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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS ANDRADAS - BIBLIOTECAClique na imagem para ir à página principal desta série
Sete de Setembro (5)

A história do Patriarca da Independência e sua família

Esta é a transcrição da obra Os Andradas, publicada em 1922 por Alberto Sousa (Typographia Piratininga, São Paulo/SP) - acervo do historiador Waldir Rueda -, volume II, com ortografia atualizada (páginas 505 a 533): 
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SEGUNDA PARTE - INDEPENDÊNCIA OU MORTE!

Capítulo I - Após o Fico (cont.)

[...]

Repercussão dos novos acontecimentos brasileiros nas Cortes portuguesas

Contudo, as Cortes de Lisboa não esmoreciam na votação de providências repressivas do movimento político que se alastrava agora pelo Brasil inteiro. Já não havia província alguma que não gravitasse para o governo do Rio, a julgarmos pelos sentimentos que seus povos manifestavam sem rebuço algum, e se essa gravitação, nalgumas, não passava ainda de uma decidida aspiração enérgica para se converter em franca realidade, é que os patriotas e seus intimoratos orientadores não tinham podido ainda lutar com vantagem contra a força portuguesa que os oprimia.

Depois de conhecido o texto da representação dirigida ao príncipe pela Junta de S. Paulo, e de saber-se a influência que tivera nas importantes resoluções tomadas em seguida por d. Pedro - tornara-se muito precária e quase insustentável a posição dos deputados brasileiros, quer no recinto das sessões, como fora dele, nas casas onde residiam ou nas ruas por onde transitavam.

Lá dentro, eram os apartes insolentes, os discursos insultuosos dos colegas portugueses, ou as vociferações da populaça que se apinhava nas galerias para vaiá-los; cá fora, eram os apupos, os expressivos gestos pornográficos, os panfletos caluniosos, as ameaças de agressão física.

Os baianos e os paulistas escusaram-se, por isso, de comparecer às sessões, visto como não dispunham da liberdade precisa para desempenharem com dignidade seu mandato. O Congresso não lhes aceitou a escusa e houve até alguns oradores que tiveram a covarde lembrança de atribuir ao medo a atitude dos ultramarinos.

Estréia do padre Feijó. Projeto que apresenta

Repeliu o atrevimento o padre Feijó, e era a primeira vez que falava. Deixara de vir até então à tribuna, não porque lhe faltasse eloqüência ou coragem, mas por ter compreendido, desde os primeiros dias, que a sua voz ecoaria inutilmente naquela assembléia, impregnada de idéias e de propósitos hostis ao Brasil e contrários aos seus mais justos direitos, aos seus mais respeitáveis interesses.

Depois de se referir às afrontas de toda a casta, recebidas pelos representantes brasileiros, e que o Congresso declarara improcedentes, o caminho estava naturalmente indicado aos insultados: era o seu não comparecimento às Cortes. Embora conheça por experiência própria as angústias do medo, não foi este, contudo, e sim o impulso da dignidade, o sentimento que o impeliu a abandonar a Assembléia.

"O valor e a coragem - dizia ele, textualmente - consistem em vencer o temor, quando convém encarar o perigo; parece-me também que os terei quando chegar a ocasião".

Em vista, pois, dos protestos que ora lhe fazem de que terá sempre liberdade para apresentar e defender no Parlamento suas opiniões, oferece-lhe agora um projeto de lei que supõe bastante acomodado às atuais circunstâncias do Brasil, por se basear na realidade de sua situação.

Para o padre Feijó, as províncias viviam independentes entre si, administradas por governos que elas mesmas tinham livremente escolhido, e, por conseguinte, nas Cortes não havia deputados do Brasil, mas simples mandatários de cada província de per si.

Esquecia-se o proponente de que a 5 de março fora recebido pelo Congresso o ofício da Câmara do Rio, adotando o programa da Junta de S. Paulo, e de que Minas agia solidariamente com esta província, o que provava que já havia, graças a tal programa delineado sabiamente por José Bonifácio, uma tendência para formar, no Sul ao menos, um bloco político orientado pelos mesmos ideais.

Além disso, já a representação paulista de 24 de dezembro despertara o entusiasmo nacionalista em várias regiões do nosso território: Minas, o Rio e Pernambuco, pela sua Junta, tinham aderido às conclusões daquele documento em relação à ficada do príncipe e à atitude das Cortes, contra as vitais necessidades de nosso país.

Como, pois, quando justamente as províncias desiludidas com a felonia da ex-metrópole se enfeixavam para a resistência contra a projetada reescravização - Feijó continuava pensando que cada uma delas vivia independente das demais? Pelo seu projeto, as Cortes reconheceriam a independência das antigas capitanias até a publicação da Carta Constitucional; sem requisição das respectivas Juntas, o Congresso não mandaria forças para província alguma, em cujo território não vigorariam os atos do governo de Lisboa sem prévia sanção das respectivas Juntas, às quais competia remover para Portugal as tropas que julgassem desnecessárias ou perigosas à ordem pública.

A proposta de Feijó estabelecia a independência de fato, mas independência, não só do reino europeu, como também de cada província relativamente ao conjunto do reino americano. Se acaso ela passasse, era a desagregação brasileira que se daria fatalmente, desastre que José Bonifácio previra e queria a todo transe evitar, coordenando as aspirações independencistas em torno do centro fluminense e da pessoa do príncipe.

Era até para impedir essa desagregação que ele procurava contrariar qualquer prematura tentativa de emancipação. Antes de estarem as províncias ligadas entre si e por sua vez religadas a d. Pedro, antes de se ter aniquilado o poderio luso militar, a separação, em vez de nos dar este belo e grande país unido que devemos principalmente ao Patriarca, trar-nos-ia uma solução idêntica à da separação do vasto império espanhol da América, retalhado em pequeninas pátrias enfraquecidas e entregues à ambição dos mais fortes ou dos mais audazes.

Grande tempestade levantou o projeto de Feijó, que os mais extremados congressistas portugueses consideraram uma provocação insolente. Remetido à Comissão Especial dos Negócios do Brasil, lá jazeu enterrado eternamente; mas serviu de pretexto a Ferreira de Moura para pedir que fosse dado com urgência à discussão o caso da representação paulista, a fim de serem adotadas as medidas convenientes à punição dos rebeldes.

Ao mesmo tempo, cogitou-se das providências militares em apoio da situação de Madeira na Bahia. Este general, confirmando o desfavorável juízo que a respeito de sua mentalidade formulara Drummond, em ofício dirigido ao rei e lido perante as Cortes, na sessão de 30 de abril, dizia, com absoluto desconhecimento das condições em que se encontrava naquela oportunidade o Brasil: "Se V. M. quer conservar esta parte da monarquia, precisam-se mais tropas.. É também de primeira necessidade que existam sempre aqui algumas embarcações de guerra. Mediante tais providências, terei a felicidade de conservar nesta parte do mundo a indivisibilidade da monarquia portuguesa" [1].

Quanta grosseira ilusão em tão poucas palavras! Pensava ele que era possível ainda anular pela força um movimento de libertação que, desde o seu início, estava fatalmente destinado a uma vitória completa, não se podendo apenas prever com segurança qual o dia exato em que essa vitória teria de pronunciar-se para o nosso lado.

De duas medidas preliminares tentou-se lançar mão para inutilizar o esforço dos brasileiros na defesa de sua grande causa. A primeira foi a proibição, por intermédio do cônsul de Portugal, de se exportarem armas e munições para o Ultramar americano, mas José Bonifácio aparou magistralmente o golpe, comunicando sem demora às autoridades estrangeiras, por ofício-circular de junho de 1822, que o governo do Rio dispensava de quaisquer formalidades a cargo dos agentes consulares portugueses, o despacho de armas ou outros objetos de guerra e de marinha, os quais seriam recebidos nas Alfândegas brasileiras, independente das exigências fiscais até então vigorantes na legislação dos dois países [2].

Desse modo atalhou o mal pela raiz, inutilizando audácia portuguesa,  porque continuariam a ser atendidas as encomendas de material bélico, porventura feitas aos industriais ingleses e outros, pelos intermediários que o governo regencial incumbira dessa tarefa; e não foi interrompido o comércio que desse material se fazia acaso regularmente entre as nações estrangeiras e as províncias do Brasil.

