Regatas Santista, em 1972: Carnaval da época
significava uma importante manifestação popular
Foto: reprodução, publicada com a matéria
CARNAVAL
Impactos do fim da folia
Especialistas apontam a importância do resgate do significado cultural dos
festejos para impulsionar o comércio e o turismo
Fabiana Honorato
Da Reportagem
Columbinas, pierrôs, melindrosas e arlequins.
Desconhecidas pelos mais novos, estas palavras imperavam nos festejos de Momo do passado, assim como outras práticas hoje em desuso. Capítulo
importante da cultura popular brasileira, o Carnaval se transformou ao longo dos tempos, incorporando novos hábitos e ritmos à festa. Mas, até que
ponto os reflexos destas mudanças interferem na autenticidade do evento enquanto manifestação do povo?
Para a jornalista e professora da Universidade Católica de Santos (Unisantos), Benalva
da Silva Vitório, a mídia e a tecnologia transformaram o festejo em um evento homogêneo e mercantilista. "O Carnaval passou de um rito de celebração
e de alegria do povo para um espetáculo de sugestão estética".
Integrando a equipe do Programa de Avaliação Institucional da Unisantos, a estudiosa
analisou que esta festa é vista agora no Brasil mais como um filão comercial do que cultural.
A transformação no segmento é natural, conforme Benalva, mas, no entanto, com este
novo perfil do evento veio também a violência nos grandes centros urbanos, afugentando os foliões. "As pessoas se trancam com medo do espaço
público, que se tornou violento. Cabe às autoridades zelar pela segurança. Não adianta um batalhão de policiais para controlar uma manifestação
popular".
Citando o Carnaval de Salvador como uma festa que ainda mantém a espontaneidade, a
professora destacou o forte vínculo entre a cultura baiana e este festejo, que mantém vivas suas raízes mesmo com a influência mercantilista. "No
Sul e no Sudeste o Carnaval deixou de ser uma manifestação da cultura e de suas raízes e passou a ser uma festa para vender o produto da alegria".
A pesquisadora analisou, há quatro anos, a imagem do País na imprensa portuguesa
durante o Carnaval, e garantiu que falta conhecimento sobre o peso desta manifestação popular e seu real significado.
Segundo ela, o Poder Público deveria encarar este festejo com um olhar educacional,
entendendo a importância de explicar nas escolas o que é o Carnaval. "Para recuperar o brilho desta festa é preciso conhecer seu significado,
analisar os sambas-enredo e adereços, que são verdadeiras aulas sobre a nossa cultura".
Transformação |
"O Carnaval passou de um rito de celebração e de alegria do povo para um espetáculo de sugestão estética"
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Benalva da Silva Vitório
Jornalista e professora da UniSantos
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Produto - Aproveitar a tradição da Cidade, celeiro do samba, para transformar o
Carnaval em um produto turístico. Este é um dos caminhos para a retomada desta atividade, na opinião do professor e coordenador de Projetos de
Desenvolvimento do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), Alexandre Nunes Affonso. "Este enfraquecimento teve um impacto direto na atração do
turismo, que vive de pessoas que procuram o agito tradicional desta época".
Além da falta de opções no Carnaval santista, ele vê o amadorismo presente nas escolas
como um fator negativo para que o evento não tenha o mesmo gigantismo presenciado em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Para mudar este cenário, o especialista citou como fundamental a união entre os
representantes das agremiações e a criação de uma identidade própria para o turismo em Santos. "Qual a imagem que queremos passar? As pessoas vinham
para a Cidade buscando diversão, a praia, mas também alternativas para aproveitar o Carnaval".
Carnaval santista chegou a ser o segundo melhor do País
e foi realizado pela última vez em 2000
Foto: Irandy Ribas, em 7 de março de 2000, publicada com a matéria
Historiadora defende parcerias com universidades
Para não morrer no barracão das agremiações santistas, o desfile das escolas de samba
de Santos, que já rendeu à Cidade o título de segundo melhor Carnaval do País, precisa de um minucioso planejamento feito por profissionais de
diversas áreas.
A conclusão da professora de História e coordenadora do Centro de Estudos Folclóricos
da UniSantos, Yza Fava de Oliveira, resume o que pensam os vários agentes envolvidos nesta festa. "É um evento dispendioso e é necessário organizar
com antecedência a realização deste festejo".
Ela sugere que os dirigentes de escolas de samba façam parcerias com as universidades
da região, a fim de contarem com os profissionais ligados à Economia, Administração, Turismo e outros segmentos.
Com o auxílio destes especialistas, o Carnaval seria esboçado num planejamento
financeiro e global que definiria local do desfile, quantas escolas participariam, quantos foliões e demais detalhes.
A professora explica que, de posse deste levantamento, que deveria ser feito em
conjunto com todas as agremiações, os dirigentes poderiam "vender" o evento ao poder público e, principalmente, a empresários.
"No Rio de Janeiro, as escolas recebem apoio do poder público e do empresariado e,
mesmo assim, têm sérios problemas financeiros. Acho que, se o Carnaval fosse planejado e bem organizado na Cidade, o desfile ficaria muito mais
interessante".
