
"Santos tem a sua tradição carnavalesca, que é o desfile das escolas. Esperamos que o
próximo prefeito tenha mais consideração com os sambistas, e que esta tradição não acabe".
J. Muniz Jr. aponta falta de vontade política
como um dos problemas
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria
Dirigentes das escolas pregam união e profissionalismo
Carnaval sem desfile das escolas de samba não tem o mesmo encanto. Pelo menos na
opinião dos dirigentes das agremiações santistas. Entristecidos, eles reconhecem que o segmento precisa de mais profissionalismo e união.
Pioneira na Cidade, a X-9 acumula 27 títulos ao longo dos 60 anos de existência, mas
pela primeira vez não desfilará nem mesmo nas ruas do Macuco. "Estamos numa situação muito difícil. Com a ausência do desfile não pudemos manter
parte da quadra, que era alugada", lamenta o presidente da agremiação, Benedito de Andrade Fernandes, o Ditinho, de 39 anos.
Membro da escola há 32 anos, ele se recorda de quando a Cidade respirava Carnaval.
"Vivíamos o ano todo em função destes dias, de ver o trabalho concluído".
Crítico, não atribui a ausência dos desfiles somente à Administração, que repassava um
cachê para as escolas, mas principalmente aos dirigentes das 11 agremiações santistas. "Faltou profissionalismo aos presidentes das escolas. Não dá
para depender apenas da Prefeitura. Temos de buscar ajuda de empresários mostrando a importância cultural desta festa".
Apontando a indefinição de um local para este evento como outro entrave, Ditinho citou
o enfraquecimento dos bailes de Carnaval e a queda na presença de turistas como conseqüências do fim dos desfiles.
Desanimado, o sambista pretende brigar pela retomada desta manifestação social, que na
sua opinião é positiva para todos os segmentos da Cidade. "Os desfiles movimentavam a economia local e eram um atrativo turístico".
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X-9 não desfila sequer nas ruas do Macuco
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Diálogo - "Não quero falar a respeito. É muito triste". Desta forma o
presidente da União Imperial, Heldir Lopes Penha, o Aldinho, de 46 anos, se manifesta sobre o fim de uma tradição.
Na tentativa de manter vivo o espírito carnavalesco, o sambista contou que, além da
banda que desfilou na sexta-feira pelas ruas do Marapé, os membros da bateria farão apresentações em outras cidades. "Sobrevivemos graças a outros
projetos, como as escolinhas para crianças e atividades que suprem a ausência do desfile".
Reclamando da falta de diálogo entre poder público e representantes das escolas,
Aldinho acredita que o segmento precisa de incentivo. "Vimos muitos sambistas irem para São Paulo e cidades vizinhas que têm desfile. Será
difícil recomeçar do zero".
Patrocínio - Organização, profissionalismo e união. Estes são os ingredientes
necessários para que o Carnaval na Cidade volte a ser uma atração de destaque, na opinião do presidente da Padre Paulo, Robson Rete, o Robinho.
Além da necessidade da obtenção de patrocínio de diversas fontes, o dirigente também
vê como fator motivador a instituição do concurso entre as agremiações, que seriam divididas em dois grupos.
"O nivelamento não é bom, não estimula as escolas. Se não houver o risco de
rebaixamento, o pessoal não investe".
Ditinho: importância cultural
Foto: Raimundo Rosa, publicada com a matéria
No lugar do baile, Vasco tem retiro evangélico
No lugar dos camarotes e mesas, colchonetes e travesseiros. Ao invés de marchinhas
entoadas por estrondosas bandas, hinos religiosos. É com um retiro espiritual da Igreja do Evangelho Quadrangular que o Clube de Regatas Vasco da
Gama lotará seu salão de foliões, ou melhor, fiéis.
Sem condições financeiras de promover os famosos bailes de Carnaval, os dirigentes da
entidade encontraram uma forma de otimizar o espaço de hoje até terça-feira.
Segundo o auxiliar de secretaria do clube, Alexandre Alves, o salão social será
ocupado por centenas de fiéis de toda a Baixada Santista. "Estamos locando por uma taxa mínima. Serão promovidas palestras gratuitas e uma
programação intensa voltada aos fiéis".
