Em Santos, os revolucionários esperam o ataque
Foto reproduzida de O Mundo Ilustrado, de 7/7/1954
Nos primeiros dias de agosto morria na luta o primeiro voluntário santista - João Pinho - no
combate de Salto, sob o comando do coronel Sampaio, combate que foi o batismo de fogo dos soldados de Santos na Frente Norte. Era o início da
sementeira generosa com que o presente histórico brindava à Pátria na elaboração do seu futuro.
Logo a 18 falecia em São Paulo, em conseqüência de ferimentos recebidos em combate no Setor
Norte, nas trincheiras de Pinheiros, outro voluntário santista, Carolino Rodrigues, soldado do 8º B.C.R.
No dia 19 o Dr. Pedro de Toledo assinava o Decreto 5.643, mandando ocupar militarmente
a Companhia Docas de Santos e nomeando representantes do Governo junto à Superintendência da Companhia, o engenheiro Francisco Teixeira da Silva
Teles, investido de plenos poderes para controlar os serviços da mesma e fazer requisições de serviços ou de materiais necessários à Revolução, na
forma da lei.
Logo depois era Tiago Ferreira, voluntário santista incorporado às fileiras do Tiro
Naval de Santos, que sucumbia em combate travado na região de Silveiras, o 12º combate em que tomava parte a notável corporação militar da cidade,
nos setores do Vale do Paraíba, sob o comando do coronel Andrade.
Do Boletim nº 8, de 15 de agosto, do tenente-coronel Lamego, comandante do
destacamento ao qual estava incorporada a tropa do 8º B.C.R, extraímos o seguinte elogio, que reafirma, oficialmente, a atuação brilhante dos
soldados e oficiais do 8º B.C.R. de Santos:
"Soldados da Constituição! - O resultado dos dois combates de ontem e de hoje, da
Fazenda Palmeiras, traduz, definitivamente, a vossa atuação. Repelistes com energia digna de verdadeiros soldados os ataques do adversário. As suas
forças quebraram-se diante do vosso valor, energia, coragem e convicção do dever pela vossa causa, que é a da conquista da lei, da ordem e da
disciplina. Felicito, pois, calorosamente, os senhores oficiais comandantes de unidades, os quais tornarão extensivas aos seus comandados diretos as
referências aqui feitas".
A 24 de agosto morria mais um santista, Alfredo Schammas, voluntário do 7º B.C.R. de
Santos, em conseqüência de ferimentos recebidos na ocupação de Guareizinho, na Frente Sul, tendo sido sepultado em Avaré, a expensas da prefeitura
local.
Deixando Santos com o Batalhão da Reserva, logo depois o voluntário Schammas era
promovido ao posto de 1º-sargento, por atos de bravura, posto em que o colheu a morte. Ele é um dos soldados que na partida é um dos mais alegres
dos que ali se vêem, naquela despedida tocante do povo aos seus guerreiros, que, poucos dias atrás, não passavam de pacatos cidadãos ou imbeles,
esportistas, comerciários, bancários, funcionários, doqueiros, estudantes ou garagistas, incapazes de sacar um canivete contra alguém.
Honroso ao extremo, para a gente de Santos, era o telegrama então recebido pelo
coronel Índio do Brasil, do major Euclides Machado, subchefe do Comando Militar daquela frente de operações.
"N. R. 517 - Transmito-vos textualmente telegrama hoje recebido do capitão Belf
Câmara, chefe Estado Maior Destacamento Carvalho Sobrinho "Peço avisar família sargento Alfredo Schammas, voluntário
7º B.C. Reserva de Santos, residente naquela cidade à Rua D. Pedro I, nº 41, haver o mesmo hoje falecido em conseqüência ferimento recebido ontem,
combate que precedeu nossa ocupação Guareizinho. Sargento Schammas portou-se com bravura extraordinária, muito honrando Falange Santista, que hoje
combate aqui ao lado tropa Sexto Batalhão nossa invicta Força Pública"."
A 27 de agosto, a Organização dos Correios Militares M.M.D.C., que se achava desde o
princípio da Revolução na Rua Martim Afonso, passou para o prédio do Politeama Rio Branco, vizinho à Igreja do Rosário,
cedido gentilmente por sua empresa, onde foram desdobrados os seus serviços, passando a ser também centro de inscrição de voluntários.
A Casa do Soldado, instalada no prédio da Praça José Bonifácio, 58, desde meados de
agosto, apresentava agora um movimento desusado, aberta todos os dias, com exceção dos domingos, das 8 às 19 horas, e sempre cheia de rapaziada
alegre e barulhenta, atendendo a todos com o fornecimento de merendas, café e até cigarros.
