"S.O.S. COLISEU - O 1ª Página começa, a
partir desta edição,
uma campanha pela solução do problema que se tornou o Cine Coliseu,
com uma série de reportagens sobre o desenrolar dos fatos"
Foto: Eron Maria - publicada com a matéria
METRÓPOLE
Coliseu é um elefante branco
José Luiz Rodrigues
Santos, com sua grande vocação para desempenhar o papel de um
elefante folclórico, em que se diz o animal ter memória fotográfica, criou um pequeno exemplar de paquiderme chamado Cine Teatro Coliseu. Com uma
história de glórias passadas e ulcerações modernas (veja quadro), esse pequeno elefante branco foi salvo do extermínio
pela ação preservacionista contra o furor comercial da família Freixo - proprietária do Coliseu.
Tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico e
Turístico (Condephaat) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa), o então octogenário Coliseu sobreviveu à velhice
isolada no interior de uma redoma formada por leis que proíbem qualquer retoque às suas características originais. Absolutamente retalhado, o
elefante Coliseu não apresenta mais espetáculos aristocráticos: é, por si só, um espetáculo deprimente.
Útero - Destruído o palco e os camarins, esfacelado pela inserção de uma farmácia, um
tabelionato (ambos ao lado), um restaurante de refeições por quilo (no alto), um posto de gasolina (atrás), vidros quebrados, reboco da fachada
caindo e manchado, o Coliseu dorme em um berço pouco esplêndido, cercado por moradias de famílias sem privilégios financeiros e as mazelas
conseqüentes da pobreza.
Seu interior escuro e remendado por tapumes é como a entrada complacente de um genital
feminino. A chegada ao útero é simbolicamente representada pela caminhada a partir da borboleta - uma espécie de clitóris sensível ao ingresso de
Cr$ 500,00 - até o recinto oval do palco, das paredes onde homens espermatozóides tentam se ver reproduzidos nos filmes e shows eróticos. Ali
dentro, o esperma se dilui no ambiente trevoso e privativo.
Voltar ao corredor amplo antes da sala é encontrar rusgas: banheiros malcheirosos com água
vazada e, esquecido em um canto, um busto sem placas do comendador Manuel Lins Freixo, a última pessoa a promover uma reforma no Coliseu.
Cultura - O diretor comercial da empresa Freixo, Luís Fernando Freixo, há anos deixou
de ser um habituée da casa. Hoje, limita-se a uma visita anual em companhia de um engenheiro para inspecionar as condições de segurança. "Não
tenho mais nenhum motivo para freqüentar o Coliseu", diz. Ele nem sabia que o busto de seu avô ainda está lá.
Luís Freixo só quer livrar-se da embrulhada em que está o Coliseu. Sem poder reformar,
derrubar, vender, o resultado é um elefante branco deitado e doente. Em 1989, a prefeita Telma de Souza mostrou vontade política para a
desapropriação do imóvel. Luís Freixo gostou. "Temos muito interesse em negociar com a prefeitura", diz.
No caso de ocorrer a desapropriação, o local teria outros fins, que não os atuais. "Não
cumpre à prefeitura incentivar e manter uma atividade comercial e lucrativa como a exibição de filmes pornôs", diz o secretário de Cultura, Reinaldo
Martins. Ele defende o conceito de cultura como tudo aquilo feito pelo Homem. Há, porém, outras coisas a serem feitas pela humanidade. No caso do
Coliseu, pode ser a instalação da Câmara Municipal ou a entrega do local a outros setores culturais como, por exemplo, aos grupos de teatro amador -
uma proposta feita pelo vereador Alcindo Gonçalves, do PMDB, em 1983, hoje presidente da Prodesan e filiado ao PT.
Detalhe do saguão do Cine Coliseu: arquitetura
sobrevivente e sexo explícito
Foto: Eron Maria - publicada com a matéria
Cronologia da decadência
1897 - José Luís de Almeida Nogueira, Heitor Peixoto, Ricardo Travessedo e
Henrique Porchat de Assis inauguram a Cia. Coliseu Santista, um ginásio com pista para corrida de bicicletas, arquibancadas
e um botequim.
1909 - Francisco Serrador inaugura a primeira versão do teatro. Em seguida, o
comendador Manuel Lins Freixo arrenda o prédio e promove sua reconstrução.
1924 - Inauguração do suntuoso Coliseu. Apresentação da peça "A Bela Adormecida".
Década de 30 - A Cine Teatral Freixo Ltda. compra o prédio de Francisco Serrador.
Passa a ter cinema e cassino, além de teatro.
1967 - Demolição de parte do Coliseu, para abrigar um posto de gasolina, uma farmácia
e um tabelionato.
Década de 70 - Destruído o palco e os camarins, erguida uma parede entre o palco e a
platéia, o Coliseu passa a exibir filmes e shows pornográficos.
Década de 80 - Tombamento do Coliseu pelo Condephaat e Condepasa, que impedem a
demolição para a construção de um mini-shopping. A empresa Freixo processa o Estado pelo embargo, ganha a causa e é indenizada. A Prefeitura
negocia a desapropriação do prédio com a proprietária.
Década de 90 - Perduram as negociações, sem nada concreto. A esperança das partes é
fechar negócio antes do fim do mandato da prefeita Telma de Souza, previsto para março de 1993.
Bico-de-pena do artista Lauro Ribeiro da Silva (Ribs), mostrando o
casario da Praça José Bonifácio e, ao fundo, o Coliseu, ainda como ginásio com arquibancadas,
vizinho do então inaugurado (12/4/1907) Redondeu de Touros
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