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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - 1932
Os santistas na Revolução de 1932 (II)

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A participação do povo santista na Revolução Constitucionalista deflagrada em 1932 foi relatada pelo pesquisador Francisco Martins dos Santos em sua obra História de Santos, republicada em 1986 junto com a Poliantéia Santista, por Fernando Martins Lichti (Ed. Caudex Ltda., São Vicente/SP). A seguir, a continuação desse relato:


General Brasílio Taborda, revolucionário constitucionalista, comandou a Praça de Santos, 
o Setor Sul e foi chefe de Polícia da cidade de São Paulo, nos dias de luta de 1932
Foto reproduzida de O Mundo Ilustrado, de 7/7/1954

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No dia 18 de julho, às 10 horas, seguia para São Paulo o primeiro contingente do Batalhão da Reserva de Santos, num total de 400 homens, com grande comparecimento de povo e autoridades, verificando-se cenas comoventes de despedida e discursos vibrantes, enquanto bandas de música inflamavam o ambiente com a execução de hinos, dobrados e marchas militares. Era a flor da mocidade santista, que partia, alimentando no íntimo, idéias várias sobre o seu destino e o seu próprio Movimento que apoiavam e os riscos conseqüentes.

O padre João Baptista de Carvalho era uma grande voz a levantar-se entre o entusiasmo popular, incitando-o e estimulando-o em inspirados sermões e discursos, nas rádios, nas ruas e no púlpito. Embora a sua missão de sacerdote devesse inspirar-lhe apenas palavras de amor, fraternidade e concórdia, padre João Baptista de Carvalho, repetindo a atuação e a atividade revolucionária de um Padre Miguelinho, de um Frei Caneca e outros religiosos tornados históricos, tornara-se em Santos um dos principais e mais violentos propagadores do levante revolucionário-constitucionalista, empolgado e empolgante, esquecido talvez da sua própria condição de sacerdote.

No dia 20 assumia o Comando Militar de Santos o coronel Brasílio Taborda, considerado um dos precursores do Movimento Constitucionalista. Pouco depois deveria ele prestar seu grande e valioso concurso de modo mais heróico, no comando das forças santistas no Setor Sul.

Nos primeiros dias do Movimento, assentara-se, como medida de defesa do porto santista, a colocação de minas em toda a extensão da barra, serviço técnico de alta responsabilidade de que foram incumbidos, pelo Comando Militar, os engenheiros civis Paulo César Martins e Hipólito Pujol, este como chefe, no posto de major, os quais, seja desde logo acentuado, na opinião dos entendidos, realizaram notável serviço em poucos dias de trabalho e experiências comprobatórias.

No dia 18 seguia para São Paulo o Batalhão Reservistas de Santos, a apresentar-se ao Comando Geral das forças revolucionárias, com um total aproximado de 200 homens.

No dia 19 seguia para São Paulo o terceiro contingente do Partido Democrático de Santos, em caminhões cedidos pelo sr. Francisco André Avelino, proprietário de uma empresa de transporte, como das vezes anteriores, num total de 50 homens.

Dois dias depois, a 21, assumia o Comando Militar da Praça de Santos o tenente-coronel Cristóvão Colombo de Melo Matos, que o exerceu até fins da Revolução.

É nesta altura, entre 16 e 19, que se inicia em Santos a incorporação da Legião Negra, como já se fizera em São Paulo, seguindo imediatamente o primeiro contingente, anexado ao contingente do Partido Democrático.

Ainda no dia 19, o primeiro batalhão organizado pela Milícia Cívica Santista recebe, a pedido do dr. Pedro de Toledo, o nome de "Maranhão", em homenagem ao longínquo Estado brasileiro. Nesse dia realiza-se um imponente desfile de atiradores dos Tiros 11 e Naval, sob o comando do sargento Armando Érbisti, tomando parte nele 650 atiradores e mais uma grande banda marcial e de música, sob indescritível entusiasmo popular, enchendo as famílias todas as sacadas dos prédios da Praça Rui Barbosa e ruas General Câmara e do Rosário (João Pessoa), atirando flores sobre a garbosa mocidade prestes a seguir para a frente de batalha.

No dia 22, recebia Santos a visita do general Isidoro Dias Lopes, formando o Tiro Naval de Santos em sua honra. O velho e ilustre cabo de guerra foi recebido entre ruidosas aclamações de entusiasmo e apreço, por enorme multidão, composta de gente de todas as classes sociais. Era evidente o préstimo popular ao general gaúcho.

No dia 23 chegavam a Santos, vindos a pé do Paraná, com enorme sacrifício, para servir à causa dos paulistas, os estudantes paranaenses Octávio do Amaral Carvalho, Armando Ribas, Virgolino do Brasil, Paulo Fonseca Barros, Alói dos Santos e Nelson Straube, todos das escolas superiores de Curitiba.