A segunda medida consistia em aumentar o mais consideravelmente que fosse possível o exército de que dispunha o general Madeira, mandando-se que embarcassem para a Bahia as numerosas tropas que estacionavam em Montevidéu e se compunham do que de mais seleto e varonil restava do Exército que combatera na península contra os soldados de Bonaparte, na época da invasão.

Já dissemos, no lugar competente, que a Banda Oriental, por decreto de d. João VI ao regressar para a Europa, fora convidada a declarar se queria permanecer livremente unida ao Brasil, e em que condições; ou se, ao contrário, era de seu desejo manter-se independente, caso em que as tropas lusas a evacuariam sem maior detença.

Medidas de reação contra o Brasil. A Província Cisplatina

Por ato de 31 de julho de 1821, a mesma província, por seus legítimos representantes, resolveu incorporar-se ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, sob condições estatuídas no tratado daquela data [3].

A Comissão de Diplomacia das Cortes, sob o especioso pretexto de que a ocupação da Banda Oriental contrariava os princípios liberais preconizados pela revolução regeneradora, propôs a evacuação imediata de Montevidéu, ficando o Exército lá estacionado à disposição do Poder Executivo para lhe dar ulterior destino. Este destino, que se ocultava cautelosamente, era a província da Bahia, onde Madeira, obstinado na estreiteza de sua férrea disciplina, organizava metodicamente a reação militar contra a liberdade brasileira.

Os nossos deputados combateram a proposta com inexcedível brilho e cerrada argumentação, apoiando-se, não só em apreciações e razões históricas, mas no recente tratado que a Cisplatina assinara com o representante do Governo Português em Montevidéu.

Os que primeiro habitaram aquela província, convencidos de que ali ficavam os limites meridionais do Brasil, foram portugueses, e tal convicção permaneceu durante cerca de dois séculos no pensamento de seus descendentes, que a sustentaram em controvérsias diplomáticas algumas vezes e não raro de armas na mão.

O tratado de 1777 passara afinal para a Espanha a Cisplatina, mas os brasileiros, que nunca se conformaram com essa decisão, aproveitando-se do rompimento sobrevindo em 1801 entre as duas nações peninsulares, iniciaram de novo a reconquista do torrão perdido; e, mesmo depois de celebrada a paz entre as reconciliadas metrópoles, continuaram, alegando motivos diversos, a luta começada, até que d. João VI, ao ter conhecimento de que o tratado de 1814 obrigara Portugal a restituir à França a Guiana, sem compensação de nenhuma espécie, e que o Congresso de Viena não pensaram em devolver aos portugueses Olivença, retida pela Espanha com sanção do Tratado de Badajoz, de 1801 - resolveu incorporá-la ao patrimônio territorial do Reino Unido, o que se fez.

Estas eram as razões, por assim dizer históricas, que levavam os deputados americanos a combater a proposição apresentada de surpresa pela Comissão de Diplomacia. A elas acrescentavam a força jurídica do acordo assinado em 31 de julho de 1821, entre os representantes eleitorais do Povo Oriental e o general Lecór, então barão de Laguna, representante de Sua Majestade o rei de Portugal.

À vista desse documento, amplamente discutido e livremente firmado, não se poderiam tomar a sério os princípios liberais invocados pelos regeneradores - de que a ocupação indébita de alheios territórios era incompatível com os altos pensamentos que tinham presidido à revolução constitucionalista em Portugal.

Não houvera coação: os povos, por seus mandatários legítimos, tinham decidido incorporar-se à Monarquia Portuguesa e não se apresentava uma razão séria para se abandonar aos espanhóis um território que anexáramos com sacrifícios imensos, pelas vantagens de natureza comercial, estratégica e política que a sua permanente ocupação representava para nós [4].

Largo, proveitoso e prolongado debate se travou nas Cortes a respeito, no qual tomaram parte os deputados brasileiros António Carlos, Borges de Barros, padre Marcos António de Sousa, cônego Muniz Tavares e Fernandes Pinheiro, que fez por essa ocasião sua brilhante e auspiciosa estréia parlamentar, tratando, na sessão de terça-feira, 30 de abril, da relevante matéria.

O povo acotovelava-se nas galerias rumorosamente, e na tribuna do Corpo Diplomático avistava-se, grave e solene, o embaixador da Espanha. A discussão apenas terminou a 2 de maio, sendo finalmente reprovada a proposta da Comissão por 84 votos contra 28 [5]. Concorreu para esse resultado, além de outras razões capitais, o sincero desejo de muitos congressistas em não melindrar d. João VI, que tão ufano se mostrara sempre por ter acrescido o patrimônio territorial da Monarquia com a anexação da Cisplatina e não compreendia que se pudesse abandonar, sem nenhuma compensação, essa importante conquista que custara tantas lutas, tanto sangue derramado, tantos rios de dinheiro, prodígios de valor e de bravura, o bi-secular esforço de tantas denodadas gerações...

Tropas para a Bahia. Violenta discussão nas Cortes

Falhado por completo este supremo recurso, no qual depositavam suas melhores esperanças os recolonizadores do Congresso, não havia outro remédio senão mandar em auxílio de Madeira tropas do reino, que ficaria perigosamente desfalcado de elementos de força militar, no meio da Europa novamente agitada pela ação das potências retrógradas, que não desesperavam de reimplantar no Velho Continente o regime absolutista que o espírito revolucionário abolira.

O Poder Executivo fez publicar editais, abrindo concorrência entre armadores para apresentação de propostas relativas ao transporte de tropas para a Bahia. Os deputados desta província apresentaram na sessão de segunda-feira, 20 do referido mês, uma indicação para que a anunciada expedição militar fosse sustada a fim de serem ouvidos a respeito todos os representantes brasileiros com assento no Congresso.

Tal indicação - em que, por solidariedade, lançaram também suas assinaturas todos os deputados pernambucanos e paulistas, o de Minas, o da Paraíba, o do Espírito Santo, o de Santa Catarina, um de Alagoas, um do Rio, um de Goiás - foi considerada urgente e dada para debate no dia imediato.

Por semelhante motivo, na mesma noite de 20, reuniram-se os deputados brasileiros em casa de Lino Coutinho, faltando os fluminenses, com exceção de Villela Barbosa, que compareceu. A assembléia, que começara com o último toque das Trindades, prolongou-se até a meia-noite, ficando assentado o modo por que se conduziriam os brasileiros na discussão que se iniciou animadamente no dia marcado.

Usou da palavra, com toda a cortesia e moderação, o ilustre Lino Coutinho, a quem respondeu com insolente veemência Ferreira de Moura. Borges Carneiro, que, com receio de perder sua popularidade junto à patuléia lisbonense, transformara-se, de um dia para outro, de amigo do Brasil em seu rancoroso adversário, subiu à tribuna, na sessão de 22, para pedir que se mandassem para a Bahia pelo menos dois mil e seiscentos homens, a fim de conterem as facções desvairadas. Ao seu violento discurso deram apartes não menos violentos Villela Barbosa e Lino Coutinho e sobretudo António Carlos, que ameaçou os soldados portugueses com pau, ferro e bala, manejados por pulsos brasileiros, cuja força aqueles já conheciam de sobra.

A indicação caiu por 80 votos contra 44, segundo o VISCONDE DE S. LEOPOLDO [6], ou contra 43, conforme noticiou HIPPÓLYTO DA COSTA em seu Correio Brasiliense, correspondente ao mês de junho [7]. Compareceram a ambas as sessões todos os deputados da América, excetuando-se Malaquias, de Pernambuco, por enfermo, e Barata, por justo impedimento, mas, na votação, três deles separaram-se ingloriamente do pensamento comum que unia então todas as nossas bancadas, e foram d. Romualdo de Sousa Coelho, bispo do Pará e representante dessa província; José João Beckman e Caldas, também do Pará, e João Soares de Lemos Brandão, do Rio de Janeiro. Não fundamentaram seu voto, nem justificaram, por qualquer outro modo, fora do Congresso, a insólita atitude que tomaram contra o espírito dominante na deputação brasílica e contra os interesses de seu País.