Lembrando que esta preparação em conjunto poderia resultar num evento metropolitano,
Yza considera a idéia viável desde que trabalhada com seriedade. "Isto não acabaria com o segredo dos barracões, do samba-enredo, a magia seria a
mesma, assim como a competição. Só a organização seria feita em grupo".
Sobre as influências que transformaram a cara do Carnaval santista, a estudiosa
analisa que a cultura é dinâmica e evolui com as pessoas, mas destaca que todas as manifestações podem conviver em harmonia. "Esta evolução é
natural, a cultura não é estática. Temos que preservar a tradição deste festejo, mas é impossível não se deixar influenciar pelo que acontece no
segmento".
Centro - Um acervo permanente com mais de mil peças, incluindo as relacionadas
ao Carnaval, é mantido no Centro de Estudos Folclóricos da UniSantos. O material, que inclui discos, livros e vídeos sobre o assunto, pode ser
consultado de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 11h30 e das 14h30 às 17h30, na Rua Piauí, 48, Campus Pompéia.
Dias que antecediam os desfiles tinham clima de
euforia
Foto: Sílvio Luiz, em 8 de março de 2000, publicada com a matéria
Enfraquecimento do evento prejudica turismo e comércio
Além da lacuna no aspecto cultural da Cidade, berço de sambistas ilustres que foram
"exportados" para outros municípios, o enfraquecimento deste festejo em Santos também é visto com pesar por comerciantes e donos de hotéis da
região.
Às vésperas do Carnaval, o presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e
Similares da Baixada Santista e Vale do Ribeira, Salvador Gonçalves, amargava a lotação parcial de um de seus hotéis, o Ilha Porchat. "O desfile das
escolas de samba era, sem dúvida, um atrativo para os turistas, que procuram opções para os dias de folia. Sem esta alternativa, ele pensa duas
vezes antes de vir para a Cidade".
Segundo ele, a falta de entendimento entre as escolas de samba e poder público, aliada
à polêmica quanto ao local para a realização do desfile em Santos, resultou em perdas para todos os segmentos que lucravam no Carnaval.
Enquanto os festejos de Momo têm seu brilho ofuscado, Gonçalves acredita que muitos
moradores de Santos procuram em outras cidades as opções de folia enfraquecidas aqui. "Seria ótimo a volta dos desfiles, que movimentaria a região e
chamaria turistas e habitantes. Todos ganhariam com este evento. Desta forma só estamos vendo uma diminuição de pessoas na Cidade durante o
Carnaval".
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Desfile das escolas era um atrativo para turistas
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Perfil -
Decadência é o termo usado pelo presidente do Sindicato do Comércio Varejista da Baixada Santista, Alberto Weberman, para definir o Carnaval
santista nos dias de hoje. Assim como outros que analisam a questão, ele aponta a falta de profissionalismo na realização da festa e lamenta a
evasão de moradores nestes dias.
"Muitos vão para o Interior e os que poderiam vir não se sentem atraídos. Acho que as
autoridades não viram o peso que este festejo tem para o turismo e comércio da Cidade".
Segundo Weberman, o Carnaval santista poderia se transformar no perfil turístico de
Santos, a exemplo de outras cidades, se contasse com uma organização profissional para angariar investidores de peso. "Sempre defendi esta idéia e
acho que esta medida traria muitos empresários para investir nas escolas de samba e, conseqüentemente, mais pessoas para Santos".
Bento: SP passou na frente
Foto: Carlos Marques, publicada com a matéria
Folião lamenta ausência de desfile na Cidade
As fotos, diplomas e vestimentas guardadas com carinho pelo aposentado José Eduardo
Bento, de 55 anos, são as recordações materiais dos carnavais embalados pelos desfiles da União Imperial. Hoje, quatro anos após a realização da
última apresentação, estes artigos têm um valor sentimental igualado apenas à lembrança dos dias de folia.
Morador da Aparecida, Edu, como é conhecido, nasceu no Marapé e viu a fundação da
agremiação ser batizada pela mãe, Elizabeth Chagas, a Tia Iza. É com saudade que o sambista recorda dos dias que antecediam os desfiles e do clima
presente na Cidade naquela época. "Trabalhava nas Docas e voltava correndo para o barracão. Tínhamos tantas coisas para preparar e não podíamos
deixar vazar informações sobre nossa apresentação".
O ex-presidente do Conselho da agremiação não culpa a Administração pela ausência dos
desfiles, mas acredita que faltou união entre os sambistas. "As escolas não se aperfeiçoaram, acreditando neste título de segundo melhor Carnaval do
Brasil. Vivemos do passado e São Paulo já passou à nossa frente".
Para não ver a data passar em branco, Edu se reúne com a família na casa da sogra para
assistir a transmissão dos desfiles do Rio de Janeiro e da Capital. Quando pode, sobe a Serra para apreciar o espetáculo, mas ainda espera voltar a
sambar em solo santista. "Recuperar esta tradição é difícil, mas não impossível". |