Ainda no dia 23, um hidroplano do tipo Savoia-Marchetti, da Marinha Brasileira, voava sobre a cidade, naturalmente em reconhecimentos, cruzando todo o litoral que, àquela altura, já estava todo guarnecido pelas forças voluntárias da Milícia Cívica Santista, Falange Acadêmica, reservistas de 1ª e 2ª linhas do Exército e tropas de outros corpos organizados em Santos, forças bem armadas e municiadas, com algumas peças de artilharia, num total de mais de 3.000 homens, que, aumentados depois, montaram guarda vigilante e diuturna a toda a linha periférica da região santista.

E se é verdade que os voluntários destacados na costa não arrostaram os perigos do fogo, com exceção de uma ou outra tentativa de escalada federal (marinheiros) contra a ilha de Santo Amaro (hoje Município de Guarujá), não se pode negar o valor da sua participação na defesa de São Paulo, sofrendo terríveis umidades e desconfortos, nuvens de mosquitos e outros insetos em lugares insalubres, junto a mangues e lamarões imensos ou em praias desertas, junto a lagoas e alagados ameaçadores ou a bananais antigos infestados de cobras venenosas.

Muitos daqueles homens adquiriram resfriados que degeneraram em gripes violentas, em bronquites e moléstias piores; reumatismo, maleitas simples e bravas, conseqüências das bruscas mudanças de temperatura, dos ventos e chuvas excessivas do inverno litorâneo, dos charcos e dos mosquitos. Alguns morreriam tempos depois, na hora dos rescaldos, sem que a coletividade soubesse que ainda era holocausto à reconstitucionalização do País, como últimos tributos, já então anônimos, à grande campanha de São Paulo.

Notável, então, foi o carinho que dispensavam as senhoras e senhorinhas santistas, em seus inúmeros e variados dispensários, a esses voluntários do litoral, dando-lhes meias grossas, de lã, luvas, camisas de malha e capuzes contra o frio e os mosquitos, sapatões reforçados, do tipo reúno, contra a umidade, cercando-os de um possível conforto no desconforto das posições ocupadas em todo o litoral.

No dia 26, o antigo Batalhão Reservistas de Santos, por ordem superior, passava a chamar-se 7º B.C.R., sob cuja denominação deveria seguir para São Paulo e dali para o front. Nesse mesmo dia, uma terça-feira, seguia para a Capital o primeiro contingente conjugado, da Milícia Cívica de Santos, do Batalhão Operário, da Falange Acadêmica e do Batalhão da Reserva (Tiros Naval, 11 e 598), num total de 500 homens acompanhados de um corpo de enfermeiros e médicos da Cruz Vermelha Brasileira de Santos.

No dia 29, dois hidroaviões da Marinha, evoluindo sobre a cidade, foram lançar bombas sobre as usinas da Light junto à raiz da serra, sem conseqüências maiores, acompanhados pela curiosidade popular, em suas evoluções pelo céu.

No dia seguinte, sábado, novo contingente de santistas do Tiro Naval, da Falange Acadêmica, do Batalhão da Reserva de Santos e outros voluntários, num total de 400 homens, seguia para São Paulo, sob o comando do 1º-sargento Armando Érbisti e dos sargentos auxiliares Castro Licurgo e Alberto Muniz.

Neste dia, publicava A Tribuna a letra do hino composto para a Legião Negra, que não trazia assinatura:

Soldados  das hostes negras
Nossa Pátria é nossa luz!
Ela é a chama sacrossanta
Que à nossa frente reluz!
Ela é o Cruzeiro que a novo
Guararapes nos conduz!

Não receamos a luta!
Lutamos pelo ideal,
Pela impoluta grandeza
Da nossa Pátria natal!
Escravos de toda a vida
Na morte vemos rival!

Paulistas da mesma terra
Dos bravos da Abolição
Ao lado de Borba Gato
Conquistamos o sertão!
Paulistas, vamos à luta,
Pela Lei, pela Razão!

(ESTRIBILHO)
Soldados de Henrique Dias
A postos pelo Brasil!
São da Pátria as energias
De nossa alma varonil!

No dia 31, realizou-se no largo fronteiro à Igreja do Embaré, às 8 horas, missa campal pela vitória de São Paulo, oficiando um franciscano e pregando o Evangelho o padre João Baptista de Carvalho, ato assistido pelas forças do 6º Batalhão e demais tropas acantonadas em Santos, autoridades civis, militares, eclesiásticas e grande massa popular.