Naquele mesmo dia 27, a Associação Comercial de Santos despachou para São Paulo um
vagão da Estrada de Ferro, carregado com 8 toneladas de objetos de metal, cobre, bronze, latão, ferro e outros minérios, obtidos por doação popular
e destinados ao serviço de Material Bélico, como contribuição da cidade de Santos.
Nos últimos dias de agosto, o M.M.D.C, que iniciara desde meados do mês as inscrições
de voluntários, instalava seu campo de exercícios no Miramar, cedido por seus proprietários, onde ficou sendo a sede do
Posto de Preparação Militar.
Nada falamos ainda do 7º e do 10º B.C.R., forças de Santos destacadas na Frente Sul.
Estas forças se achavam, a 26 de agosto, em Ligiana e Aracassu, à margem do Paranapanema, sob o comando do Cel. Grimaldo Favilla, que fora,
anteriormente, comandante militar da Praça de Santos. Vejamos o que dizia o Comunicado 15 do enviado especial de A Tribuna, naquele dia,
sobre a ação desta tropa conterrânea:
"O dia de hoje, como os de ontem e anteontem, decorreu calmo. O 155 constitucional
bombardeou repetidamente as posições adversárias.
"No dia 15 do corrente, como é notório, o adversário promoveu a sua grande ofensiva em
todos os setores. Cerca de mil granadas de canhão 75 e 105 foram lançadas contra as nossas posições. O adversário com esse fogo de artilharia
protegia o avanço da infantaria. (...)
"Depois de trinta e seis horas de cerrado tiroteio, em que o ardor da mocidade
paulista foi posto mais uma vez a rude prova, deixamos a estação de Victorino Carmilo, para ocuparmos melhor posição na retaguarda, adiante de
Aracassu, no quilômetro 280 da Sorocabana.
"O adversário sofreu 105 baixas entre mortos e feridos, enquanto as forças
constitucionalistas tiveram 2 mortos e 10 feridos.
"Do 7º B.C.R. (de Santos) apenas dois soldados ficaram feridos".
Em qualquer das frentes, como se vê e como era notório entre os combatentes, a gente
de Santos brilhava.
Nos últimos dias de agosto, o Rotary Club de Santos tomou a
iniciativa de construir um pavilhão para os órfãos dos voluntários santistas, anexo ao Asilo dos Órfãos. É inútil dizer que tal iniciativa logo
tomou vulto. Varias comissões foram organizadas, e pouco tempo depois reuniam o necessário para a construção em vista, logo depois realizada,
realçando a benemerência e o patriotismo do povo da cidade e do seu alto comércio, sempre dispostos a apoiar as boas causas, sendo notável o
concurso dos estrangeiros aqui residentes, destacando-se as doações da Companhia City, que ofereceu a estrutura do
telhado e assentamento da mesma, toda a esquadria da obra, serviço de instalador elétrico, serviço de aparelhamento de água e transporte elétrico,
assim como as da Companhia Docas de Santos, que ofereceu toda a alvenaria de pedra, pedra britada e areia, e a
do cidadão Otto Uebele, cônsul da Alemanha, que ofereceu 50.000 tijolos, seguindo-se outras menores.
A 29 de agosto, morria Januário dos Santos, vitimado por uma granada, na trincheira
onde combatia, ao lado dos moços do Naval e do 8º B.C.R.
No dia seguinte, 30, era Sebastião Chagas, soldado do 8º B.C.R, que desaparecia, em
conseqüência de ferimentos recebidos em combate na mesma Zona Norte.
A 31 de agosto, caía nos campos de batalha outro voluntário santista. Desaparecia
agora Ivampa Duarte Lisboa em conseqüência dos ferimentos recebidos na Zona de Silveiras, no combate da Fazenda Boaventura, quando operava com os
seus colegas do Tiro Naval de Santos.
Também Alfredo Albertini, voluntário do Tiro Naval de Santos, ferido em combate na
região de Silveiras, no dia 30, veio a falecer a 2 de setembro, no Posto C.5, do B.C.P.M.
Já no dia 3, outro heróico santista tombava no campo de honra. Era o Durval Amaral,
2º-tenente da Força Pública Estadual, pertencente ao 5º B.C.P., com 21 anos de idade, vítima de ferimentos num combate no Setor de Silveiras. Durval
Amaral era vicentino e São Vicente não o esqueceu, consagrando-o numa placa de rua e em monumento público, ao lado de outros companheiros.
Santos pagava, de forma acentuada e severa, talvez mais do que qualquer outra cidade
do Estado, excluída a Capital, o seu tributo à constitucionalização do País. No entanto, as novas gerações vão esquecendo tudo quanto sofreram a
sociedade e a mocidade de então, para que elas fossem mais felizes, à sombra da ordem legal e constitucional.