Entretanto, em relação às duas províncias do Norte, que, desde 1624, conforme nota criteriosamente um historiador ilustre [8], se haviam constituído em meras dependências administrativas e em tributárias econômicas da metrópole, por seu mais fácil contato com esta do que com o centro político brasileiro - supõe-se que essas tenham sido as causas da divergência.

Convinha-lhes mais agradar Lisboa, com quem mantinham imediatas relações de ordem comercial, jurídica e administrativa, do que ao Rio, cujo comércio, cujos tribunais e outras autoridades achavam-se remotos delas e para os quais com dificuldade teriam de apelar nas ocasiões precisas.

O voto do deputado fluminense Lemos Brandão nada mais representava que sua nímia ingenuidade congenial. Era ele, na frase de VASCONCELLOS DE DRUMMOND [9], "um bom homem da roça", apagado e nulo, tão nulo e tão apagado que o seu nome ficou até completamente esquecido entre os dos seus colegas de representação congressional em Lisboa.

De acordo com as deliberações tomadas na reunião havida em sua casa, Lino Coutinho levantou-se, após a votação, para declarar que os deputados brasileiros, salvo naturalmente os três dissidentes, não mais tornariam a intervir nos debates futuros, limitando-se a comparecer às sessões por a isso os obrigar formalmente a obediência a que estavam presos pelo juramento de seu mandato [10].

Mas, a 17 de junho, António Carlos apresentava, por sua vez, uma indicação assinada por 17 deputados americanos [11], determinando que se fizesse efetiva a responsabilidade do ministro da Guerra de Portugal, por não ter referendado, como lhe cumpria, a Carta Régia que nomeava para comandante das Armas da Bahia o general Madeira, e a deste, por ter assumido indebitamente o exercício de seu cargo sem ter previamente legalizado o respectivo título de nomeação.

Por aí se vê que os nossos representantes, não podendo conter dignamente seus patrióticos impulsos em face das provocações e insolências de seus colegas da deputação reinol, tinham revogado os propósitos anteriormente assumidos de não mais serem nas Cortes senão testemunhas silenciosas dos atentados que contra a Pátria amada se cometiam quase diariamente, tanto no seio das comissões ordinárias ou especiais, como nas públicas discussões travadas no plenário.

A indicação não logrou nem mesmo obter, da comissão a que foi afeta, parecer algum, a pretexto de que a denúncia não se achava estribada em provas que servissem de base a um estudo conveniente. Por simples alegações não provadas era injurídico adotar-se um alvitre qualquer criterioso.

Os negócios do Brasil nas Cortes

Afinal, na sessão de 20 de junho, foram apresentados o parecer da Comissão Especial dos Negócios do Brasil sobre a representação da Junta de S. Paulo [12] e o da comissão encarregada de formular os artigos adicionais à Constituição e referentes ao reino americano, comissão esta que fora eleita na sessão de sábado, 25 de maio [12a], e ficou exclusivamente constituída de brasileiros: Fernandes Pinheiro, António Carlos, Villela Barbosa, Lino Coutinho e Araújo Lima [13].

Processo dos paulistas

O primeiro parecer, depois de longa explanação da matéria sujeita ao exame da comissão, concluía propondo a adoção de quatro providências a respeito. Mandava, em primeiro lugar, submeter a processo-crime os membros do Governo Provisório de S. Paulo, que assinaram a aludida representação, os signatários do discurso lido perante o príncipe por José Bonifácio, a 26 de janeiro de 1822; o bispo d. Matheus e mais clérigos que subscreveram a representação eclesiástica de 1º daquele mês e ano.

Assumiam, portanto, as Cortes, o máximo das atribuições outorgadas constitucionalmente ao Poder Judiciário, constituindo-se destarte em instância superior irregularmente sobreposta ao mais graduado tribunal deste Poder. Era o despotismo do Legislativo dominando e oprimindo os outros Poderes soberanos, que a Constituição criara com funções bem definidas e determinadas.

Nicolau Vergueiro substituía, desde 25 de abril, no seio da respectiva comissão, a António Carlos, que pedira escusa por ter de julgar atos de José Bonifácio, incluído na denúncia como um dos signatários da representação.

Nessa qualidade, Vergueiro elaborou um longo voto em separado, no qual aborda magistralmente todos os aspectos da proposta formulada pela comissão. O espírito prático o inspirou, como de costume, com  mais positivo realce, que as abstrações de ordem jurídica ou política.

A representação concretizava o sentimento público paulista: a província estava inteiramente ao lado de seu governo, como era notório, não só no Brasil como nas próprias Cortes. Consentiria ela, portanto, em entregar à Justiça aqueles beneméritos cidadãos, cujo único delito consistia em defendê-las contra a prepotência da ex-metrópole? O que convém, portanto, e renunciarem a todas as medidas propostas até então e procurar-se um meio inteligente de conseguir e não de destruir a união. Esta só pode basear-se na livre organização do Brasil, como os fatos estão demonstrando de forma eloqüente e inequívoca todos os dias.

E descreve o digno paulista de adoção o conceito elevado que de seu país fazem, com toda a razão, os brasileiros, pois sua população livre, igual à da mãe-pátria, tende a aumentar consideravelmente, ultrapassando-a; a sua invejável posição geográfica, olhando de um lado a Europa, de outro a Ásia e em frente a África; a extensão de suas costas, a multiplicidade e capacidade de seus portos; a sua superfície territorial vastíssima, a excelência de seus climas vários, a produtividade de seu fértil solo e a operosidade de seus habitantes - formam um conjunto de fatores de que se desvanecem e orgulham, mui legitimamente, seus naturais.

E termina, propondo uma série de providências que, a seu ver, poriam termo ao irritante conflito suscitado pela inabilidade das Cortes. D. Pedro será mantido no seu posto. Cada província será administrada por juntas provisórias, submetidas, todavia, ao governo do Rio. A Província Fluminense, por ser a sede da Regência, será governada diretamente por esta. Todas as autoridades ficarão subordinadas a cada junta. Nenhuma tropa será expedida de Portugal para o Brasil sem que seja solicitada pelo regente ou por qualquer das administrações provinciais para suas respectivas circunscrições. Tanto a Regência, para os casos gerais, como as Juntas Provisórias, para os casos locais, poderão fazer voltar para Portugal as tropas que no Brasil se encontram. Os decretos das Cortes não entrarão em vigor enquanto não forem registrados e publicados pela Regência do Reino e pelas administrações das províncias [14].

Iniciado o debate, depois de terem falado vários oradores portugueses favoráveis à aprovação do parecer da comissão, Vergueiro defendeu brilhantemente seu voto em separado. COntinuou na sessão do dia seguinte o áspero combate, no qual, entre outros, tomaram parte, do lado brasileiro, Muniz Tavares e António Carlos.

O arrojado parlamentar paulista, sofreando, em proveito da causa, sua impulsividade natural, orou com a máxima serenidade, combatendo, com decisivos argumentos, as conclusões do parecer.

"O Brasil - ponderava ele - não é mais que um irmão desconfiado do irmão mais velho, um irmão que se queixa; e será modo de abafar suas queixas, irritando-o? Acho mais coerente, quando se está em estado de irritação, não usar de remédios heróicos; não é o cautério que cura chagas velhas; são aplicações balsâmicas e estas requeiro eu" [15].

Respondeu-lhe com extrema vivacidade Ferreira Borges, que estigmatizou de déspota a José Bonifácio por ter feito relaxar da prisão, quando intendente de Polícia do Porto, por ocasião da guerra napoleônica, vários juízes acusados de prestarem serviços aos franceses durante o período da invasão.

Replicando-lhe na sessão de 29, exclamava António Carlos, na ardorosa defesa de seu ilustre irmão, pessoalmente agredido: "Justo Deus, em que tempo estou! É despotismo escutar a voz da humanidade! É despotismo salvar as vítimas das injustas prevenções de uma plebe brutal e furiosa! Benfazeja providência que vigias sobre os destinos da Nação Portuguesa! Tu que, espero e creio, conservarás a integridade deste império, apesar dos encontrados empuxões da inexperiência, da ignorância presunçosa e da mesquinha rivalidade, permite que, se entre o clangor das armas, no silêncio das leis, no meio das convulsões da anarquia, houver de se insinuar alguma arbitrariedade de poder discricionário, seja este sempre disposto, como foi o grande déspota José Bonifácio, a desoprimir aflitos, a arredar da garganta da desgraça a espada do ressentimento, a arrancar enfim às fauces ensangüentadas da vingança as vítimas que ela já saboreava!" [16].