Nestes últimos dias de julho, os bônus emitidos pelo Governo Paulista passaram a ter curso forçado na cidade, por haver casas que se negavam a aceitá-los, receando futuros prejuízos.

No dia 1º de agosto, o presidente da Associação Comercial de Santos era incumbido de organizar a Polícia Civil da cidade, abrindo-se as inscrições no dia seguinte.

A 3, voltava do planalto o Dr. Samuel Baccarat, um dos mais famosos advogados e um dos elementos mais dedicados às forças santistas destacadas no Setor Norte do Estado. Entrevistado por A Tribuna, teve ele palavras elogiosas, a respeito daqueles moços, como as deste trecho:

"Santos vem, assim, cumprindo galhardamente o seu dever, demonstrando mais uma vez a fibra e o heroísmo de seus filhos, em nada inferiores aos mais bravos soldados do Exército revolucionário".

As subscrições públicas em curso na cidade, para atenção e socorro às instituições de caridade, eram muitas, e todas, inclusive aquela em favor da aquisição dos capacetes de aço para os soldados, atingiam cifras importantíssimas em poucos dias, demonstrando a capacidade de contribuição financeira do alto comércio local e a sua decidida aprovação ao Movimento.

No dia 6 de agosto seguiam para São Paulo cinco ambulâncias da Cruz Vermelha, com todo o aparelhamento exigido pelos serviços de guerra, médicos e cirurgiões, ao todo quarenta pessoas, entre esses, médicos, farmacêuticos, dentistas, enfermeiras e ajudantes, serventes, motoristas e ajudantes destes, acompanhados por três diretores da instituição, sendo um deles Armando Lichti. Completava assim, e de forma inequívoca, a Cruz Vermelha de Santos, a sua série de providências em prol dos soldados paulistas em geral.

Nunca será demais ressaltar o extraordinário papel desempenhado em todo esse memorável período da história de São Paulo, pela mulher paulista, sem distinção de origens e naturalidade, que em Santos era a mesma da Capital e de outras cidades mais vivamente integradas na causa, adivinhando-se ou assistindo-se a sua presença, em todos os atos, em todas as iniciativas e em todos os momentos e trabalhos da Revolução, por mais pesados, graves ou repugnantes que eles fossem, devendo-se a mulher, indiscutivelmente, o grande entusiasmo popular, os numerosos alistamentos, o conforto e a fartura que existiram sempre entre as famílias mais necessitadas, nos lares mais pobres, que a anormalidade da situação e as dificuldades financeiras poderiam levar à fome e ao desespero.

Até mesmo em São Paulo, uma santista, Maria José de Lara Campos, em brilhante iniciativa, fundava a Casa da Formiga, um posto de socorro aos filhos dos soldados paulistas, que distribuía roupas e agasalhos e encaminhava também, aos necessitados, os socorros alimentares da Liga das Senhoras Católicas e M.M.D.C., estabelecida à Praça da República, no coração da grande cidade. A Casa da Formiga popularizou-se em São Paulo e, ao fim da Revolução, verificou-se que só ela atendera mais de 20.000 pessoas, num total de muitas centenas ou milhares de contos de réis, doados pela sociedade paulistana e pelo povo.

No dia 9, instituíra a Associação Comercial de São Paulo a Campanha do Ouro para a Vitória, passando também essa campanha a ser imediatamente organizada em Santos, onde, no dia 11, era nomeada a seguinte comissão angariadora: Dr. Antônio Teixeira de Assumpção Neto (Lara Neto & Cia.); padre dr. João Baptista de Carvalho (Cura da Catedral); Benjamim de Mendonça (Banco Comercial do Estado de São Paulo); Francisco B. de Queiroz Ferreira (Queiroz, Ferreira & Cia. Ltda.); Dr. Valdomiro Silveira, advogado e escritor; Pedro Leite Ribeiro (negociante); Alexandre Chasseraux (Banco Comércio e Indústria de S. Paulo); Francisco Rocha Campos (Banco de São Paulo).

Já no dia seguinte iniciava-se a campanha, com grande concorrência e mais de 2.000 donativos em jóias, objetos artísticos e dinheiro. Adiantaremos que, até o último dia de recolhimento de ofertas populares, a contribuição santista, operada através de circunstâncias muitas vezes interessantes ou melodramáticas, geralmente edificantes, atingiu um total de cerca de 6 mil contos de réis (ou seis milhões de cruzeiros), culminando com a troca das alianças de casamento pelos casais, até mesmo estrangeiros, pelas alianças de prata, bronze ou metal comum, comemorativas do fato.