Sobrevivendo com sérias dificuldades, o Vasco não realiza bailes de Carnaval há três
anos e matinês há dois. E não é o único.
"Vamos fazer só a matinê para não deixar passar em branco", afirmou o presidente
interventor do Clube de Regatas Saldanha da Gama, Ayrton Rogner Coelho. De acordo com ele, o pouco que sobrou de atividade carnavalesca no clube
ainda acontece porque os sócios pedem a manutenção das matinês. "Aqui na Ponta da Praia, nesta época, era um agito só. A ausência dos desfiles
também espantou as pessoas dos clubes".
Entre os projetos que visam garantir a existência do Saldanha, Coelho pretende retomar
um dos eventos mais tradicionais do Carnaval santista: o desfile Dona Dorotéia, vamos furar aquela onda? "Vamos resistir a este desânimo".
Bailes - É com tristeza que o vice-presidente social e administrativo da
Associação Atlética dos Portuários de Santos, João Geraldo das Mercês Neto, o Jarrão, relembra do tempo em que mais de 10 mil foliões lotavam
os tradicionais bailes carnavalescos do clube.
Há cinco anos, segundo ele, este evento não é realizado pela entidade, que só terá a
matinê. "Já tivemos o título de melhor Carnaval de Santos, de 1986 a 1990. Esgotávamos os convites dias antes dos bailes".
Também amante dos desfiles das escolas de samba santistas, Jarrão alegou que o
fim desta atividade, que movimentava a Cidade, resultou na perda do público que freqüentava os salões.
Preocupado com o futuro de uma manifestação popular que era promovida desde a fundação
do clube, em 1926, ele espera ver este cenário mudar. "Antes eu falava que meu ano só começava depois do Carnaval. Agora sou obrigado a ficar na
frente da televisão vendo a programação carnavalesca de outras cidades".
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Atividades nas quadras devem retornar em 2005
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Desfile pode ser filão turístico, diz Barboza
O desfile das escolas de samba santista pode se tornar um filão turístico, a exemplo
do que ocorre no Rio de Janeiro e em São Paulo. A afirmação é do secretário municipal de Comunicação, Tom Barboza, que é contundente ao dizer que os
dirigentes das agremiações devem encarar a festa com um olhar mais profissional.
Embora reconheça a importância desta tradição, Barboza afirma que "Carnaval não é só o
concurso oficial das escolas de samba". Ele analisa que, para voltar a desfilar, as agremiações devem promover atividades durante todo o ano, a fim
de captar recursos que viabilizem o evento. "A Prefeitura não poderia arcar com os R$ 2,5 milhões calculados para o desfile, incluindo o cachê e
todo o gasto".
O secretário lembrou que outro empecilho para a realização dos desfiles foi a falta de
entendimento entre os dirigentes e a própria Administração, que não podia oferecer a verba desejada pelos sambistas.
Enfático, Barboza citou que a ausência desta festa não enfraqueceu o Carnaval
santista. Segundo ele, esta manifestação cultural passou por mudanças e hoje tem uma característica diferenciada.
"Tivemos 36 bandas inscritas que desfilaram nos bairros. O Carnabonde atraiu mais de 5
mil pessoas. A tendência é o crescimento destes eventos".
Retomada - O som das baterias das escolas de samba poderá voltar a animar os
foliões santistas já no próximo ano. A meta de retomar esta atividade nas quadras das agremiações foi divulgada pelo presidente da Liga Independente
Cultural das Escolas de Samba de Santos, Edison Tricanico.
"Depois queremos implantar uma programação anual que garanta os desfiles", afirma
Tricanico. Também vice-presidente da Unidos dos Morros, ele explicou que este cronograma evitaria a má utilização do cachê repassado pela
Prefeitura. "O subsídio seria repassado em parcelas e não poderia ser usado de uma vez".
Com esta medida, como frisa Tricanico, o segmento teria mais credibilidade para buscar
na iniciativa privada o complemento para custear a produção. O sambista sugeriu também a parceria com as faculdades, que poderiam ajudar na
administração das escolas. |