Oraram depois, da nossa bancada, Vergueiro, Barata e Lino Coutinho. Dos portugueses, que se lançaram ao debate, somente Correia de Seabra e Serpa Machado, aduzindo considerações judiciosas, opinaram pela rejeição do parecer.

As outras providências propostas mandavam: a) que permanecesse d. Pedro como regente, com ministros nomeados por el-Rei, e governando somente as províncias que lhe obedeciam, sujeito, porém, à autoridade superior das Cortes soberanas, até que se promulgasse a Constituição ou se instituísse o regime administrativo que teria de viger no Brasil; b) que se inquirissem quais as razões por que os deputados de Minas, eleitos havia tanto tempo, em vez de comparecerem ao Congresso, como lhes cumpria, tinham-se deixado ficar inativos no Rio de Janeiro; e c) que se declarasse nulo, írrito e de nenhum efeito o decreto de 16 de fevereiro, convocando um Conselho de Procuradores das Províncias e que se tornasse efetiva a responsabilidade dos ministros que o tinham aceitado e posto em execução.

Tal qual se vê, em todos os alvitres lembrados ou propostos isentou-se ao príncipe regente de qualquer culpabilidade nas resoluções tomadas pelo seu governo - gesto covarde que provocou o ponderado e justiçoso protesto de alguns constituintes portugueses, revoltados com semelhante indigna conduta. A responsabilidade do bispo de S. Paulo foi rejeitada pela maioria de um voto [17].

O parecer foi finalmente aprovado por um único voto de maioria - 59 contra 58 [18] -, votação bastante significativa de quanto, neste particular, as opiniões estavam divididas no Congresso.

Em conseqüência, lavraram-se no dia 1º de julho quatro decretos, a saber: 1) o que mandava responsabilizar os paulistas; 2) o que permitia a permanência do príncipe no Brasil, sob as condições expostas acima; 3) o que se relacionava com os deputados mineiros e 4) o que declarava nulo o decreto regencial de 16 de fevereiro de 1822 [19].

Ao mesmo tempo nomeou El-Rei os seguintes secretários para d. Pedro: do Reino e Justiça, o desembargador Sebastião Luís Tinoco da Silva; da Fazenda, o dr. Mariano José Pereira da Fonseca, depois marquês de Maricá; da Guerra, o tenente-general Manuel Martins do Couto Reis, e da Marinha, o vice-almirante José Maria de Almeida.

Artigos adicionais à Constituição, relativos ao Brasil

Depois disso, entrou em debate o parecer concernente aos artigos adicionais à aplicação do pacto social ao Brasil, de modo a serem felizes os povos de ambos os hemisférios. A comissão, incumbida de elaborá-lo, como já vimos, era composta exclusivamente de brasileiros, em número de cinco, e apresentou-o na sessão de 17 de junho. A mesa dera-o a debate para a sessão de 26 de junho, decidindo depois, sob a pressão indecorosa da maioria parlamentar, sedenta de vingança, retirá-lo do plenário até que fosse discutido e votado o parecer da outra comissão, relativo à responsabilidade da Junta de S. Paulo e matérias correlativas. Assim, pois, só a 3 de julho foi ele novamente submetido a discussão.

A comissão, após amadurecido estudo, e tendo previamente ouvido os deputados do Brasil, as representações escritas da Câmara do Rio e do vice-presidente de Minas Gerais e as cartas da Junta Provisional de Pernambuco, entendia que o sistema unitarista era inadequado aos dois reinos pela impossibilidade absoluta de ser executado; que a legislação de cada qual, devendo ser separada, exigia legislaturas distintas, visto a heterogeneidade e mesmo o antagonismo de tendências e de interesses de cada uma das partes componentes do vasto Império Luso-Brasileiro.

Era este o eixo principal do projeto que a comissão formulou em 15 artigos, cuja matéria resumiremos. No Reino do Brasil, e no de Portugal e Algarves, haveria um congresso local para cada reino, composto de deputados eleitos na forma da Constituição, ficando livre às províncias de Ásia e África declararem a qual deles se quereriam incorporar, enviando-lhe seus representantes. Os congressos especiais de cada país legislariam sobre as questões peculiares aos interesses respectivos, sujeitas as leis decretadas pelo do Brasil à sanção do regente e postas a vigorar em caráter provisório até que as Cortes Gerais do Reino Unido as revissem e El-Rei as sancionasse em definitivo.

Por esta disposição, vê-se que, além das Cortes próprias de cada reino, haveria as Cortes Gerais da União,incumbidas de rever as leis votadas por aquelas, e compostas de 50 membros, tirados, em partes iguais, de cada congresso especial. As Cortes Gerais, assim constituídas, tinham, além de outras funções que lhes atribuía especificadamente o artigo 10, a de rejeitar e suspender a execução das leis votadas pelo Congresso Brasileiro, num destes dois casos somente: que se opusessem ao bem do outro reino ou que violassem a Constituição geral do Império.

Dissolver-se-iam as Cortes Gerais após uma duração de três meses consecutivos, mas antes elegeriam a deputação permanente criada pela Constituição, para vigiar sobre a marcha dos públicos negócios enquanto a Câmara Legislativa estivesse fechada.

Na capital do Brasil haveria uma delegação do Poder Executivo, com todas as atribuições facultadas ao rei, salvo apresentar bispos e arcebispos, prover os lugares de ministros do Supremo Tribunal, nomear embaixadores, cônsules e agentes diplomáticos, conceder títulos, declarar guerra, tanto ofensiva como defensiva; celebrar tratados ou alianças internacionais e mais atos congêneres.

A delegação executiva do Brasil seria confiada, naquele momento, ao herdeiro presuntivo da Coroa; para o futuro, ainda ao mesmo príncipe ou a um membro da casa real reinante, e, na sua falta, a uma regência. Haveria mais no Brasil um Supremo Tribunal de Justiça, com as mesmas funções do existente em Portugal [20].

Estavam consubstanciadas nesse parecer as principais idéias políticas que José Bonifácio formulara no regimento para os deputados paulistas, na representação de 24 de dezembro de 1821 e na fala de 26 de janeiro de 1822, lida perante o príncipe. Do lado português intervieram no debate, combatendo o parecer, os mais intransigentes arautos da regeneração, tais como Borges Carneiro, Ferreira de Moura, Ferreira Borges e Girão; defendendo-o, do lado contrário, Fernandes Pinheiro, Villela Barbosa, Lino Coutinho, António Carlos, Araújo Lima e José Ricardo da Costa Aguiar, sobrinho dos Andradas, que tomara posse na sessão da véspera e que estreou com grande brilho, completando "harmonicamente a mais notável deputação da América", no expressivo dizer de um publicista ilustre [21].

Na sessão do dia imediato decidiu-se que se não desse a votação o artigo 1º, que dispunha sobre a constituição de um Congresso local em cada reino [22], e na sessão de 6 rejeitaram-se "a primeira e a segunda parte dos artigos adicionais" e resolveu-se que os papéis voltassem à comissão respectiva para elaborar outro parecer e outro projeto [23].

Nessa ocasião, Fernandes Pinheiro, não podendo mais conter sua indignação diante dos impropérios e sarcasmos que diariamente ouvia dos colegas portugueses contra a Junta de sua província [24], pediu, "com lágrimas na voz" [25], demissão de membro da aludida comissão. A demissão foi-lhe denegada, mas ele não mais apareceu nas reuniões da comissão, no que foi solidariamente acompanhado por António Carlos, Lino Coutinho e Araújo Lima.

Afinal, recomposta ela, foi apresentado na sessão plenária de 2 de agosto o novo projeto, firmado por Villela Barbosa (o único membro que restava da primitiva comissão) e Martins Bastos, deputados pelo Rio, Ramos dos Santos, pelo Espírito Santo, e Joaquim António Vieira Belfort, pelo Maranhão [26].

