QUARTA PARTE - TRABALHOS DE MARTIM FRANCISCO
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Viagem mineralógica na Província de S. Paulo
por José Bonifácio de Andrada e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrada em 1820
A 23 de março de 1820 partimos da vila de Santos situada na ilha de S.
Vicente, província de S. Paulo, na costa do Brasil.
Esta vila foi fundada dois anos depois da de S. Vicente, antiga capital da
província, e o primeiro estabelecimento de todo o Brasil.
A ilha, na sua parte montuosa (cujo ponto mais elevado é o chamado de
Monserrate), é composta de gnaisse, que passa muitas vezes ao verdadeiro granito, e outras vezes ao sienito
de Werner, quando a hornblenda é mais abundante. Sobre este gnaisse aparece de vez em quando o xisto argiloso primitivo,
que se transforma em algumas partes em mica-xisto.
Observamos a pouca distância de Monserrate uma massa solitária de rocha,
despegada daquele monte, que em partes era cor de cinza, e em outras amarela, assaz decomposta e fendida de hornstein ou petrosilex, e
tendo quase nove braças de comprido, três de alto e duas e meia de largura, formando um paralelepípedo irregular. Os habitantes lhe chamam a
pedra da feiticeira. O resto do terreno da ilha é plano, de tripla formação aluvial, composta de argila, areia
e seixos rolados, maiores e menores.
Embarcando-nos em uma canoa chegamos ao porto ou cais do
Cubatão, dirigindo-nos para Sudoeste, primeiramente por uma corrente de água salgada e doce, que atravessa o
mato virgem. Do Cubatão, que se deixa à direita do rio de água doce, vai-se até ao pé da grande serra de Paranapiacaba ou de S. Paulo, por uma
planície que corta a ribeira chamada das Pedras, a qual se precipita dos mesmos montes por uma grande quebrada.
Esta corrente arrasta no seu curso muitos seixos rolados e é
sujeita a grandes inundações quando chove sobre o pendio dos montes ou na chapada em que nasce. Observamos nesta planície, até à superfície
do terreno, gnaisse mui decomposto, o qual passa algumas vezes a mica-xisto e a xisto argiloso primitivo que, tintos pelo
ferro, decompostos pelas águas ou meteoros, e mais ou menos transportados, formam o que os portugueses chamam piçarrão ou banco
superficial e triplo.
Este piçarrão compõe o cume estreito do monte, por onde se dirige o
caminho que conduz ao cimo. A rocha primitiva é atravessada, de vez em quando, por veios de quartzo branco, dos quais
alguns têm uma mão travessa de largo, porém a maior parte são mais pequenos. Depois de descer o cume do monte, continua a mesma formação, até que se
chega a uma planície de areia quartzosa branca, de grãos mais ou menos grossos, que parece proceder da decomposição do grés, sobre que
assenta.
Esta planície é regada por vários ribeiros que, por não terem declívio, e
por causa das enchentes ocasionadas pelas chuvas, formam charcos cheios de muitos bancos de ótima turfa negra, mui grossos, de que os
habitantes não se servem porque não conhecem o seu uso, e também pela abundância de lenhas. Este grés decomposto é misturado com argila
ferruginosa e mica em lâminas muitas vezes de mais de uma polegada de grossura, forma um piçarrão arroxeado ou vermelho,
entresachado de piçarra mais fina de cor branca. Em uma ou duas destas camadas, onde o caminho se baixa mais, observamos pequenos depósitos
de areia fina aglomerada, que provavelmente aumenta à proporção que se afastam da superfície. Não os examinamos para ver se continham ouro em
pó, porque não tínhamos bateia.
Deste terreno, que forma diversas ondulações, se levantam pequenas
protuberâncias de grunstein e de rocha globosa de Werner, de que não pudemos observar a posição por causa dos obstáculos dos bosques e
do terreno que os cobrem. Servem-se destas rochas para calçar as estradas. Esta formação de piçarra continua mais ou menos até S. Paulo,
variando de grau e cor, como acontece em semelhantes casos aos bancos de turfa.
Pernoitamos na pousada chamada Ponte Alta, que valia mais chamar Ponto
Alto, visto que o seu nível excede em altura ao do mesmo cume da montanha. Saindo desta pousada, o terreno é montanhoso e retalhado em pequenos
vales. A 24 continuamos o caminho no lugar chamado Borda do Campo. O aspecto do país, no espaço de três léguas, é muito agradável.
O terreno é por toda a parte desigual e regado por diversos ribeirões de
água clara, com moitas de árvores que formam outros tantos bosques, às vezes mais extensos, que cobrem as alturas próximas dos mesmos ribeiros.
Chegados a S. Paulo, demoramo-nos até 5 de abril, empregando todo este
tempo em exames mineralógicos nos arredores.
Na encosta do monte que conduz do Convento do Carmo para o rio Tamandatahy
(N.E.: atual Tamanduateí), antes que se
tivesse cortado o terreno para edificar casas, os rapazes da cidade apanhavam ouro de um barranco que as enxurradas fizeram; e é provável que esta
formação se prolongue por toda a encosta, sobre que está edificada a cidade. As ruas são pela maior parte calçadas com mina de ferro argiloso,
de cor branca, tirando para o vermelho sangue de boi que se extrai na vizinhança de Santo Amaro.
Esta mina de ferro é assaz rica e merece mais de ser aproveitada do que
muitas outras da mesma espécie que com vantagem se fundam na Europa. Descendo do Convento do Carmo para o lado que vai para o rio Tamandatahy,
observamos por baixo da terra vegetal um banco de pedra de areia grosseira, disposto em camadas delgadas, e por cima uma piçarra,
parte arroxeada e parte vermelha, contendo debaixo dela uma camada de bolo, ora branco, ora arroxeado.
Este terreno é sujeito a desmoronamentos, que ameaçam destruir o Convento
do Carmo. Descendo o monte, entra-se em um grande vale ou planície, que atravessa o Tamandatahy e depois o Tieté
(N.E.: atual Tietê), com o qual o primeiro se
mistura. Esta planície é da mesma natureza argilocracia e turfosa, nas margens e proximidade dos rios.
Na excursão que fizemos, passando a ponte do Tieté até a colina em que
está situada a Fazenda de Santa Anna, antiga propriedade dos jesuítas (e que presentemente é do domínio nacional), a primeira coisa que atraiu a
nossa atenção foi o miserável estado em que se acham os rios Tamandatahy e Tieté, sem margens nem leitos fixos, e sangrados em toda a parte por
sarjetas, que formam lagos que inundam esta bela e pitoresca planície.