Não podemos, na exigüidade deste capítulo com que pretendemos transmitir à posteridade os acontecimentos revolucionários da cidade de Santos, descrever as cenas de dedicação, de altruísmo, desprendimento e abnegação desenvolvidas entre o povo, nos três meses que durou o Movimento paulista e que serviram para demonstrar, principalmente, a capacidade moral, cívica, sentimental e física do povo santista e firmar a fé que se deve ter num povo assim, de tão grandes reservas e tamanhas possibilidades, cujos destinos não podem deixar de estar em relação direta com essas circunstâncias e numa exata proporção com essas qualidades.

Mas continuemos. No dia 12, seguia para São Paulo a 1ª Companhia do Batalhão Operário, sob o comando do capitão Sebastião da Silva Medeiros, com um efetivo de 150 homens. A 16 escrevia da Frente Norte o correspondente de A Tribuna:

"Os santistas, inegavelmente, vêm se portando bravamente nesta arrancada constitucionalista.

"Em crônica anterior tivemos oportunidade de referir a ação do 8º B.C.R., constituído em maioria de voluntários alistados na Milícia Cívica de Santos. Aquele batalhão, depois de receber o seu primeiro batismo de fogo na Fazenda Moraes, em Engenheiro Bianor, tomou parte ativa nos combates de Queluz e agora está atuando sob o proficiente comando do major Bernardo Espíndola Mendes no Setor de Vila Queimada, onde a resistência das forças constitucionalistas se vem acentuando cada dia mais.

"Agora surge a vez do Batalhão da Reserva Naval de Santos.

"Não cabe aqui, nesta ligeira crônica, uma referência mais circunstanciada ao papel relevante que os navais vêm desempenhando. Apenas diremos que o pugilo de santistas, que atenderam ao apelo de São Paulo, sabe dignificar o nome da corporação a que pertencem, honrando as tradições gloriosas da terra dos Andradas."

Em seguida, fazia o correspondente uma descrição dos combates de Silveiras, para retomar da seguinte forma:

"À noite, quando o adversário se sentiu impotente para prosseguir no cerrado tiroteio, os navais foram alvo de entusiásticas manifestações de apreço por parte das demais forças e das autoridades de Silveiras, sendo dada a uma via pública daquela pequena cidade a denominação de Rua Tiro Naval de Santos".

Mas não só as belezas do Movimento devem ser ditas; a História não é comemorativa e sim descritiva de acontecimentos, que analisa, estuda e explica, para melhor conhecimento e compreensão do presente e do futuro. Em Santos, como em todas as cidades paulistas, o ambiente cívico e social era respeitável somente para os adeptos da Revolução, considerando-se delito repugnante e traição o direito de pensar de modo diferente da maioria e divergir da opinião geral, apaixonada.

Negar apoio ao Movimento e a todos os seus fenômenos era trair a São Paulo, e não apenas pensar de modo diferente, era apoiar a ditadura usurpadora e criminosa e não apenas usar de um direito de neutralidade; daí as delações por derrotismo, e a espionagem movida por amigos contra amigos, até por parentes contra parentes, compondo a parte negra da Revolução de São Paulo.

Não parecia, em certos aspectos, uma luta de irmão contra irmão, e sim uma guerra bem caracterizada contra estrangeiros inimigos. Tratando-se de um Movimento Constitucionalista, em que tudo deveria ser espontâneo, voluntário, idealístico, não deveria haver intolerância e revolta contra qualquer cidadão que não pensasse da mesma forma, dispensasse a Constituição, constantemente rasgada ou postergada no País, ou mesmo declarasse preferir a Ditadura, uma vez que não fosse trabalhar por esta e contra o Estado revolucionário, passando da opinião à ação.

O direito constitucional de pensar com a maioria da Nação, ao invés de pensar com a maioria do Estado, não poderia constituir delito entre gente que lutava pela Constituição, que era a própria garantia daquele direito. A verdade, porém, é que constituía delito grave, em Santos e em qualquer outra parte do Estado, o simples discordar da Revolução. Diziam mesmo que as listas de derrotistas e traidores, que deviam ser fuzilados em caso de vitória das forças de São Paulo, eram grandes, extensas e minuciosas (na explanação da culpa de cada um).

Fique, para sempre, na consciência dos que praticaram tais atos - espionagem, denúncias, delações, organização de listas e outros - a vergonha e o remorso de assim terem agido, e às autoridades de então, a culpa, a mesma vergonha e o mesmo remorso de terem descido ao apoio a tais misérias, e a punição do delito de pensamento e livre arbítrio em causa interna, contra cidadãos ao abrigo do mesmo Direito e da mesma Constituição.

Isto, entretanto, como falha e fraqueza individual ou coletiva, não é e não foi bastante para desmerecer e empalidecer as grandes páginas da Revolução de 1932.

Continuemos.