Antes, porém, de ficar pronto o novo parecer, foi dado a discussão, a 2 de julho, o projeto de 18 de março, elaborado pela comissão especial mista de brasileiros e portugueses, que o Congresso elegera para propor os meios de aplacar a irritação crescente que lavrava no reino americano, depois de conhecidos os decretos de 29 de setembro do ano anterior, conforme narramos no lugar oportuno.

A discussão desse projeto fora adiada, por uma hábil manobra de Fernandes Thomás, que não queria admitir que se fizessem concessões liberais ao Brasil antes de serem devidamente punidos os autores da representação enviada ao príncipe pela rebelde Junta de S. Paulo.

Exceto a remoção das tropas lusas para o país natal, a comissão atendera a todos os desejos e votos até então formulados pelos povos do Brasil, inclusive a permanência de d. Pedro, o reembolso do Banco do Brasil, a subordinação do governador militar e da Junta de Fazenda às administrações civis provinciais, e deixara ao arbítrio do regente extinguir ou não os tribunais existentes aqui [27].

Quando esse projeto foi apresentado, ainda não tinham sido submetidos à apreciação dos constituintes os novos artigos adicionais sobre o Brasil, e aos quais nos referimos há pouco. Aprovados os dispositivos concernentes à composição da Junta de Fazenda e à supressão dos Tribunais a critério da Regência, levantaram os regeneradores violenta oposição ao que mandava subordinar à Junta Civil o comando das Armas, a pretexto de que isto era matéria de que forçosamente cogitariam os artigos adicionais em elaboração, não havendo necessidade, portanto, de se decretar uma providência de caráter transitório.

Domingos da Conceição, deputado substituto pelo Piauí e português de nascimento, que tomara posse na sessão de 8 de julho, em lugar do efetivo Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, advogado residente no Rio, interveio no debate, com a maior veemência patriótica, exclamando em discurso proferido a 20 de julho: "Adiar este artigo é lançar pólvora e aplicar toda a lenha para incendiar o Brasil" [28].

Cypriano Barata foi além na sua enérgica protestação: "Se o parecer for adiado e as desordens continuarem no Brasil, declaro desde já que não assino a Constituição, e desde agora protesto que, enquanto existir na Bahia um europeu de farda, com baioneta ou espada, não assino a Constituição porque me acho coacto e em guerra" [29].

A discussão prosseguiu a 22, tomando parte nela, em violentíssimos discursos, Girão e Borges Carneiro, que combateram, em frases calorosas e arrebatadas, o artigo proposto pela Comissão, o qual sotopunha de fato às Juntas os comandantes das Armas, mas, em compensação, os admitia como membros das mesmas Juntas com direito de voto nos negócios de natureza militar. Se a primeira cláusula desagradara os europeus, a segunda irritara os americanos.

Excerto de um notável discurso de António Carlos

António Carlos, que, como membro da comissão especial, assinara o respectivo parecer, estava em posição um tanto equívoca para defendê-lo, visto a oposição que despertara de um lado e de outro. Não obstante, orou longa e serenamente, justificando o ponto de vista da comissão.

Para o fim de seu brilhante discurso, exalta-se pugnando pela causa da Bahia. Sua palavra já não é só brilho, é chama também; resplandece e arde simultaneamente. Invectiva a aparente cordialidade dos portugueses e concita-os a que arranquem a máscara do falso amor e da fraternidade hipócrita com que se apresentam em face dos brasileiros e lhes declarem corajosamente guerra aberta [30].

Sucedeu-lhe na tribuna Ferreira de Moura que, apesar de ser igualmente um dos autores da proposta, não hesitou em combatê-la cinicamente, a pretexto de que a situação do Ultramar americano tinha mudado depois da atitude assumida pela Junta de S. Paulo.

Falou em seguida o nosso ilustre conterrâneo José Ricardo, que rebateu com vantagem a argumentação do sofista que o antecedera, concluindo por não admitir que os governadores militares fizessem parte das Juntas locais.

Galgou depois a tribuna um deputado português chamado Miranda, para atacar a proposta, usando de expressões ofensivas da dignidade dos seus colegas da América. António Carlos, mal o iracundo orador voltou à bancada, pediu-lhe reparação das afrontas, intervindo em sentido conciliatório o presidente do Congresso, Gouveia Durão, que não vislumbrou ofensa alguma nas expressões usadas por Miranda.

Em meio à discussão, o destemido Andrada escandalizou a perturbada Assembléia exclamando sem rebuços: "Eu, pela minha parte, digo com toda a franqueza, que a minha opinião será sempre a da minha província. Se o Brasil quiser a separação e a independência, julgo dever religioso para mim adotar o que ele seguir".

Miranda acusara de pérfidos os mandatários brasileiros que, aparentando não quererem a independência do Brasil, nada mais faziam, por seus atos, do que concorrer para o desmembramento da nação. Com os discursos de Barata e Fernandes Thomás encerrou-se a discussão, sendo afinal reprovada a proposta na sessão de 22 de julho.

Ato contínuo, José Martiniano de Alencar, substituto pelo Ceará, propôs se removessem para as outras províncias os governadores militares que estivessem em conflito com as juntas civis, isto com o fim de libertar da presença de Madeira a infeliz Bahia. A discussão dessa proposta foi adiada.

Na sessão de 2 de agosto foi lido no plenário o novo projeto com os artigos adicionais aplicáveis ao Brasil, em número de 10. Por eles estabelecia-se, em lugar que a lei ordinária oportunamente designaria, uma Regência para o Reino do Brasil, composta de 7 membros nomeados pelo rei, com atribuições limitadas [31]: criava-se um Tribunal de Justiça e permitia-se que fossem desmembradas do Brasil e imediatamente sujeitas ao governo português as províncias que assim o preferissem. A proposição foi somente convertida em lei a 24 de setembro, depois de assinada a Constituição, da qual ficara sendo parte integrante.

***

Ao passo que as Cortes assim se agitavam na impotência de seu orgulho, sem disporem de meios materiais para fazerem executar as providências adotadas contra o Brasil - dinheiro e tropas -, continuava José Bonifácio, à frente do Governo Regencial, na sua afanosa tarefa de construir e organizar o vasto e grande império com que sonhara nos anos de sua longa residência na ex-metrópole.

A sua principal preocupação era formar o espírito nacional, que não existia entre nós, pela união política das províncias em torno da figura central do príncipe d. Pedro. Todas as manifestações havidas até então tinham sido puramente regionais, e algumas delas não chegaram mesmo a interessar outras províncias que não as que tivessem direto e imediato interesse no movimento iniciado.

A guerra contra os holandeses só interessara vivamente os povos limítrofes da província conquistada e dominada: para os outros foi um acontecimento de somenos importância. Regional fora a Conjuração Mineira, fora a Revolução Pernambucana de 1817, todas revelando tendências espontâneas para a desagregação, que José Bonifácio queria patrioticamente combater, fazendo que do Sul ao Setentrião todas as províncias convergissem para a Corte do Rio e não para a de Lisboa.

Em fins de agosto o seu desiderato estava quase inteiramente realizado, porquanto a própria Bahia, vítima de seus erros anteriores, lutava contar o domínio português e ora se empenhava por incorporar-se com suas irmãs na obediência ao regente.

Regresso de Drummond ao Rio

Por essa época chegava ao Rio o destemido patriota Vasconcellos de Drummond, de regresso da misteriosa viagem que incógnito empreendera à capital da Bahia, trazendo para o primeiro ministro, seu amigo confidencial, informações completas sobre os planos de defesa e ataque das forças beligerantes, estado das fortificações e outros dados de que atrás nos ocupamos detidamente.

Desembarcou do navio Tartar, às 10 horas da noite, sendo conduzido da Fortaleza de Villegaigon, onde a embarcação fundeara, para a terra, no escaler do oficial incumbido da polícia do porto. Do Largo do Paço, apesar da hora tardia, seguiu imediatamente para a casa de seu irmão Luís, à Rua de S. Pedro, onde a sua família, toda de rigoroso luto, por julgá-lo morto após tão longa e inexplicada ausência, recebeu-o entre sobressaltos de alegria e de surpresa.

Ato contínuo, não querendo perder tempo, dirigiu-se para a casa de José Mariano de Azeredo Coutinho, à Rua do Carmo, hoje Primeiro de Março, onde o receberam com sincero espanto, como se, por aquelas desoras - uma hora da madrugada - ele não passasse realmente de uma aparição fantástica.