Desde que começamos a ladeira acima mencionada, observamos que se compunha
de mina de ferro argiloso, de cor sangue de boi, mais ou menos escuro e compacto, misturado com grãos de quartzo. Fizemos outra
excursão à freguesia de Santo Amaro. Este lugar está situado de modo que é aformoseado pela mais agradável variedade de arvoredos, campos e pomares,
através dos quais correm rios de cristalinas águas. Saindo da cidade para Santo Amaro continua a mesma formação.
No declívio das serras já se vê o cascalho que promete ouro; porém,
sendo examinado, achou-se não conter. Este cascalho é de cor cinzenta por cima, que torna-se mais escuro à proporção que se desce, e é
composto de calhaus quartzosos, empastados com argila ferruginosa. As alturas e encostas circunvizinhas são quase todas formadas de
minas de ferro que pouco diferem das do sítio chamado Tatepa, onde o mineral é bastante puro e abundante. Houve antigamente pequenas forjas
do outro lado do Rio Pinheiro, de que ainda existem vestígios.
Este rio, chamado dos Pinheiros, pode facilmente ser navegável. É pena que
esteja assim abandonado, quando podia prestar grandes serviços à indústria e ao comércio a sua navegação.
A 6, deixamos a cidade de S. Paulo e partimos para ver os montes e as
minas de ouro existentes no Jaraguá. A superfície do terreno é a mesma até quase um quarto de légua da cidade, onde, depois de uma ladeira, torna a
aparecer a mesma mina de ferro já descrita, a qual continua a seguir as eminências da outra margem, até passar o Tieté. O rio neste lugar
corre encaixado, e com bastante água. Logo que se tem subido às alturas que formam a serra anterior à do Japy, o terreno é coberto por pequenas
descidas de ervagens, que muitas vezes não têm saída, e apresentam como espécie de bacias.
Em algumas partes achamos grandes fragmentos solitários de granito,
de grão médio, misturado de mica-negra, que à primeira vista se assemelha à hornblenda. Aproximamo-nos da Fazenda de Jaraguá e subindo
o caminho que conduz aos edifícios, acha-se o senahito vermelho-escuro, que passa a manganês. Esta formação ferruginosa é mui
fendilhada nos seus bancos e coberta na sua extremidade de piçarra cor de sangue de boi. Em maior altura aparecem as camadas de grés
branco, de grão fino, que parece poder servir para pedras de amolar, ou também para fornos de fundir ferro.
Igualmente se acha o grés mais ou menos vermelho, e grão mais
grosso. Estas camadas de grés são cortadas por betas de quartzo comum, que na superfície não mostra indício algum de mineral.
Sobre a camada de grés pousa a formação aurífera de uma das minas mais ricas de Jaraguá, que segundo nos parece, provém da decomposição dos
minerais de ferro aurífero e que formam uma espécie de cascalho que os trabalhadores aproveitam, e lavam, não sem grande perda de ouro, pelo
seu mau método de apuração.
Mais abaixo, e para um lado, há outra mina de ouro, mas o seu cascalho
é mais miúdo. É formado de seixos brancos, de grés e de quartzo misturados com pequena quantidade de fragmentos de mina de
ferro, de um a dois palmos de grossura. Este cascalho é coberto de uma camada de terra argilo-ferruginosa, que tem quase duas
braças e meia de grossura, e que é preciso desmontar para poder aproveitar o cascalho. Acontece, porém, que este cascalho, como a
piçarra inferior sobre que assenta, contém pouco ouro. Dois palmos cúbicos, apurados pela bateia, deram apenas duas ou três fagulhas de ouro,
sem depor cor, como a mina já descrita. Por um erro muito ordinário no Brasil, os mineiros não procuravam a segunda camada de cascalho
inferior. Mostramos-lhes quanto erradamente se persuadem que é estéril. Mostramos-lhes quanto se enganavam, porquanto, por uma fenda que cortava
este segundo cascalho, fizemos tirar uma porção que, experimentada na bateia, mostrou conter mais ouro do que a primeira. Todos os trabalhos
destas duas minas de desmonte, tanto na lavra, como na apuração, são mui imperfeitas, e sem conhecimento algum de montanhistas.
Os montes de Jaraguá estão encaixados entre a serra do Japy e a serra do
Mar ou de Paranapiacaba, que lhe é paralela. Estão separadas pelo grande vale, em que serpenteiam nos arredores de S. Paulo o Tamandatahy e o Tieté.
Cumpre notar que a vertente principal da grande serra marítima é escarpada e íngreme, ao mesmo tempo que a ocidental é doce e extensa, de sorte que
este vale está a mais oito léguas do cume da montanha, e que o vale que separa as duas serras só tem cem ou duzentas braças de nível, inferior ao
pico ou cume, pelo que a serra do Japy, cuja largura monta a quase oito léguas até o vale de Itu, vem a ter um nível mais elevado que o da serra do
Mar. Para atravessar os montes do Jaraguá o declívio é de altura média, doce e fácil.
A direção que tomamos para ir da cidade de S. Paulo a Jaraguá foi a
princípio quase a Leste, e depois a Leste-Nordeste. Pernoitamos esta noite na fazenda de Jaraguá, e no dia seguinte, 7, fomos visitar as antigas
minas de ouro, conhecidas com os nomes de Quebra-pedra, Carapucuhu, Santa Fé, Ribeirão de Samambaia e Itahy. Saindo do Jaraguá trepamos um monte
escarpado, cuja direção é quase ao Norte. Depois de o descer do lado do rio que o banha, observamos dois veios de quartzo, um de cor
cinzenta, outro puxando mais para o branco, com manchas ferruginosas, dirigindo-se ambos para Leste. Pedaços destes veios, examinados com a lente,
pareceram conter pequenas parcelas de ouro, e sem dúvida alguma merecem ser melhor examinados. Deixando aqueles lugares, observamos em um outro
morro uma formação de mina de ferro argiloso vermelho, como a de Jaraguá.
Fomos ver as antigas de Quebra-pedra, que não são mais o que aqui se chama
guapiara, isto é, cascalho superficial, que segue a irregularidade do terreno.
Estas guapiaras compõem-se de cascalho de quartzo e
de pedra de mineral de ferro argiloso, empastados em argila ferruginosa vermelha. As partes do cascalho, que ainda restam e a
piçarra superior, que os antigos mineiros não souberam aproveitar, têm mostras de ouro. As antigas minas não se estendem sem mui freqüentes
interrupções. Passamos dali à antiga mina de Carapucuhu, que era trabalhada a talho aberto, para poder aproveitar uma cinta, ou veio, que era
aurífero.
