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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECAClique na imagem para ir à página principal desta série
Produções de Martim Francisco (1)

A história do Patriarca da Independência e sua família

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda - (volume III, páginas 499 a 506), com ortografia atualizada  e abolidas as abreviaturas que tornavam hermético o texto original :
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QUARTA PARTE - TRABALHOS DE MARTIM FRANCISCO

Parecer inédito apresentado ao Governador Franca e Horta

Como Vossa Excelência me ordena haja eu de informar cabalmente, e na mesma ordem, sobre tudo o de que faz menção o ofício nº 48, enviado pelo ilustríssimo e excelentíssimo senhor visconde de Anadia, em resposta a um de Vossa Excelência nº 26, e datado de 26-6-ano passado [1] em que acusava a remessa de vários produtos desta Capitania, os quais ofícios para o bem do dito informe me foram comunicados, assim como outros tendentes ao mesmo objeto, vou a dizer o seguinte:

§ 1º - Que o salitre fabricado por João Ferreira de Azevedo é assaz depurado, que sendo ele um sal neutro alcalino, composto de quarenta e nove partes de álcali fixo vegetal, e trinta e três de ácido nítrico, cuja base é fornecida pelos vegetais em putrefação,e o radical pelo oxigênio do ar, e o azoto que dão as substâncias animais podres, nunca pode ser extraordinário aos atos de um homem entendido na matéria, o extrair-se de terras onde tem havido iguais depósitos.

Fundados nestes princípios é que a França e outros países, onde não há nitreiras naturais, extraem muito nitro das cavalariças, currais e outros lugares desta espécie, sujeitos a se impregnarem de matérias vegetais e animais, os quais não só gozam da umidade favorável à putrefação, mas até estão abrigados das chuvas que de certo acarretariam tudo o que se formasse a não ser assim.

Quanto, porém, à quantidade que se pode armazenar anualmente esperar, e o preço por que pode sair, sou a dizer que em 1804 se obtiveram 68 @ e, em 1805, 100 @ que no primeiro ano saiu a litro a 211 réis e no segundo a 157 réis; do que se vê que as quantidades obtidas têm aumentado e o preço diminuído como deve ser, pois que, tornando-se as terras tanto mais ricas em salitre quanto mais lixiviadas são, necessariamente deve crescer por ano a quantidade dele e abaratar o preço, visto não variar o da mão da obra, nem o do transporte das terras, e mais pertences para a fábrica.

Ora, se apesar das avultadas despesa que fazem o carreto das terras, água e lenhas, se tem obtido tal porção, e por tal preço, que se não deverá esperar das nitreiras artificiais, tão recomendadas pelos químicos daquele país, que as não tem naturais, havendo a precaução de escolher um lugar conveniente para elas, apropriado para o estabelecimento da fábrica com a comodidade de ter perto água e combustível em abundância?

§ 2º - Que falando ao dito João Ferreira ele me assegurara, por ouvir dizer, que havia nitreiras naturais para as partes do rio Cipó, rio de São Francisco e Caminho das Gerais para o sertão da Bahia; o que não é de admirar, pois que todos sabem a grande quantidade de nitro vindo da Ásia, o qual é obtido de iguais nitreiras. Mr. Pallas, no 2º volume da sua Viagem, diz que os bascharis tiram dos arredores da embocadura do Vlugir no Ai uma terra mui rica em salitre, e no volume 1º diz que se acha uma capa espessa de nitro cristalizado por cima de uma pedra calcária do rio Wolga na aldeia Ketyochi. Os países dos mongóis, e do Astracam, estão cheios de salitre, segundo afirma Gmelin, e na Província de Tucuman há vastas planícies tão abundantes de salitre, que basta lixiviar a terra para obtê-lo, segundo a asserção de Salkner, na descrição da Patagônia. Porém nas nitreiras naturais das Gerais é sempre preciso examinar a riqueza das terras em salitre, porquanto, a não ser de maior consideração, cresceria demasiadamente o preço à proporção do ordinário por que costuma vender-se, atentas as grandes despesas de transporte.