Daí tomou o rumo do Rocio, onde morava José Bonifácio, no sobrado que ainda hoje existe, no canto daquele Largo com a Rua do Sacramento, no lado oposto ao do Teatro de São Pedro, e em cujos baixos funciona atualmente um café ou restaurante [32], sobrado esse que se vê na gravura que estampamos à página 101 deste volume e que possuía então uma varanda, cocheira ou coisa que o valha, à esquina da dita Rua do Sacramento e que hoje não existe mais.

Eram quatro horas da manhã, quando o jovem herói bateu à porta de um quarto em baixo, à entrada da loja, à esquerda, onde morava um tal capitão Santos que o velho Andrada levara daqui em sua companhia. Ao ouvir a voz de Drummond, tomou-se de grande susto e a este muito custou convencê-lo de que não estava falando com nenhuma alma do outro mundo.

José Bonifácio recebeu-o no seu aposento, deitado ainda, com a mais viva satisfação amical, mas sem surpresa alguma, por não ter acreditado nunca que seu dedicado amigo fosse homem capaz de se deixar matar. Abraçou-o longa e afetuosamente, e ouviu com o maior contentamento a miúda narrativa de suas arriscadas aventuras pelas terras do Norte brasiliano, interrompendo-o de vez em vez com alguns ditos pilhéricos e gostosas gargalhadas - "para sacudir o diafragma" - segundo explicava ao seu inteligente locutor.

Despediram-se, recomendando-lhe José Bonifácio que lhe entregasse às 8 horas da manhã todos os papéis que trouxera da Bahia e estivesse às 11 no Paço de São Cristóvão, onde havia conselho de ministros, presidido pela princesa, pois d. Pedro partira para S. Paulo.

Nesse Conselho, de fins de agosto, é que ficou deliberado definitivamente declarar-se a Independência [33], convocando-se logo outro conselho para o dia 1º ou 2 de setembro, às 10 horas da manhã, com a presença de todo os ministros [34] e para se assentar sobre a comunicação que devia fazer-se por escrito ao príncipe a respeito do que na véspera se tinha concertado.

Assim, pois, foi nos últimos dias de agosto, e portanto antes da iniciativa de qualquer corporação política ou maçônica, que se resolveu sobre a urgência da proclamação da Independência, lembrada por José Bonifácio, conforme o testemunho de Drummond.

Efetivamente, as coisas caminhavam céleres para esse desenlace. A resistência da Bahia assumira proporções épicas e Madeira já confessava às Cortes que sua posição era cada vez mais precária. O governo, de posse agora das informações ministradas por Drummond, achava-se habilitado a enviar aos baianos socorros mais eficientes, o que logo fez, como  de seguida se verá. Atos preparatórios da Independência prestes a proclamar-se tinha ele praticado, já de caráter interno, como de natureza propriamente internacional. A Nação, de acordo com o pensamento de José Bonifácio, ia saindo aos poucos, mas vigorosamente, da servidão colonial para o regime da liberdade pura.

Manifesto de 1º de agosto ao povo brasileiro

A 1º de agosto lançou d. Pedro um Manifesto aos Povos do Reino do Brasil, de cuja redação foi incumbido Joaquim Gonçalves Ledo. Por esse tempo já o príncipe se tinha filiado à Maçonaria, de cujo Grande Oriente era Grão-Mestre José Bonifácio e Primeiro Vigilante o referido Ledo, conforme expusemos em páginas anteriores.

Da circunstância de ter sido encarregado de redigir o aludido Manifesto, conclui-se que ele e o primeiro-ministro mantinham boas relações políticas através da ação desenvolvida por ambos no mundo maçônico.

É uma peça longa que assim principia: "Está acabado o tempo de enganar os homens. Os governos que ainda querem fundar o seu poder sobre a pretendida ignorância dos povos, ou sobre antigos erros e abusos, têm de ver o colosso de sua grandeza tombar da frágil base sobre que se erguera outrora. Foi, por assim o não pensarem, que as Cortes de Lisboa forçaram as províncias do Sul do Brasil a sacudir o  jugo que lhes preparavam; foi por assim pensar, que eu agora já vejo reunido todo o Brasil em torno de mim; requerendo-me a defesa de seus direitos, e a mantença de sua liberdade, e independência. Cumpre-me, portanto, oh! Brasileiros, que eu vos diga a verdade: ouvi-me, pois".

Entra em seguida na exposição dos motivos que teve para assumir contra as Cortes prepotentes a decisiva posição que francamente assumiu. Os súditos fieis das províncias meridionais, "sopeando talvez desejos e propensões republicanas, desprezaram exemplos fascinantes de alguns povos vizinhos" e, depositando nele suas melhores esperanças, para ele apelaram e ele correspondeu ao espontâneo apelo que lhe dirigiram, aceitando o posto de Defensor Perpétuo deste grande Reino, impedindo que aqui medrasse a anarquia, os furores democráticos se exaltassem e a desmembração territorial se operasse em breve tempo.

E historia depois a conduta das Cortes em relação ao Brasil. "A história dos feitos do Congresso de Lisboa a respeito do Brasil - assevera - é uma história de enfiadas injustiças e sem-razões". E enumera esses feitos, essas injustiças, essas sem-razões: legislou sobre o Brasil, na ausência e à revelia de seus deputados, violando as Bases Constitucionais votadas e juradas; negou-lhe uma delegação do Poder Executivo; recusou-lhe um centro de união política e incitou as províncias a que se afastassem daquele que felizmente já existia aqui; decretou-lhe governos sem estabilidade, sem nexo, com diferentes centros de autoridade, para ruína de sua já iniciada coesão; excluiu de todos os empregos honoríficos os naturais deste País; encheu nossas terras de soldados cruéis, comandados por chefes imorais; louvou a ação infame de todos os monstros militares que implantaram a dor e o luto nos lares brasileiros; apropriou-se dos recursos decretados para o Banco do Brasil; tentou transmitir a nações estrangeiras porções do território pátrio; desguarneceu as nossas fortalezas, despejou os nossos arsenais de quanto possuíam, deixou indefesos nossos portos, requisitando para Portugal toda nossa marinha; sacou indebitamente contra nosso Tesouro para pagamento de tropas incumbidas de nos massacrar; proibiu-nos a importação de armas e de munições; elaborou um projeto de relações comerciais que fechava de novo nossas plagas aos industriais estrangeiros, e dess'arte ficava destruída nossa economia agrícola em crescente prosperidade; escarnece dos nossos deputados, ameaça-nos de libertar a escravatura aqui existente, armando-a militarmente contra seus senhores; depois de ter desaprovado, por inconstitucional, a Delegação do Poder Executivo, proposta pela Comissão Especial, acaba por criar várias delegações com o intuito patente de armar umas províncias contra as outras...

Concluindo esse formidando requisitório, exclama: "Que vos resta, pois, brasileiros?! Resta-vos reunir-vos todos em interesses, em amor, em esperanças, em fazer entrar a augusta Assembléia do Brasil em suas funções, para que, manejando o leme da razão, e prudência, haja de evitar os escolhos, que nos mares das revoluções apresentam desgraçadamente a França, a Espanha e o mesmo Portugal..."

E relaciona os frutos que de tal Assembléia se colherão proveitosamente: leis adequadas às circunstâncias locais, executadas por magistrados íntegros; justiça gratuita, e desembaraçada das trapaças forenses; um Código Penal pautado pelas livres normas da razão moderna; um sistema tributário que respeite o esforço pessoal dos que, trabalhando para si mesmos, contribuem contudo para a riqueza geral; um Código Militar que proteja os nossos valentes soldados; escolas para os cultores das letras e das ciências...

"Não se ouça - prossegue - entre vós outro grito que não seja União. Do Amazonas ao Prata não retumbe outro eco, que não seja Independência. Formem todas as nossas províncias o feixe misterioso que nenhuma força pode quebrar"...