Esta abertura atravessa uma grande altura, até o nível do vale. A cinta,
ou veio, é de quartzo mui fendilhado e ferruginoso, e está intacta, no fundo, e na sua continuação dos lados. Quase na extremidade da
abertura, há poucos anos, um habitante de S. Paulo empreendeu outra exploração, e tirou bastante ouro, mas por não ter dado suficiente talude à
cata, os lados se desmoronaram e mataram três escravos. O dono desanimou e abandonou a mina. Examinamos a areia superior da base da mina, e
achamos que dava bom ouro. O mesmo resultado deu a areia de um pequeno rego, quase entupido, porque escorriam as águas da mina para um
ribeiro que corre no pequeno vale. Em outro lugar daquele vale se principiou outra exploração, que pela sua direção parecia querer sondar a
prolongação da via aurífera já conhecida.
Dali, tomando à direita, fomos visitar as antigas minas de Santa-Fé, que
segundo uma constante tradição passam por terem sido muito ricas. São de guapiaras, e o seu cascalho é como o de Quebra-pedra.
Ensaiamos um veio intacto, e o seu cascalho e a piçarra, ambos deram sinais de ouro. Esta formação é cortada por pequenos veios de
quartzo, mais ou menos brancos e manchados, de ocre, que provavelmente enriquecem a guapiara. O cascalho é composto de
fragmentos argilosos de quartzo, e mineral de ferro argiloso, que os mineiros chamam pedra de ganga. A piçarra é
vermelha sangue de boi.
Tomamos depois o novo caminho que conduz a Itu. Chegamos à corrente de
Samambaia, da qual ambas as margens foram em outro tempo lavradas com água por cima. Ensaiamos a areia do seu leito, e posto que esta
areia fosse superficial, e aquele leito muito entulhado, obtivemos boa pinta de ouro. Aquela corrente, assim como as suas margens, e as
guapiaras, que lhe estão próximas, prometem fácil e produtivo resultado, visto não haver obstáculos a vencer para mudar o curso do rio e
preparar o terreno. Demais, toda a corrente tem extensão bastante para grandes trabalhos.
Prosseguindo o caminho, chegamos ao belo ribeiro de Itahy, e sem nos
demorar examinamos as antigas minas que se acham por todo ele, e contentamo-nos de ensaiar sua areia, que nos deu pouco ouro. Conviria
contudo examiná-lo até o centro. A base sobre que pousam as minas de Quebra-pedra e Santa-Fé é de grés, mais ou menos branco e ferruginoso, e
notamos que quando a formação aurífera continha mais mina de ferro, o ouro era mais fino e mais abundante do que quando continha mais calhaus de
quartzo.
Dali, atravessando alguns ribeiros e alguns veios de formação análoga às
de que temos falado, chegamos à ponte do rio Juquiry. Perto da ponte vê-se algum pouco de xisto-micácio misturado com pequenas parcelas de
quartzo branco.
A noite nos embaraçou de prosseguir as observações, e a devíamos passar na
fazenda do Japy, que é do nosso amigo coronel Antonio Leite. O rio Juquiry, segundo dizem, é todo aurífero. O aspecto do país até aqui é em geral
mais ou menos montanhoso, com cumes redondos e oblongos, com pequenos vales, regados por veias de excelentes águas. No dia seguinte, 8, ficamos na
fazenda do Japy, para percorrermos os arredores.
Esta fazenda teve muitas e boas minas de ouro, que estão presentemente
abandonadas. Notamos duas formações auríferas, uma de cascalho branco em piçarra argilosa da mesma cor, e a outra que é comum às
minas, que temos descrito, em fragmentos de guapiaras.
A primeira é perto das casas e não parece ser extensa. O cascalho
aurífero se acha a poucos palmos abaixo da camada de terra, mais ou menos vegetal, e forma camadas horizontais de calhaus brancos rolados,
com quartzo empastado com argila branca e saponácea. O cascalho examinado deu uma boa pinta de ouro, o que também deu a
piçarra branca, ou entulho, que os antigos mineiros desprezaram, porque o não examinaram, posto que seja mais rica de ouro do que o mesmo
cascalho. Esta formação tem a singularidade de não conter esmeril, isto é, na língua dos mineiros do Brasil, de mina de ferro magnético,
que sempre acompanha o ouro de lavagem. Esta exploração podia ser continuada, e dar grandes lucros, se tivesse bons mineiros, hábeis em extrair o
mineral, e a separá-lo, se resolvessem a amalgamar o resíduo aurífero areento com o mercúrio, e não o apurar com a bateia como se costuma, com o que
se perde grande quantidade de ouro mais fino, ou polme.
Deste lugar nos dirigimos através de uma planície, que noutro tempo foi
cavada pelos mineiros para um ribeiro, onde por meio de bateia em dois diferentes lugares achamos boa pinta de ouro. Podia ser proveitosamente
utilizada, e é provável que no leito do ribeiro haja boas camadas. Foi-nos dito que as minas chamadas do Palmital, que estão deste lado, na direção
das montanhas, tinham dado antigamente muito ouro graúdo, não falando do ouro em pó fino, que se perdia pelo mau método de apuração.
Daqui fomos examinar um socavão, a talho aberto, que à maior altura
do desmonte tinha quase três braças, até chegar ao cascalho. O cascalho era de calhaus, ou seixos de quartzo
cinzento, mais ou menos ferruginoso, empastado com ocre vermelho de ferro, que pousavam na piçarra vermelha. Experimentamos com a
bateia o cascalho e a piçarra, e ambos deram sinais de ouro, e merecem ser aproveitados.
De tarde retrocedemos até a ponte de Juquiry, atrás mencionada. Examinamos
no princípio da estrada nova de Itu um cascalho de guapiara, que tem o seu jazigo ao longo de um monte, e dá esperanças de ter ouro. A 9,
partimos do sítio de Japy, e seguindo a estrada de Itu, muito antes de chegar às minas chamadas do Caetano, tomamos à direita, subimos a primeira
ladeira, e descendo a segunda chegamos a um ribeiro, cuja corrente segue a direção do caminho, cortando bancos de xisto argiloso. Tendo-o
examinado em diversos lugares, achamos sinais de ouro.