À tarde do dia 5 de setembro, a partir das 14h30, quatro grandes hidroaviões da
Marinha Brasileira evoluíram sobre a cidade, dirigindo-se para o Forte Itaipu, despejando sobre ele cerca de 20 bombas, quase todas caídas nas
rochas e dentro d'água, mas acertando algumas e destruindo a rede elétrica da fortaleza, que desta forma ficou sem ação - embora não fosse isso do
conhecimento da população e muito menos, talvez, do adversário, que, consumado o ataque, desapareceu para o Leste, rumo à base federal de São
Sebastião. Comandava naquela ocasião o Forte Itaipu o capitão André de Souza Braga, e só mais tarde se chegou a saber da realidade dos estragos
produzidos pelo bombardeio aéreo de 5 de setembro de 1932.
O dia 7 de setembro foi vivamente comemorado em todos os setores de guerra e em todas
as cidades paulistas. Em Santos, terra do Patriarca, as comemorações foram mais intensas, valendo o pretexto para novos
arroubos de oratória e novos desfiles ao som de fanfarras e dobrados marciais. Houve discursos alusivos e comparativos, sobressaindo pela
simplicidade e pela sinceridade o que pronunciou o capitão Braga diante dos seus comandados.
Naquele dia, tão grato à nacionalidade, pagava seu tributo à morte mais um santista, o
cabo Eduardo Alves, da Falange Acadêmica, incorporado ao 8º B.C.R - caído em combate na Frente Norte.
O Diário Popular de São Paulo, em seu número 13, de setembro, trazia as
seguintes palavras, alusivas aos combatentes de Santos, valendo por um depoimento extra-muros e eloqüente:
"Um oficial da Força Pública, hoje chegado da linhas de frente, em palestra com um
nosso companheiro de trabalho, declarou que as forças do Tiro Naval de Santos, ao lado das quais está lutando há mais de um mês, num dos setores
onde mais violentas têm sido as ofensivas ditatoriais, revelaram-se de uma extraordinária bravura, comportando-se em combate com a mesma tenacidade
e eficiência dos melhores soldados regulares.
"A galharda rapaziada do Tiro Naval de Santos, acrescentou o nosso informante, quando
ocupa uma trincheira, dela não arreda pé, lutando como verdadeiros leões. São ótimos soldados, posso assegurar-lhe; sabem aproveitar
inteligentemente o terreno; conhecem perfeitamente o serviço de ligação e reconhecimento, como se outra coisa não tivessem feito na vida senão
combater.
"No setor em que lutei ao lado dos denodados rapazes do Tiro Naval, eles eram
comandados por um oficial, de nome Lemos, que se revelou um ótimo condutor de homens na guerra.
Terminando, disse o nosso informante:
"Pode divulgar as minhas palavras: Volto das linhas de frente entusiasmadíssimo com a
atuação daquela galharda mocidade santense."
Tal entrevista, espontânea e concedida a jornal paulistano, estranho à cidade de
Santos, é uma das mais insuspeitas consagrações ao valor da gente santista em pleno campo de batalha, como um dos mais verdadeiros testemunhos de
sua bravura.
Também, a fatalidade não perdoava os voluntários santistas, e assim, a 12 de setembro,
sucumbia, vitimado num desastre de automóvel, próximo a Itapetininga, o combatente Antônio Damin, do Tiro de Guerra 598 (Docas), incorporado ao 7º
B.C.R., quando vinha a Santos rever a família, após largo período de lutas e canseiras.
A 17 de setembro, novo voluntário santista sucumbia no campo de honra; era Pérsio de
Souza Queiroz Filho, do Batalhão da Reserva de Santos, o 8º B.C.R., morto em combate no Setor Norte. Pérsio, tal como Durval Amaral, era filho de
São Vicente, e seu nome foi igualmente consagrado pela cidade de Martim Afonso, numa rua e num monumento público.
Nesse mesmo dia, recebia o sargento Armando Érbisti - o consagrado comandante do Tiro
Naval de Santos, que se vinha evidenciando em lances arriscados, ocupando com sua tropa algumas posições tomadas a adversários ou abandonadas por
outras forças paulistas - um telegrama do Estado-Maior, que o coronel Euclides Figueiredo, chefe do Estado-Maior da II Divisão de Infantaria em
operações, o promovia ao posto de capitão, promoção essa que continha um sentido de galardão geral, envolvendo na mesma honraria o comandante e seus
comandados, aquela mocidade de Santos que com ele se expunha na mais perigosa das frentes de combate.
Em setembro ainda, desapareceriam o dr. Dagoberto F. de Gasgon, do Pelotão de
Engenheiros da Milícia Cívica Santista, vitimado por moléstia adquirida em campanha, ao cabo de grandes e reais serviços prestados às forças em
operações, e o voluntário Emílio Ribas, nas mesmas condições.