E termina, imprecando os mineiros e pernambucanos para que voem em socorro dos malfadados baianos, seus vizinhos e seus irmãos: o que está em jogo não é a causa de uma província, é a causa do Brasil, que se defende na primogênita de Cabral; rematando textualmente com esta entusiástica peroração: "Habitantes do Ceará, do Maranhão, do riquíssimo Pará, vós todos das belas e amenas províncias do Norte, vinde exarar e assinar o ato da nossa emancipação, para figurarmos (é tempo) diretamente na grande associação política. Brasileiros em geral! Amigos, reunamo-nos: sou vosso compatriota, sou vosso Defensor, encaremos como único prêmio de nossos suores a honra, a glória, a prosperidade do Brasil. Marchando por essa estrada, ver-me-eis sempre à vossa frente, e no lugar do maior perigo. A minha felicidade (convencei-vos) existe na vossa felicidade; é minha glória reger um povo brioso e livre. Dai-me o exemplo das vossas virtudes e da vossa união. Serei digno de vós".

Manifesto de 6 de agosto aos governos das nações amigas

No dia 6 publicou o regente um outro Manifesto, desta vez dirigido aos governos das nações amigas, convidando-os a entrar em diretas relações com o Brasil e a enviar-lhe agentes diplomáticos.

Nesse importante documento, redigido por José Bonifácio e muito mais extenso que o de 1º de agosto, declara o príncipe que o Brasil "proclama à face do Universo a sua independência política". Passa depois a fazer uma pormenorizada exposição dos motivos por que assumiu aquela atitude de franca oposição ao governo de Lisboa, motivos que nascem das mais remotas épocas de nossa colonização, durante cuja longa fase a metrópole queria "que os brasileiros pagassem até o ar que respiravam e a terra em que pisavam".

Refere-se depois à generosidade com que o nosso povo recebeu contente d. João VI, sua família, sua Corte, suprindo profusamente suas despesas e ainda mandando recursos para que Portugal sustentasse com glória a guerra contra a "invasão do Déspota da Europa". Nada ganhou o Brasil com os grandes sacrifícios que fez por essa ocasião. Ao contrário, continuaram os abusos da Corte desregrada, acrescidos de novos, "parte pela imperícia, parte pela imoralidade e pelo crime".

Discorre sobre a horrorosa situação da Bahia, província que Portugal atirou aos braços da guerra civil; examina a atitude das Cortes de Lisboa contra o reino americano, principalmente a expedição dos decretos suprimindo os tribunais e chamando o Regente à Europa; recorda as afrontas a que viviam expostos os deputados brasileiros quando queriam falar em prol dos interesses de seu país; afirma que d. João VI, prisioneiro das ditas Cortes, não tivera ingerência pessoal alguma nas decisões despóticas adotadas contra o Brasil; protesta, entretanto, como já fizera no Manifesto de 1º de Agosto, "perante Deus e à face de todas as Nações amigas e aliadas" que não deseja romper os laços de fraterna união com a mãe-pátria. O rompimento não é com a Nação Portuguesa: é com o seu governo.

E depois de convidar os governos das nações amigas "a continuarem com o Reino do Brasil as mesmas relações de amizade e interesse", confessando-se pronto outrossim a receber os agentes diplomáticos e ministros que se dignarem enviar-lhe, e a mandar-lhes os seus, "enquanto durar o cativeiro de El-Rei", termina por afirmar-lhes que os portos nacionais continuarão abertos a todos os países pacíficos e amigos, para o comércio lícito; que os imigrantes europeus serão aqui bem tratados e protegidos, e assim também os sábios, os artistas, os capitalistas e os industriais.

Nos dois notáveis documentos que sumarizamos no que têm eles de mais substancial, ainda não se cogita de uma independência ampla e definitiva, de uma completa separação do velho tronco português exausto. Ao contrário, ainda se tenta a organização independente da seção americana, dentro da união livre com a seção européia, sob a égide da mesma coroa tradicional e na órbita constitucional dos mesmos princípios políticos.

Ver-se-á, entretanto, que pouco duraram essas ilusórias esperanças de união perpétua. Os acontecimentos marcham cada vez mais rapidamente para dar ao problema a solução compatível com as circunstâncias do presente e as aspirações do futuro.

Menos de um mês depois daquelas peremptórias declarações do príncipe regente - a independência brasileira estava proclamada; e um dos fatores que mais decisivamente atuaram para que chegássemos a tal resultado mais depressa do que se esperava, foram exatamente as Cortes Portuguesas, com as medidas excepcionais tomadas tacanhamente contra os vitais interesses de nossa jovem pátria. Querendo reconduzi-la de novo à abjeta escravidão colonial - nada mais fizeram que levá-la à liberdade por que se batia...


NOTAS:

[1] GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., pág. 282.

[2] MATOSO MAIA - Obr. cit., pág. 271.

[3] PEREIRA DA SILVA - Obr. cit., vol. 6º, págs. 318 a 323. O acordo foi assinado pelos membros componentes do Congresso Extraordinário reunido para tal fim, e que eram: João José Duran (presidente), Dâmaso José Larmaga, Thomás Garcia de Zuniga e síndico procurador geral Jerónymo Pio Bianche (deputados por Montevidéu); Fructuoso Rivera (deputado por extramuros), José Vicente Gallegos (por Soriani), Lourenço de Gomensoro (por Mercedes), Alexandre Chancherro (por Guadelupe), Romualdo Ximeno e Manuel António Salva (por Maldonado), Matheus Vesillae (pela Colónia), Manuel Lago (pelo Cerro Largo), Luís Peres (por S. José), Salvador Garcia (por Canelones) e Francisco Lambi (secretário do congresso e deputado por extramuros). Da parte de Portugal assinou o barão de Laguna, comandante geral das forças.

[4] GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., págs. 273 a 278; OLIVEIRA LIMA - Obr. cit., pág. 210.

[5] VISCONDE DE S. LEOPOLDO - Memórias, págs. 25 a 26.

[6] Obr. cit., pág. 28.

[7] Citado por GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., pág. 295, nota 1.

[8] GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., págs. 295 e 296.

[9] Obra citada, págs. 70 e 71.

[10] VISCONDE DE S. LEOPOLDO - Obra cit., pág. 28; GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., págs. 297 a 298.

[11] OLIVEIRA LIMA - Obr. cit., pág. 259. GOMES DE CARVALHO reduz a 15 esse número (Obr. cit., pág. 307).

[12]/[12a] O VISCONDE DE S. LEOPOLDO (Memórias, pág. 30) diz que este parecer foi apresentado na sessão de 10 de junho, o que é repetido por DJALMA FORJAZ (Terceira Conferência sôbre o Senador Vergueiro); OLIVEIRA LIMA (obr. cit., pág. 261) limita-se informar que o dito parecer é daquela data; e GOMES DE CARVALHO (obr. cit., pág. 310, nota 1) o dá como apresentado na sessão de 20.

[13] VARNHAGEN - Obr. cit., pág. 202, nota 49.

[14] DJALMA FORJAZ - Conferência citada; GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., págs. 318 a 323.

[15] Diário das Côrtes Geraes, tomo 6º, pág. 600.

[16] Diário das Côrtes Geraes, tomo 6º, pág. 635.

[17] ROCHA POMBO - Obr. cit., vol. 7º, pág. 711.

[18] OLIVEIRA LIMA - Obr. cit., pág. 264.

[19] PEREIRA DA SILVA (obr. cit., vol. 6º, págs. 156 e 158) dá-nos conta dessas quatro resoluções, dizendo que foram adotadas em fins de junho, e acrescenta que, no decreto mantendo a regência de d. Pedro, recomendava-se-lhe que mandasse proceder imediatamente à eleição e instalação das Juntas Provisórias, de acordo com o decreto de 1º de outubro de 1821. ROCHA POMBO (obr. cit., vol. cit. pág. 710) o repete, afirmando, porém, que tais medidas foram aprovadas na sessão de 22 de julho. OLIVEIRA LIMA (obr. cit., pág. 264) só se refere a três providências, excluindo a que diz respeito aos deputados de Minas, e as dá como aprovadas pelo Congresso a 1º de julho, acrescentando em nota à mesma página que os respectivos decretos foram promulgados a 23 de julho. GOMES DE CARVALHO, reportando-se ao Diário das Côrtes Geraes, também só alude a três providências e nada informa quanto aos representantes mineiros, e as registra como aprovadas na sessão de 29 de junho e decretadas a 24 de julho (Obr. cit., pág. 339 e nota 1).