Retrocedendo para a estrada, por algum tempo a seguimos, e depois tornamos
a tomar à direita, para ver um ribeiro que também nos deu boa pinta de ouro. Este ribeiro corre por um vale e promete ter no seu leito boas camadas,
e merece observar-se. Corre para a banda de Jaraguá, e tem nas duas margens guapiaras vermelhas, que mostram muitos indícios de ferro
argiloso.
No lugar em que examinamos o cascalho, nos deu boa pinta de ouro.
Contou-se-nos que os escravos do sítio próximo de d. Maria Leite tiravam dantes, ouro, tanto do seu leito, como das margens. Daquele sítio nos
dirigimos para a vila de Parnahyba, e seguindo algumas veredas escarpadas, onde não descobrimos mostras ou indícios de formação de ouro, que
merecessem mais exame, chegamos a um outeiro, que se pega a outro chamado Vacanga, em que achamos minerais de ferro vermelho, muito compactos e
pesados. O outeiro que se segue é inteiramente composto de camadas ou bancos de xisto argiloso primitivo, que passa ao xisto-micácio.
Sobre o xisto argiloso se estende uma formação de grés.
Depois de descer a encosta para a banda do rio Tieté, se começa a ver uma
espécie de piçarra vermelha, e nas quebradas vizinhas restos de antigas minas de ouro. A constante tradição diz que foram trabalhadas pelos
habitantes de Parnahyba. Passamos o rio por uma boa ponte de madeira, e fomos dormir à vila. A 12, partimos na direção do Noroeste, com a intenção
de examinar a famosa colina de Ventucararú e seus arredores. Passamos a ponte do Tieté, e subindo os primeiros outeiros achamos cascalho
vermelho em um ribeiro, que deságua no Tieté.
Não nos deu sinal de ouro. Continuando a subir e descer as colinas,
chegamos a outro ribeiro, que também não nos deu ouro.
Continuando as mesmas subidas e descidas, chegamos a um terceiro ribeiro,
que rolava sobre cascalho cinzento, que nos deu boa pinta de ouro, pois que, por falta de alavancas e pás, não pudemos fazer as indagações ou
pesquisas que desejávamos. Este ribeiro, o antecedente e os outros, formam a corrente do Jaguary, que deságua no Juquiry, perto da fazenda do bispo
de S. Paulo. O Jaguary, se nos referirmos às notícias que se nos deram, e aos trabalhos feitos em vários pontos do seu curso, antes da sua junção
com o Juquyiry, é todo aurífero. Do mesmo modo o é também o Juquiry. Pode-se fazer navegável todo ele, tanto antes como depois da sua junção com o
rio Mirim, que desemboca no Tieté.
Prosseguindo o nosso caminho, chegamos ao quarto barranco, ou ribeiro,
cujo leito e suas margens já foram pesquisados e deram muito ouro.
A chuva embaraçou que pesquisássemos outros ribeiros que atravessamos e
desembocam no Jaguary. O nosso condutor nos certificou que havendo pesquisado seu irmão um deles, achara não só ouro, mas igualmente um metal branco
em grãos como o chumbo de munição, que supôs ser prata, e que julgamos ser alguns desses metais novos que acompanham a platina.
O que é tanto mais para supor, como cremos, porque há platina não só no
distrito de Minas Gerais como também na província de S. Paulo, de que possuímos boas amostras, e no Real Museu da Ajuda (em Portugal) havia amostras
de platina, achadas no rio Tieté (São Paulo).
Cumpre-nos notar que a maior parte do esmeril dos cascalhos
e piçarras auríferas de todos os lugares, que desde S. Paulo observamos em vários veios quartzosos, principalmente nos de cor
cinzenta, que cortam o grés e a piçarra superior, e finalmente nos bancos de xisto argiloso e micácio, que formam a
ossada das diferentes montanhas da serra do Japy, sempre achamos um metal branco em diminutas partículas, mui difícil de separar do esmeril
aurífero pela bateia, atenta a sua igual gravidade específica.
Ensaiando aquelas partículas com ácido nítrico, não se dissolveram. Será o
iridium puro, ou osmiuro de iridium, que parece ordinariamente acompanhar o esmeril aurífero, e que observamos também na
mina de ouro de lavagem da Adiça (em Portugal)?
Tínhamos notado aquele metal no esmeril aurífero daquela mina que
descrevemos e fizemos lavrar na costa oposta a Lisboa, do outro lado do Tejo, como se pode ver nas memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa.
Todos os terrenos à roda do Parnahyba formam uma continuação de elevações
e de colinas, mais ou menos altas e cônicas, separadas por pequenas quebradas e vales. No meio daqueles vales e outeiros, ao longo dos ribeiros e
onde as matas são mais bastas, está a vila do Parnahyba, situada sobre a margem esquerda do Tieté. Esta vila situada quase no centro de um vasto
distrito aurífero, entre as minas do Jaraguá, Japy, Penunduba, Monserrate, Aberta, Boturema, Piedade, Pirapora, e outras mais, é muito própria para
se formar um centro metalúrgico, e estabelecer uma administração geral.
Afora o ouro, podiam-se extrair abundantes minerais de ferro hemático,
vermelho e branco, excelente ferro magnético, da rica mina de Pirapora, e é provável que entre os muitos veios quartzosos que cortam
os seus contornos se achem alguns que encerrem metais úteis. Depois de termos assistido aos ofícios da Semana Santa, saímos da vila para visitar os
lugares de Pirapora e Boturema. Partimos para Pirapora sábado de Aleluia, e experimentamos com sinais de ouro o Itahymirim e outro mais pequeno, que
não tem nome, mas que pode ser conhecido por uma mata de jacarandás, situada na vertente da colina de Boturema.
Chegados à capela do Bom Jesus, tornamos a encontrar o Tieté, onde
pesquisamos e não deu vestígios de ouro, talvez por causa da enchente do rio, que não permite tirar a areia do seu leito. Antes de chegar à
igreja encontramos muitos pedaços de excelente mineral de ferro, cor de sangue de boi e vermelho, que pousa sobre bancos de grés, tanto de
grão fino como grosso, com o qual talvez alterna.
Dali fomos examinar um cume todo formado de ferro magnético espesso
e pesado, que está às vezes coberto de ocre de ferro vermelho, com as cavidades cheias de manganês negro e escamoso. Parece que a
natureza apresentou à vista estes dois minerais de ferro, para convidar a estabelecer fundições, para o que dá todos os preciosos materiais. Ali se
acham, para construção de fornos, excelentes xistos argilosos e hornblêndicos, que alternam entre si, e ótimo grés de que se
compõem todos os cumes e vertentes dos montes circunvizinhos.