§ 3º - Que o enxofre extraído por destilação das piritas marciais de Taubaté foi unicamente remetido ao Estado, com o fim de fazer ver todas as raridades da Capitania; visto que tanto as de Taubaté, examinadas por João Manço, como outras descobertas por mim nas diferentes viagens que tenho feito, se têm achado sempre em massas soltas, de pequena extensão e possança, o que nos rouba a esperança de maior e mais durável proveito, como eu declaro nos meus jornais enviados ao excelentíssimo sr. visconde de Anadia, os quais todos fazem menção, não só destes, mas também de outros muitos produtos naturais que tenho remetido. Que se as ditas piritas as acharem em abundância, seguramente não servirá de obstáculo à criação de uma fábrica a dificuldade da extração, nem a falta de combustível.

§ 4º - Que decerto, nas diversas fábricas da Europa, a extração do enxofre das piritas marciais, e de outras minas metálicas que o contêm, considera-se como operação preparatória, porquanto as piritas, depois de tirado o enxofre, tornam-se capazes de se lixiviarem com água, e de darem, mediante a evaporação, grande quantidade de sulfato de ferro (ou vitríolo verde), sal metálico de grande uso em muitas artes; e nas outras minas o é igualmente, porque sem extrair o enxofre se não podem obter separados os diversos metais que entram em sua composição; tal é o modo por que se pratica com as piritas de Schwartzenberg, na Saxônia, as do Aetensaltel, na Boêmia, e com a mina de chumbo e prata, misturada com piritas cúpreas e enxofre, de Rammelsberg, no Hartz.

§ 5º - Que o sulfato de alumina foi extraído de um xisto aluminoso pardo-escuro; este xisto acha-se sobre a chapada de uma colina, pelas faldas da qual corre o ribeirão denominado "Bom Sucesso", e em bancos assaz extensos, paralelos ao horizonte, e muito entranhados; o sabor aluminoso é mais decisivo nas camadas inferiores que nas superiores; este xisto, com o contato do ar, vem pelo decurso do tempo a perder a afinidade de agregação, esboroa-se, e reduz-se a uma terra pardacenta-escura, entre a qual se vêm eflorescências aluminosas em feixe de agulhas luzidias. Toda esta colina e seus arredores são cobertos de arvoredos; a distância destes bancos xistosos até ao Cubatão de Paranaguá pode avaliar-se em bons quatro dias de jornadas; tal é, pouco mais ou menos, a descrição feita no jornal da minha jornada até Curitiba, que também remeti ao mesmo excelentíssimo senhor e juntamente no caixão dos produtos, amostras do mencionado xisto, e uma boceta do mesmo reduzido em terra com muitas agulhas de alume.

§ 6º - Que o processo seguido por mim para obter pedra-ume consiste em deitar as terras num vaso de chumbo, ou de vidro, e ferver em três vezes seu peso d'água; feito isto, decantar esta água para outro vaso, e deixá-la em repouso por 24 horas, ou filtrá-la; depois, levar esta água a evaporar, tendo o prévio cuidado de lhe juntar 1/20 de potassa dissolvida, e quando se precipitar uma matéria branca, tirar o vaso para fora e depô-lo num lugar fresco, que contribua a adiantar a formação dos cristais de alume; enquanto a água restante tiver sabor aluminoso, deverá passar por novas evaporações. É de advertir que as terras devem ser fervidas em novas águas, até que estas saiam insípidas.que em lugar de potassa pode juntar-se ou 1/3 de urina podre, ou outro tanto de lixívia dos saboeiros, ou um pouco de cal. Pelo processo acima obtive uma porção de pedra-ume que, comparada com a das terras em exame, vem a dar 4 libras por quintal de terra, quantidade dupla da que obtém a fábrica de alume de Schwensal, na Saxônia.