No dia 23, um fato comovente verificava-se em Santos. Domingos Francisco, de 90 anos
de idade, mas ainda aparentando vigor, veio de Cubatão a oferecer seus préstimos, como combatente, às autoridades organizadoras de forças santistas,
retirando-se triste, desapontado, porque não quiseram aceitá-lo, limitando-se os militares a elogiar e agradecer o seu ardor patriótico, o seu
alevantado civismo, que o faziam esquecer a própria idade e seus percalços, em favor de São Paulo e de suas reivindicações.
No dia 24, assistia a cidade inteira, atônita e penalizada, à morte aparatosa e
injusta dos heróicos aviadores de São Paulo, João Gomes Ribeiro Júnior e Mário Bittencourt. O aparelho pilotado pelos dois jovens ases, à vista da
praia e pouco além da Ilha de Santo Amaro, incendiou-se no espaço, precipitando-se ao mar com seus dois tripulantes presos à nacelle.
Era um mau prenúncio para a Revolução e houve mesmo quem visse no aparatoso e
lamentável desastre aéreo um sinal de próxima catástrofe militar.
Os acontecimentos, em verdade, precipitavam-se, nas frentes e nos bastidores. Faltavam
armas, faltavam munições, faltava a arma aérea e tudo quanto sobrava aos federais da Ditadura, cada vez em maior número. Os militares das forças
regulares paulistas já se impacientavam, vendo a impossibilidade de uma vitória na guerra nacionalista. Os políticos confabulavam; alguns apontavam
as falhas e deficiências do aparelhamento paulista, prevendo a síncope, censurando erros estratégicos cometidos de início e a ausência forçada do
general Isidoro Dias Lopes, que chegara a ser ameaçado de prisão e fora totalmente alijado de qualquer comando, substituído pelo general Bertholdo
Klinger, que nunca tivera as simpatias do povo e da mocidade voluntária.
Em conseqüência, logo a 29 de setembro, muito antes decerto do que todos esperavam,
surgia um Manifesto ao Povo em que o Governo anunciava estar sendo tratado o armistício com as forças da Ditadura, resultado dos telegramas trocados
entre o general Klinger, o Governo Provisório, o general Góis Monteiro e o general Mena Barreto. Era o fim.
No dia 8 de outubro, o tenente-coronel Índio do Brasil, comandante do 6º B.C.P.,
acantonado em Santos, publicava este aviso:
"AO POVO SANTISTA:
"Em perfeita concordância com a Delegacia Regional de Polícia (então sob os cuidados
do tenente Augusto César do Nascimento) e atendendo ao atual momento, vem solicitar à laboriosa população santista que se abstenha de quaisquer
manifestações, a fim de que não seja alterada a ordem pública nesta cidade.
"Qualquer tentativa em contrário será repelida energicamente".
As palavras eram secas e duras demais para aquele povo admirável que até ali mandara
na situação e soubera mantê-la no alto e com dignidade, praticando toda sorte, imaginável e inimaginável, de heroísmo, altruísmo e abnegações;
dolorosas em seu evidente sentido de que nada mais restava da página heróica de São Paulo e de sacrifício da cidade de Santos.
Nesse mesmo dia, A Tribuna publicava em manchete (como no primeiro dia) a
terrível notícia:
"O governo do Estado considera-se deposto. O coronel Herculano de Carvalho assumiu o
Governo Militar da Capital".
Estava encerrada a Revolução, sem que houvessem sido alcançadas, objetivamente, as
suas finalidades, embora o fossem depois, pelos efeitos morais do Movimento, mais fortes talvez do que os efeitos materiais da força empregada nos
três meses.
Naquele mesmo dia 8 de outubro, entravam em Santos dois navios da Divisão Naval
Brasileira, e o tenente-coronel Índio do Brasil assumia o Governo Militar da Praça de Santos, verificando-se nessa tarde a chegada das forças do
Tiro Naval de Santos e do 8º B.C.R., os denodados e principais representantes do povo santista nas frentes de combate.
O que aconteceu depois, nos dias que sucederam ao remate quase inesperado, imprevisto,
da Revolução Constitucionalista, foram conseqüências naturais dos movimentos desta ordem. Após se recolherem todas as forças em atividade, a falta
de conformação geral produzia intenso mal-estar, e o povo, deprimido, inconformado, assistia cheio de mau humor às providências de normalização
social e geral, principalmente passagem das forças federais, de outros estados, que se recolhiam por Santos, verificando-se, então, um ou outro
atrito pelas ruas.
Pouco tempo, entretanto, durou essa anormalidade, porque tudo se foi ajustando à
realidade e reentregue o Estado aos paulistas, desde que Santos nunca deixara de ser governada pelo dr. Aristides Bastos Machado, o grande prefeito,
amparado pelas classes produtoras. A vida local assumiu os mesmos aspectos de antes do Movimento, como se nada houvesse perturbado a sua paz de
cidade de trabalho e dinamismo. |