Também tem para fundente ou castilha, boa perda calcárea,
grossa, cinzenta, que alterna com o xisto argiloso. Esta formação calcárea, se ela não é primitiva, é pelo menos de muito antiga
transição. Para combustível há suficientes lenhas por onde passamos e outras que avistamos em ambos os lados do Tieté. Aquelas fundições, que quanto
antes se deviam estabelecer, teriam a vantagem de não distarem de S. Paulo senão sete léguas, por terra, ao passo que as de S. João de Ipanema,
perto de Sorocaba, distam mais de 19.
Outra vantagem que podia ter a nova fábrica seria a de embarcar o ferro e
transportá-lo pelo Tieté até perto de S. Paulo, logo que se desfizesse um pequeno salto, chamado de Itapeba defronte de Parnahyba, ou fizesse um
pequeno canal de rodeio, em uma das suas margens. Do Tieté se pode entrar no Tamandatahy, que conduz até S. Paulo, ou tomar o rio dos Pinheiros,
chamado depois Rio Grande, subi-lo e ir desembarcar não longe do pico da montanha e passar dali, só por terra, para o Cubatão, e embarcar de novo
para Santos.
Depois de pesquisar os minerais de ferro e as rochas daquele sítio de
Pirapora, fomos ver as antigas minas de Boturema, mas só achamos algumas aberturas e antigos entulhos, que experimentamos com a bateia, e não deram
indício de ouro. Não nos espantamos. Aquelas minas, segundo a tradição, não eram de lavagem mas de simples beta. Voltamos de Boturema para a
vila, e a meio quarto de légua antes de chegar examinamos um banco de pedra calcárea, que é da mesma formação que a de Pirapora e que está
nas terras do vigário de Parnahyba, chamado José Gonçalves, de que faz cal em um pequeno forno mal construído.
Deixamos de todo Parnahyba a 3 de abril, às 10 horas da manhã, e seguindo
a estrada de Pirapora quase três quartos de légua, tomamos à direita para ver o sítio chamado Porto Geral, onde passamos em canoa o Tieté. O rio
aqui alarga-se muito. As margens pouco altas são desprovidas de espessas matas, o que as torna muito agradáveis.
É para lastimar que não haja uma ponte para comodidade dos habitantes que
vêm de Itu e seus arredores. Desde que se passou o Tieté, entrando na estrada, vêem-se à esquerda as antigas minas de desmonte e de cascalho,
a qual na parte em que se não mexeu tem a grossura de quase três braças. O cascalho ensaiado com a bateia deu boa pinta de ouro. Seria tanto
mais fácil aproveitar aquela formação, por não ser quase necessário desmonte, que o cascalho que é graúdo, pode ser trabalhado a seco, sem
água por cima. O cascalho parece estender-se para ambos os lados e ao longo do Tieté. Há fragmentos de argila saponácea misturada com
alguma areia.
Prosseguindo o caminho, a menos de um quarto de légua, atravessamos três
pequenos ribeiros, que nascem em uma pequena serra à esquerda. A areia de um deles, experimentada com a bateia, mostrou algum ouro. No lugar
chamado Cachoeira fomos ver onde o rio de Penunduba desemboca no Tieté. Mais adiante toma o nome de Jerubahuba. Nasce na montanha de Curubanda.
Reúne-se a outro ribeiro que vem do lugar chamado Sítio Velho. Rodeamo-lo na direção de Penunduba, onde antes de chegar achamos um veio que segue a
estrada de Itu, e cujo cascalho deu indícios de ouro. Passamos a noite na fazenda de Penunduba.
Na madrugada de 4 de abril ensaiamos com a bateia alguns lugares das
margens do Penunduba, que deram boas amostras de ouro. Dali fomos ao salto, que o vigário de Parnahyba tentou quebrar, e que não acabou, deixando
intacta quase uma braça.
A rocha do salto é de gnaisse que já passa ao granito. Por
causa da sua estratificação, e dos repetidos veios que tem, seria facilmente aberto e nivelado inteiramente se tivesse trabalhado com a cunha e
martelo dos mineiros, e nas partes mais sólidas com a broca. Teria valido mais que o vigário tivesse cavado um leito lateral por onde caminhasse o
ribeiro, ficando em seco o salto, facilitar-se-ia muito o trabalho. Quatro mineiros hábeis seriam suficientes para em poucos dias desviar o ribeiro.
Nas planícies que cercam o ribeiro pesquisamos diversas vezes e tivemos
indícios de ouro e ajustamos que se preparasse tudo para novos ensaios que projetávamos na volta de Monserrate que é preciso não confundir com o
monte de Monserrate na ilha de S. Vicente, de que falamos no princípio destas viagens.
No dia seguinte fomos ver uma antiga mina que consiste em cascalho,
ora cinzento, ora branco, e piçarra vermelha, que deu alguns indícios de ouro. O cascalho é profundo, ainda que não tão grosso como o
do Porto Geral. Deixando esta mina, tomamos à esquerda e chegamos no sítio de Vaturante, em cujas vizinhanças se ajustam os dois ribeiros de
Guanguassú e de Jundiuvira, que com o nome deste último se misturam no Tieté.
Deste sítio, através de matas virgens, fomos ver a queda de Guaiahú, que
desce das montanhas que dividem os dois distritos de Parnahyba e Jundiahy. Esta queda ou salto é considerável e tem mais de três braças de altura.
Se se quiser quebrar convém abrir um canal de derivação à direita, mais alto do que o que se começou, que, rodando a vertente direita da montanha,
vá acabar abaixo do salto. A rocha é de xisto argiloso, com muito quartzo. Dali, através de outros matos virgens, chegamos com grande
rodeio a um pequeno fosso que sem dúvida foi abandonado, porque se não achou ouro. As areias do leito do Guaiahú também o não deram.
Deste lugar, depois de novos rodeios, chegamos ao lugar Monserrate.
Enquanto nos demoramos em Monserrate, nos ocupamos em alguns ensaios no lugar chamado Aguda, um pouco acima da povoação e em outro lugar do caminho
perto do ribeiro. O primeiro deu-nos boa pinta de ouro, o segundo não deu tanto. Porém, mais acima, experimentamos um cascalho, que é o resto
e a continuação das famosas minas de outro tempo. A parte superior deu pouco, mas a inferior deu mais; aquela é vermelha, a segunda branca, assim
como a piçarra.