§ 7º - Que em conseqüência de todo o exposto, a nossa pedra-ume poderia concorrer com a das fábricas da Itália, Suécia e Alemanha, e ser sua extração conveniente ao Estado, vendendo-se pelo mesmo preço, bem que módico, porque se vende a desses reinos. E que se deveria esperar o maior consumo dela, atendendo à sua boa qualidade, e ao grande uso que tem na tinturaria, em algumas preparações de couros, fábricas de papel, na Medicina, e em outras muitas artes.

§ 8º - Que o pouco cuidado no modo de tirar a flor do couro de boi que se remetera, a porção de azeite que ficara na pele, proveniente talvez ou da falta de um bom engenho de imprensar, ou mesmo da má qualidade do azeite, provam unicamente - 1º que se devera remeter um homem amestrado na arte de curtir peles, e senhor de todos os conhecimentos neste gênero de fabricação, hoje tão simplificados, ou instruir os curiosos que cá há; 2º que se devera empregar um azeite de boa qualidade e ter todos os demais pertences de uma semelhante oficina, que realmente se podem ter; mas não provam que se devessem exportar os couros para se curtirem no Reino; nem mesmo se pode deduzir uma tal asserção do preço demasiado por que sairiam estes, e da má qualidade da casca, que com o decurso do tempo torna os couros de sola do Rio e Pará avermelhados e esponjosos; porquanto o custo de um couro curtido à força de trabalho, sem meios, e só por efeito de indústria, é sempre maior que o curtido numa oficina regular, provida de tudo, e má qualidade de uma casca não depõe contra outras muitas de que abunda a nossa Capitania, como são a casca do angico, a cana-fístula e outras.

§ 9º - Que as barretinas conservam-se por espaço de 10 anos, e mais e sempre asseadas, o que não acontece com os chapéus que anualmente é Sua Alteza obrigado a dar à tropa, os quais, passados alguns meses, estão velhos, incapazes de se trazerem; de mais, uma barretina pode fazer-se por 1.000 réis e 10 chapéus computados a 320 réis cada um importam em 3.200. Ora, em uma desproporção tão grande de preços, e por conseguinte, de despesas, parece forte razão preferir-se a menor, por mais conveniente ao bem de Sua Alteza Real. Quanto ao feitio, pode escolher-se um que mais agrade.

§ 10º - Que as pederneiras achadas por mim no Paiol, e no Lambari, caminho de Sorocaba para Itapetininga, são em geral de cor cinzenta-escura, pasta muito fina, muito rijas, e todas semi-transparentes, como devem ser. Que havendo grande abundância delas, e encarregando-se uma pessoa capaz de as fazer, segundo as dimensões que da Corte se mandarem, é natural se possam obter por menos, uma vez que o Estado as queira, porquanto o preço costuma diminuir à proporção da continuidade do trabalho.

§ 11º - Que os bancos de xisto novacular foram achados por mim junto às margens de um córrego que corre pelas faldas do morro de ferro, distância quase três léguas de Sorocaba, que em sua composição entra uma areia muito fina, como deve ser, porque em toda a pedra argilosa e de natureza fusil [2] nunca pode deixar de haver maior ou menor quantidade de sílice; e o xisto de que se trata, se fora possível não a conter, seguramente não serviria para o fim proposto. Que as ditas pedras não foram mandadas por melhores que as do Levante, pois não têm comparação com elas, como eu digo no meu jornal de viagem por Sorocaba, mas tão somente para supri-las, atendendo à comodidade de preço, e a não sair o nosso dinheiro para fora do Reino. Eis o que posso responder sobre cada um dos parágrafos que contem o ofício número 48 do excelentíssimo senhor visconde de Anadia.

[...]


NOTAS:

[1] 1805. O Parecer é do ano de 1806 (N. do A.).

[2] Está assim no original (N. do A.).

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