[20] PEREIRA DA SILVA - Obr. cit., vol. 6º, págs. 240 a 245.

[21] GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., pág. 351.

[22] VISC. DE S. LEOPOLDO - Obr. cit., pág. 30. Entretanto, VARNHAGEN (obr. cit., pág. 202) informa que esse artigo foi rejeitado por 85 votos contra 22, mas nós preferimos a informação de SÃO LEOPOLDO que foi parte na questão como um dos autores do projeto. Aliás, GOMES DE CARVALHO (obr. cit., pág. 350, nota 2) confirma que o Congresso, por grande maioria, "declarou não dever ocupar a atenção dos Constituintes o capítulo da proposta referente à criação do Poder Legislativo no Brasil". E GOMES DE CARVALHO hauriu seus dados diretamente no Diário das Côrtes Geraes.

[23] Esta redação não está bastante clara. O projeto continha, como dissemos no texto, 15 artigos, mas não era dividido em partes. Entretanto, pelas matérias de que tratava, pode-se dizer que se compunha de três partes: a primeira - do artigo 1º ao 10º - versava sobre a constituição do Poder Legislativo pela criação dos dois Congressos; a segunda - do artigo 11 ao artigo 13 - dispunha sobre a delegação do Poder Executivo no Brasil e a terceira - compreendendo os artigos 14 e 15 - organizava o Poder Judiciário nesta parte da Nação.

Não tendo, pois, sido objeto de deliberação os artigos relativos à criação das Legislaturas especiais, é de supor que SÃO LEOPOLDO, referindo-se à rejeição da primeira e da segunda parte dos adicionais, quisesse justamente referir-se à segunda e à terceira, por ter sido excluída do projeto a primeira, tomando o lugar desta a imediata.

E mais nos convencemos de que assim é, diante do que diz VARNHAGEN (obr. cit., pág. 202) nas seguintes linhas: "Havia sido dada para uma imediata ordem do dia a discussão dos outros quatro artigos a respeito da regência e tribunais". Embora os artigos fossem cinco e não quatro, a verdade é que VARNHAGEN declara explicitamente que se referiam à organização da Regência e da Justiça, o que prova que os outros, que constituíam a primeira parte do projeto, já estavam fora de discussão por não terem merecido a consideração do Congresso.

VARNHAGEN (lc. cit.) dá como rejeitados os onze primeiros artigos, apesar do que diz SÃO LEOPOLDO. Ora, se  como este informa, o art. 1º que consagrava a existência dos dois Congressos não foi considerado como digno de ocupar a atenção das Cortes e, por isso, não foi dado a votação, é claro que a mesma sorte tiveram os dez artigos seguintes que dispunham sobre o modo de serem suspensas, sancionadas, promulgadas e executadas as leis feitas pelos referidos Congressos.

[24] SÃO LEOPOLDO - Obr. cit., pág. 31.

[25] GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., pág. 382.

[26] VARNHAGEN (obr. cit., págs. 202 e 203) diz que Belfort Vieira tomara assento pouco antes de 2 de agosto de 1822. É mais um dos numerosos erros que se nos deparam na sua obra. Aquele representante maranhense tomou posse na sessão de 6 de novembro do ano anterior (GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., pág. 147).

[27] GOMES DE CARVALHO - Obr. cit., págs. 357 e 358.

[28] Diário das Côrtes, tomo 6º, pág. 880. GOMES DE CARVALHO diz que este substituto do Piauí era padre, pormenor que não encontramos nem em VARNHAGEN (obr. cit., pág. 87), nem em RIO BRANCO (nota 14 a VARNHAGEN), nem na lista dos deputados do Brasil, extraída dos Documentos para a História das Côrtes Geraes da Nação Portuguesa (Lisboa, Imprensa Nacional, 1883), pela Comissão do Inst. Hist. Brasileiro, encarregada de examinar e publicar a História da Independência (Nota III ao capítulo II da mesma História, págs. 521 e 523).

[29] Diário das Côrtes, tomo 6º, pág. 884.

[30] "A Constituição mutilou a realeza para a acomodar aos direitos e utilidade da Nação. Isto que Portugal tem feito é o que o Brasil pode fazer também, sem ser taxado de rebelde, e sem que para tolher-lhe o imprescritível exercício da sua liberdade, haja justiça de se lhe mandarem tropas. A máscara de amor e fraternidade não pode mais escusar semelhante comportamento; o véu é mui raro, traz luz por entre ele e a verdade.

"Não é a presumida independência que pode justificar a remessa de tropas; ela não existe, nada há que a prove, nem mesmo o Manifesto da Câmara do Rio a sua Alteza Real; Cortes especiais subordinadas às gerais, delegado do Poder Executivo sujeito ao chefe supremo da Nação não formam elementos de independência, antes é uma união bem que mais frouxa e complicada, porém a única possível.

"Se o temor de independência não justifica as medidas de rigor adotadas, menos as pode justificar o alegado pretexto de salvar os portugueses europeus da brutal vingança dos brasileiros. O rancor não existe senão em alguns pontos; as províncias do Sul que mais enérgicas têm sido em se opor à suspeitada injustiça de Portugal, a nenhum só português têm ofendido; Pernambuco mesmo tem respeitado, quanto tem sido possível, os laços de parentesco, apesar de provocações recentes e dos velhos ressentimentos de 1817.

"A Bahia descansava, no regaço da boa-fé e da inabalável irmandade, quando atentados do mais criminoso dos oficiais portugueses, como o estampido do trovão, destruíram de um só golpe a sua até então intacta seguridade; mas que fez ela? Sacrificou a seus irmãos da Europa? Não: antes sangrando por todos os poros, humilhada e insultada, é ela quem sofre mas não tem atentado nem contra a vida nem contra os bens dos seus cruéis opressores: como, pois, mandar novos janízaros para socorrer a quem oprime e tornar mais pesado o jugo já imposto? É nova generosidade embraçar as armas em favor do opressor que não precisa auxílio, e ensurdecer-se aos lamentos do oprimido que só demanda justiça?

"Mas chamam uns nobres preopinantes, e tem-se neste recinto aturdido a todos com a repetição da mesma linguagem; é para guardar os brasileiros contra os negros que se lhes mandam os batalhões não pedidos, antes detestados. Assombrosa audácia! Terrível zombaria acrescentada à mais escandalosa opressão! Tão ignorantes nos acreditam que imaginam recebermos como obséquio insultos e ofensas?! Não sabemos nós melhor que ninguém que os escravos não são para temer, que o seu número é insignificante comparado com o dos livres, e que a doçura da servidão doméstica entre nós, tem feito dos nossos escravos, antes amigos do que inimigos?

"Tudo sabemos, conhecemos as traças com que se pretendem restabelecer as antigas cadeias, e, apesar da nossa repugnância, juramos de antes morrer do que nos sujeitar aos nossos iguais; não temeremos as borrascas da intempestiva independência -, se de outra sorte não nos pudermos salvar da escravidão. Obre-se com franqueza conosco, declare-se-nos embora a guerra generosamente, cesse de uma vez a burlesca farsa de uma ilusória representação. Até quando hão de inimigos estar sentados entre inimigos? Até quando há de continuar o vergonhoso comércio de falsidades e enganos, que pródigas entornam línguas de mel, ao mesmo tempo que o coração está ensopado do mais refinado fel? Declare-se enfim a guerra abertamente: deputados haverá, e eu sou um deles, que preferirão, a manejar inutilmente a imbele língua, o lançar-se nas fileiras dos seus irmãos, e morrer nelas repulsando a injusta agressão de qualquer parte que ela venha".

[31] VARNHAGEN (obr. cit., pág. 203) dá para esta Regência apenas 5 membros, cujos nomes declina à pág. 212, conjuntamente com os dos ministros respectivos, em número de 3. OLIVEIRA LIMA (obr. cit., pág. 285) e GOMES DE CARVALHO (obr. cit., pág. 386) registram 7, além dos 3 ministros.

[32] Nota 8 de RIO BRANCO à pág. 219 da Hist. da Indep., de VARNHAGEN.

[33] VASCONCELLOS DE DRUMMOND - Obr. cit., págs. 38 a 40.

[34] ROCHA POMBO - Obr. cit., vol. 7º, págs. 743 a 744.

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