Continuamos o nosso caminho para o barranco da Lavagem, necessitando abrir
caminho através do mato. No princípio do caminho pesquisamos alguns riachos que desembocam no ribeiro, um dos quais deu mostras de ouro. Subindo a
colina, chegamos ao barranco da Lavagem, espécie de canal, que parece ter sido feito artificialmente e encaixado entre dois muros levantados sem
argamassa. As margens foram em outro tempo exploradas. Passando-as, chegamos a um lugar em que se reúnem outros três ribeiros igualmente contidos em
muros de pedra ensossa. Deixando os dois da direita, fomos ao da esquerda, onde antigamente se tirou ouro. Aqueles ribeiros nascem na serra de
Cururendava, que divide as águas que passamos das da fazenda do Japy.
A sua vertente do lado de Monserrate, sendo muito aurífera, como vimos, é
provável que o seu cume e a sua vertente da banda do Japy igualmente o sejam, visto ser a mesma formação. A antiguidade daqueles trabalhos nos
parece demonstrada, pelo modo por que os regos estão abertos e encaixados, pela direção das lavras, direção agora desconhecida na Província, e pelas
derrubadas que se fizeram naquelas antigas minas, derrubadas presentemente muito altas, e que se assemelham a matos virgens.
Descemos dali, seguindo o canal até onde se reúnem os ribeiros, passados
os quais vimos à direita um fosso no monte, de mais de três braças de comprido, sobre duas de largura, pelo qual se entrava antigamente em um veio
de quartzo, que corta o xisto argiloso.
Tendo examinado os arredores de Monserrate, voltamos para Penunduba, ver a
cata que tínhamos mandado fazer. O desmonte era de quatro palmos, e o cascalho de três, que deu suficiente pinta de ouro. O cascalho
do contorno não exige, para se aproveitar, que o ribeiro se cave, visto terem as cavas pouca profundidade, e a planície pouca água. Dali fomos a
Jundiuvira.
Atravessando um monte escarpado e mau, principalmente da parte de
Jundiuvira, acabamos finalmente esta jornada, tanto mais trabalhosa por ser feita com a escuridão da noite, e por caminhos que se têm como
intransitáveis. No dia seguinte, 6, fomos ver um grande corte, pelo qual se quis encaminhar o Tieté, evitando assim uma grande volta, que ele faz,
para por a seco o seu leito, e explorar aquele lugar, pessimamente executado, que é muito aurífero. A idéia era boa e bem concebida, porém mal
dirigida.
Aquela abertura separa o cume do monte que rodeia o Tieté dos outros
montes que formam a serra.
Mas, erradamente, principiaram por onde deviam de acabar, isto é, pela
parte posterior, talvez porque era mais fácil o trabalho, porém depois foi se estreitando cada vez mais a passagem, de forma que, entrando na rocha
viva de uma camada de gnaisse granitoso, que tem 75 braças de largura, e só se deram à base do canal 7 1/2 palmos, e 11 na superfície, como
se o grande Tieté pudesse entrar pelo fundo de um funil e depois abrir o seu leito através da rocha dura e compacta.
Notamos um grande erro naquele trabalho: a linha de direção final faz um
ângulo quase reto com o curso do Tieté. Não nos parece contudo difícil de emendar e acabar a obra começada, empregando mineiros hábeis. As grandes
galerias deste gênero em Saxônia e Hungria são todas abertas em rochas de igual dureza, e que, demais, são subterrâneas.
Nesta excursão perlongamos a serra de Jaraguá, que se compõe de xisto
argiloso, em que em diversas partes pousa uma camada de grés. Ensaiamos um cascalho miúdo, de piçarra vermelha, que não
obstante a sua miudeza, nos deu algumas parcelas de ouro. Dois regatos nos deram o mesmo resultado, principalmente um, cujos seixos eram
maiores. Todos aqueles ribeiros, suas margens, seus arredores, assim como as vertentes da montanha, deviam ser pesquisados melhor, e sentimos não
ter tempo para isso.
Dirigimo-nos depois a um engenho situado a uma légua de Jundiuvira. Nesta
estrada vimos vários bancos de grés, que cortam o caminho, e há pouca distância da habitação dois grandes veios de grunstein cinzento,
manchado de verde, de grão fino e compacto, que atravessam os bancos de grés. Os sítios por onde caminhamos, estes dois dias, são muito
despovoados, e não se acham nem casas, nem outra qualquer morada. O terreno quase todo não permite cultura.
A 7 de abril deixamos o engenho e tomamos a direção de Itu, por um caminho
que há pouca distância se separa em dois, e tomando o da esquerda atravessamos uma ponte, há pouco mais de uma légua do Tieté, mas mal construída e
menos forte que a de Parnahyba. Até ali, a rocha é o mesmo gnaisse granítico, que à primeira vista se assemelha ao grunstein, pelo
grão e cor. Seguimos o caminho até subir toda a serra do Japy, de que avaliamos a distância ser de sete ou oito léguas, desde Jaraguá até o lugar
onduloso e desigual em que está situada a vila de Itu, a qual separa, com o vale em que corre o Tieté, a serra do Japy, e a serra mais baixa de
Pirapora, que parecem correr entre si paralelas, e com a do Mar ou Paranapiacaba. Antes de descer da montanha para as colinas achamos algumas
porções de cascalho que merecem ser examinadas, porém a falta de água nos privou de usar de bateia.
Nas colinas, há pouca distância, aparecem novos cascalhos,
principalmente do lado do ribeiro de Pirapitinguy, e na subida do caminho da vila.
Desde a ponte do Tieté, a cada passo se acham veios de quartzo
branco, e algumas vezes xisto argiloso em grandes camadas, que serve para lajear as casas.
Partindo do engenho, vimos ser mais habitado o terreno, ter mais cultura,
e ao mesmo tempo não pudemos deixar de sentir a falta de bosques. Pernoitamos dois dias em Itu e a 10 de abril voltamos a examinar as minas que
havíamos deixado atrás, perto do ribeirão de Pirapitinguy, assim como outras formações de cascalho que estão situadas à esquerda perto do barranco,
que não deram nenhum sinal de ouro, à exceção de uma pequena porção de cascalho, perto de uma nascente, que nos deu uma parcela de ouro. A formação
geral de todo o terreno, até Itu, é de xisto argiloso, de aparência primitiva, em que pousa o grés, que em algumas partes passa a uma
brecha ferruginosa.
