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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CARNAVAL
Tempo de Carnaval (14)

Lembrando os tempos do Dorotéia
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Na edição de 14 de fevereiro de 2004, na seção Tribuna Livre, o jornal santista A Tribuna publicou este artigo:
 

Charge: Padrón - publicada com a matéria

D. Dorotéia, vamos furar aquela onda?

Regina Lúcia Alonso Peres (*)
Colaboradora

Domingo. Bar Harmonia. Movimento intenso de homens em trajes e adereços coloridos. A criançada da rua alvoroçava-se e nós também! "Mãe, hoje é dia de D. Dorotéia?" A confirmação fazia-se em meio aos preparativos do almoço e do lanche para os intervalos do desfile. Da esquina da Bittencourt com a Conselheiro Nébias, espiávamos curiosos o movimento do bar do outro lado da avenida. Os homens vestiam-se de mulher. Um deus-nos-acuda! Meus tios, fervorosos carnavalescos, pegavam roupas da mamãe ou da tia para desfilar com os colegas do bairro.

Após o almoço, lá íamos nós - pais e sete filhos - pegar o bonde na avenida. O cobrador, muito gentil, ajudava a embarcar as crianças, e o motorneiro, sem pressa, aguardava que todos se instalassem em segurança. Dlém, dlém... Dlém, dlém... O bonde ia cortando a avenida, até dobrar no Boqueirão para nosso desembarque, na Ponta da Praia, em frente aos clubes. O bonde quase esvaziava, pois toda a população, nesse domingo, queria assistir ao desfile. Papai escolhia um lugar à sombra dos chapéus-de-sol e nos acomodava sentados no meio-fio. A conversa girava em torno das expectativas com o desfile: que bloco abrirá o desfile? As fantasias estarão tão suntuosas quanto no ano passado? E os carros alegóricos?

O espocar dos fogos interrompia os comentários. Silêncio total! Corações disparando de emoção! Começava a magia, escorrendo pelas ruas de paralelepípedos! Bloco das Esmeraldas, do clube Atlético Santista, um luxo só em suas fantasias verde e branco! Dengosas do Marapé, um encanto! Chineses do Mercado, homenageando os povos orientais... A gente simplesinha do Mercado transformava-se com seus ricos trajes de mandarim rebrilhando aos raios de sol da tardinha santista!

Os carros alegóricos eram um espetáculo à parte, como um palco de teatro, cenas vivenciadas conforme o tema de cada bloco. Quantas vezes foi necessário que os trabalhadores da Prefeitura levantassem os fios de iluminação da avenida para que os carros pudessem passar com suas alegorias altíssimas. O povo aplaudia de pé, entusiasmado, jogando confete... Serpentinas cruzando-se ao por-do-sol.

Como retomar as raízes e tradições nesta Santos de hoje

Atrás dos blocos, os patuscos, geralmente representando clubes, bairros, associações - faziam crítica dos costumes, da política em geral e do que era mais pertinente à Cidade - providências em dias de fortes temporais, mais escolas, o preço em alta de algum alimento, falta de atendimento hospitalar... Tudo em linguagem acessível, contundente, mas respeitosa, provocando além de risadas pela irreverência, momentos de reflexão que, em casa, seriam relembrados e discutidos. Nos primeiros anos da D. Dorotéia, os patuscos com roupas de papel de seda tomavam banho na praia, numa algazarra sem fim.

O desfile encerrava-se, sempre, com o tão esperado casal de noivos. D. Dorotéia, homem vestido de noiva, geralmente grávida, o que para a época já provocava questionamentos... Um condutor de bonde no papel de noivo querendo escapar do compromisso... O casal fazia mil estripulias. A criançada ria que só e o povo atiçava a brincadeira, que terminava num trampolim à frente dos clubes. Em meio a peripécias, verdadeiras acrobacias, os noivos desabavam no mar, literalmente "furando aquela onda"!

Agora, a volta, os irmãos mais velhos carregando os três pequenos adormecidos, o bonde apinhado, estribos cheios, mil comentários sobre os blocos. Em casa, a família recolhia-se ao leito. Eu não conseguia dormir, a cabeça cheia de cores e beleza...

Pela manhã, corríamos em busca da A Tribuna. Nosso jornal registrava o fato, informando sobre os vencedores com fotos maravilhosas! Novamente em mim as lembranças tornando-se inesquecíveis, voltando hoje ao se aproximar mais um Carnaval. Onde a nossa "Dorotéia", que foi se descaracterizando com o tempo, quase ninguém assistindo, as janelas da orla fechando-se para o barulho e o grotesco?! Como retomar nossas raízes e tradições nesta Santos de hoje? Nestes últimos anos, iniciativas como o "Carnabonde" vêm despertando o povo para o Carnaval de rua. Suas marchinhas já se fazem ouvir, nas tendas da praia... Afinal, "D. Dorotéia" ainda quer "furar aquela onda"!...

(*) Regina Lúcia Alonso Peres é pedagoga e poeta.

Bloco Carnavalesco Bola Alvinegra, fundado em 1937 por associados do Santos Futebol Clube. Nos anos em que participou dos desfiles oficiais do carnaval santista, nunca tentou concorrer aos prêmios oferecidos pela Prefeitura. Seus integrantes só queriam mostrar sua irreverência e alegrar o povo que prestigiava os desfiles. Sua principal característica é a figura do pierrô
Foto: reprodução/acervo particular, publicada no Diário Oficial de Santos em 29/1/2005