Durante os dois dias que descansamos em Itu, soubemos que alguns
habitantes desta vila preparavam uma expedição para ir comprar índios Caiapós, às hordas que habitam as margens do Paraná, vizinhas da embocadura do
Tieté. A sorte daqueles índios, assim como a dos Guarapuavas no distrito de Curitiba, merece toda a nossa atenção, para que não ajuntemos ao tráfico
vergonhoso e desumano dos desgraçados filhos da África, e ainda mais horrível, dos infelizes índios, de que usurpamos as terras, e que são livres,
não só conforme a razão, mas também pelas leis.
A 12 de abril partimos de Itu e fomos ver a grande cascata, ou salto do
Tieté. Antes de nos ocuparmos em descrever as nossas descobertas mineralógicas, diremos que o terreno em que assenta a vila de Itu é todo de
argila-silicosa, mais ou menos ferruginosa, ali chamada massapé, e que é a mais própria, principalmente a de cor violeta, cinzenta e
vermelho escuro, para a cultura das canas-de-açúcar.
A um quarto de légua da vila, no caminho da cascata, atravessa-se uma
estrada cortada por grunstein, que passa ao basalto, semelhante em cor e no grão ao que vimos em Kinacula, na Suécia.
Daqui o mesmo massapé continua até perto da cascata, onde se
principiam a ver solitários rochedos de granito; porém, chegando ao salto, o granito é contínuo e superficial.
Aí o rio se separa em três braços e faz duas ilhas, por onde passa uma
ponte mal feita e arruinada. A cascata é muito pitoresca por causa da rochas quebradas e escarpadas que formam diversas figuras, diferentes, e
curiosas vistas, pela queda do Tieté, que depois se divide em dois braços, um dos quais se precipita de mais de três braças de altura. A queda da
água continua a formar redemoinhos, e escuma até mais de 50 braças, onde o rio se ajunta e entra no seu leito.
Do lado direito tentou-se abaixar a corrente para facilitar aos peixes
poderem vencer o salto, porém não se concluiu a obra.
A direção da cascata é quase NNO a SSE. A algumas centenas de braças acima
do Tieté, do lado esquerdo, reconhecemos um sítio chamado Lavra, cujo nome nos indicou que antigamente ali se tirou cascalho, que está ao
nível do ribeiro e se entranha pelo seu leito.
O cascalho é fino e solto, composto de seixos cobertos de
quartzo e xisto argiloso, e deu suficiente sinal de ouro. Se se estender em ambos os lados do ribeiro para o interior da terra, pode ser
produtivo. O esmeril que fica no fundo da bateia é pouco magnético, mas contém muito daquele metal branco, de que já falamos, e que parece
ser iridium. Passando a cascata, e a capela de N. S. de Monserrate, que se eleva na margem direita do Tieté, o caminho para a freguesia de
Piracicaba corre de SO a NO.
Acima da subida da capela para a estrada, vê-se o grés ferruginoso,
com alguns pedaços de ferro argiloso. Na descida para os ribeiros Buiry, Atuahy, e outro sem nome, vimos nas margens, à superfície, grés
esbranquiçado. Perto de outro ribeiro, subindo para o lugar de Samambaia, vimos grunstein, que também aparece no lugar do Carneiro, duas
léguas quase distante do rio Capivary. O grés branco torna a aparecer no ribeiro das Caveiras, e no da Água-parada. Na fazenda do Rio das
Pedras notamos o xisto argiloso, em que assenta o grés ferruginoso, acima mencionado, cortados por veios de quartzo branco.
Passada a fazenda do Lumiar, e nas terras da do Taquaral, acha-se uma formação de xisto silicoso, que algumas vezes passa a pederneira.
Esta formação continua com pequena interrupção até perto da casa, onde continua com pequena alteração, e reaparecendo o grunstein de cor
preta, de grão mais ou menos grosso, passando a basalto.
Há aqui um salto de Piracicaba, e na superfície do chão aparecem pedaços
de xisto-silicoso, azul escuro e negro. O terreno de toda a estrada, além das rochas já descritas, é de massapé violeta escura e de
outras cores. Os ribeiros que o cortam são o Buiry, Atuahy, Forquilha, Capivary, das Caveiras, Água-parada e das Pedras e outros que não têm nome.
As margens do Piracicaba são perto da freguesia de S. João de Atibaia, e
as do Capivary chegam às alturas contíguas à vila de Jundiahy. Estes dois ribeiros descarregam no Tieté. Antes de chegar ao Capivary não há bosques
continuados.
A freguesia de Piracicaba se eleva em uma colina, donde por uma suave
descida se chega ao rio perto de sua queda. Não nos esqueçamos de que o rio Curimbatahy, daquela vila, tem banhos termais chamados Água Santa.
Outras águas termais se acham na colina chamada das Araras, mas a falta de caminhos e de casas faz com que não sejam freqüentadas. No salto, na
margem esquerda do ribeiro, também há uma fonte de água fria sulfúrica.
Possuímos fragmentos recolhidos na Água Santa, que estão rodeados de pedra
líquida, com pequenas parcelas de piritas ferruginosas, das margens do Curimbatahy um pedaço de pedra calcárea cor de fumo, de
estrutura xistosa, que parece formar um banco entre o xisto granwackio cor de cinza clara, de que também temos um pedaço. Finalmente,
do lugar chamado Capitão Comandante, a légua e meia distante da vila, tivemos amostras de estalactite calcárea.
Pelo que nos capacitamos que os montes e colinas da província de S. Paulo
sejam rochas primitivas. O país não é, como se diz, privado de pedra calcárea, porquanto, além dos lugares que ficam mencionados, há
excelentes mármores calcários, na ribeira de Iguape, e nos campos de Curitiba. Não tendo podido por falta de temp e maus caminhos prosseguir
as explorações até a colina de Araraquara, procuramos ter notícias exatas. Soubemos que a distância da vila até o fim dos campos de Araraquara é de
sete léquas, e que o monte forma um grande cont, que divide as águas, parte das águas desce para o rio Mogyguassú e a outra parte para o Tieté e
que, subindo-o do lado de Piracicaba, se descobrem imensas planícies que se estendem até o Mogy com insensível pendio.
Os ribeiros que nascem, uns nos campos, outros do lado do monte, e que
deságuam à direita do Tieté, são: o Jacarépipira, o Jacaréguassú que é formado dos ribeiros de Feijão, Tahiguaré-primeiro, Pinhal, Monjolinho,
Correntes, Chobarro, Ouro, Cruzes, Bajendo, Bucaiuva e do Tahiguaré-segundo. Os rios e os ribeiros que nascem do lado oposto e vão descarregar à
esquerda do Mogy são: Quilombo, Fortaleza, Cabeceiras, Rancho-queimado, Monte-Alegre e Fazenda do Amaral. O ribeiro de João Rodrigues emboca no
Paraná. Não mencionamos outros riachos pouco importantes, e não deixaremos de mencionar o Curimbatahy, que nasce ao pé daquele monte e deságua no
Piracicaba. Uma tradição antiga e constante, e alguns pontos novamente verificados, diz que aquele monte é aurífero, assim como o ribeiro das Cruzes
e Piracicaba.
Ouvimos a uma pessoa verdadeira, que os pastores do major Carlos de Arruda
Botelho, cuja fazenda é encostada ao monte de Araraquara, têm algumas vezes achado, em diversos pontos da sua extensão, folhetas de ouro, de 10 a 12
onças de peso. Igualmente ouvimos que há muito ouro e diamantes nos rios Jacarépipira e Jacaréguassú.
A 20 partimos para Itu. O caminho por que fomos atravessa um terreno
ondeado, entremeado de planícies e vales. As aberturas que se encontram são poucas e fechadas por ribeiros e barrancos, que cortando a piçarra
ou massapé mais ou menos próprias para agricultura, conforme a mistura e a cor, penetram até a rocha viva e contínua, que é de grés
mais ou menos grosso de cor branca. Chegamos a Sorocaba, vila assentada em lugar bem arejado. A seus pés corre o Sorocaba, que pode ser navegável.
Os habitantes são hospitaleiros. As mulheres são o verdadeiro tipo da
belea, como muitas outras da província, que fazem o sexo paulista citado em todo o Brasil como figura esbelta e de cor de jasmim, e, sobretudo, pela
amabilidade e bondade de seu coração e caráter.
A 21 visitamos a fábrica do Ipanema, situada nos lados do monte de
ferro, ou de Birasoyara. Extraía-se ali antigamente ouro, se se acreditar nos escritos dos jesuítas (e na obra do holandês Lund).
A rocha, que forma os lados do monte de ferro, é de grés
mais ou menos branco, coberto às vezes de uma camada de piçarra avermelhada e fácil de cavar. O monte é de granito comum, de grão ora
grosso, ora fino. Sobre o granito há o mineral de ferro magnético, no cimo da montanha. O mineral está misturado, às vezes, com mina de ferro
luzidio de Werner. É muito rico, porque, pelo ensaio, dá quase 90 por cento de ferro metálico. Entre o granito há camadas de xisto
argiloso e hornblenda comum, maciça, a que os habitantes impropriamente chamam pedra verde. Vimos também alguns pedaços de
pórfiro verde, e outros de opala comum, muito semelhantes às de Telcobania, em Hungria. Ignoramos seu jazigo, e nem pudemos indagar. Esta
opala cheia de calcedônia branca, será proveniente de algum veio que atravessa o granito?
Não descreveremos as fábricas do Ipanema, porque o fizemos em uma memória
que apresentamos à junta do novo governo de S. Paulo em 1821, e que as torna mui conhecidas. A 28 de abril partimos para S. Paulo, por caminho
diferente daquele por que fomos. Mandamos adiante os criados, pela banda da freguesia de S. Roque, onde devíamos pernoitar, e tomamos para a capela
de N. Senhora da Aparição, em cujas vizinhanças se nos disse que se achou um pedaço de pedra, que, fundida por um ourives, deu seis onças de prata.
Antes de chegar, e passado um riacho, na subida que o segue, encontramos um pequeno veio superficial, que com a bateia deu bastante esmeril,
porém nada de ouro.
Na vizinhança do riacho vimos freqüentes veios de quartzo, alguns
consideráveis. A capela da Aparição é edificada sobre um dos veios, que tem quase braça e meia de grossura, e cujos fragmentos, pisados e
examinados, não deram indício algum de metal, e ainda menos de piritas de ferro, ou de mineral de prata. Desenganados dos nossos exames,
descemos por uma estrada que tem pouco mais ou menos légua e meia, e que conduz perto do ribeiro de Nhanahiva, onde encontramos a boa estrada que
conduz para S. Roque, e continua através da freguesia da Cotia, até S. Paulo.
A pouco mais ou menos de uma légua de S. Roque, apresentou-se-nos uma
rocha de granito de grão grosso, que forma um pequeno cume. Prosseguindo o caminho, achamos uma formação de granwackio comum e
xistoso, que parece estar imediatamente no granito. Esta formação continua pela estrada que tomamos, logo depois de passar o ribeiro de
Prejebú. O granwackio passa ao xisto arenoso e ao grés mais ou menos corado, e é cortado por grande quantidade de veios de
quartzo branco e cinzento. Entre eles vimos um grande veio de stock, mineral de ferro argiloso, que passa a hematites
brancas, e a ferro espático.
A 29 partimos de S. Roque e tomamos a estrada da Cotia. Logo no princípio
dela se vêm grandes rochas nuas, de sienito granitiforme, que apresentam um aspecto porfídico, por causa dos muitos cristais de
feldspato branco que as cobrem. O grão daquele sienito insensivelmente diminui de tamanho, de forma que em diversas partes do caminho se
diria ser verdadeiro grunstein, enquanto em outras toma certa dureza, como o xisto.
Sobre o sienito há grandes massas de xistos silicosos
penetrados de veios de quartzo. Em outras partes a cor é quase preta, e tem poucos sinais de quartzo. Prosseguindo e quase no meio do
caminho das duas freguesias, vimos outra vez o granito, semelhante ao acima referido e continua por um longo espaço e perto da freguesia de
Cotia passa a gnaisse. Todo o resto do caminho está cheio de piçarra vermelha, amarela, sem formação de cascalho.
A 30 partimos da Cotia para S. Paulo, onde chegamos depois de andar sete
léguas. O caminho não apresentou mudança alguma quanto às rochas, mas é alegre principalmente na passagem do Rio dos Pinheiros, que pela sua
frescura e beleza convida os habitantes de S. Paulo a irem passear às suas margens.
Assim terminamos as nossas excursões mineralógicas da vila de Santos. -
José Bonifácio de Andrada e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrada.
Advertência final
De António Carlos, as escassas produções que nos ficaram,
constam do primeiro volume e do segundo. Neste último, vão insertos os principais trechos de seus discursos políticos
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