PRIMEIRA PARTE - PRELÚDIOS DA INDEPENDÊNCIA
Capítulo II - A revolução portuguesa de 1820 e seu reflexo sobre os destinos brasileiros (cont.)
[...]
JURAMENTO PRÉVIO DA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA, NO RIO DE
JANEIRO, EM 26 DE JANEIRO DE 1821 - Aspecto do Largo do Rocio, depois da Constituição, e hoje Praça Tiradentes
Imagem publicada com o texto
Pronunciamento popular e militar de 26 de fevereiro. Causas e resultados
Por não terem compreendido a tempo a realidade da situação luso-brasileira entre os fins do século
dezoito e os princípios do décimo nono século, é que os estadistas e políticos portugueses, longe de obstarem, como enganosamente supunham,
apressaram o desfecho fatal da crise que os assustava. Resistindo, ou contemporizando, ou hesitando, ou algumas vezes cedendo, quaisquer que
fossem seus gestos, suas atitudes e seus propósitos - só podiam contribuir para que os acontecimentos marchassem à feição dos constitucionalistas. A
batalha estava ganha por estes; só a estes cabia, portanto, impor condições de rendimento aos vencidos.
O que aos retrógrados competia, porém, era abandonar incondicionalmente suas insustentáveis
posições aos vencedores, deixando que o rei espavorecido se acomodasse com eles, aceitando e praticando de boa-fé o regime surgido das novas
condições em que o mundo se encontrava.
A soberania real estava de fato limitada pela soberania popular; cumpria-lhe curvar-se diante do
poder mais forte e, de acordo com ele, trabalhar, não mais para a glória de seu reinado e o esplendor de seu trono, mas para a felicidade de seus
súditos e o progresso geral de sua pátria.
Nem mais o alvitre de Palmella convinha naquele momento decisivo - a nação não
mais aceitaria uma Carta Constitucional organizada e outorgada majestaticamente pelo soberano: ela mesma queria elaborar e promulgar sua
Constituição Política, obrigando El-Rei a jurá-la, cumpri-la e defendê-la [1].
O que é certo é que a revolução concertada para 1º de março antecipou-se, diante da graveza cada
vez maior dos acontecimentos; e na madrugada de segunda-feira, 26 de fevereiro, as tropas se sublevaram, de combinação prévia com os chefes civis do
movimento, marchando para a Praça do Rocio, onde estacionaram o Batalhão de Caçadores do Rio, sob o comando do capitão Luís António do Rêgo; parte
do de Caçadores de Portugal, comandado pelo major Antão Garcez Pinto da Madureira; a artilharia montada, que o capitão João Carlos Pardal comandava.
À hora combinada - quando o navio-registro desse o tiro da alvorada - apareceu de improviso no
local o brigadeiro Francisco Joaquim Carretti, a quem os outros oficiais ofereceram o comando geral das forças, que ele aceitou. Daí a pouco todas
as tropas brasileiras se achavam na praça, chegando dentro em breve a maior parte dos corpos pertencentes à guarnição propriamente portuguesa. A
Marinha, ou por não ter havido tempo de convidá-la, pela antecipação do feito, ou por se manter em mais rigorosa disciplina, desprazendo-lhe a idéia
de uma revolução contra o poder legal, não tomou parte alguma no movimento que às primeiras horas do dia se pronunciara.
A antecipação do levante fora deliberada na véspera à tarde, em casa do padre
Marcelino José Alves Macamboa (que também exercia a profissão de advogado), entre os chefes civis e os oficiais do Exército presentes, em sua maior
parte de patente inferior [2].
Contra esse padre e contra o major António de Pádua da Costa Almeida, adido ao
estado-maior do Exército do Brasil; os majores graduados da Cavalaria da Polícia da Corte, Antonio Duarte Pimenta e Manuel da Costa Portugal; o
padre Francisco Romão de Góes, o tenente de ARtífices Engenheiros, Cypriano José Soares, e o tenente de Caçadores, Luís de Sousa da Gama e mais
alguns civis e militares, todos de diminuta influência política, mas bastante estimados do elemento popular e da soldadesca, tinham sido expedidos
mandados de prisão, por saber o governo que eles pregavam abertamente pelos clubes secretos e pelos quartéis da guarnição as idéias reformistas que
convulsionavam a Europa [3].
Perseguidos tais clubes pela ação preventiva da autoridade policial, passaram os
diversos conjurados a reunir-se, ao que se dizia, a bordo de um navio ancorado no porto
[4]. Daí a expedição das ordens de
prisão; daí o terem eles resolvido antecipar para 26 de fevereiro uma operação que somente seria levada a efeito, como estava deliberado, a 1º do
mês seguinte.
Tomadas, portanto, na tarde da véspera, em reunião havida na casa de Macamboa, as
providências que foram julgadas mais eficazes para o completo êxito do movimento, foi incumbido o padre Francisco Romão de Góes de ir até a Quinta
da Boa Vista, a fim de prevenir o príncipe d. Pedro dos acontecimentos que se preparavam. Um documento publicado na época, e transcrito por MELLO
MORAES [5],
explica-nos que o motivo da atitude assumida pelos revoltosos perante d. Pedro, foi o estado de adiantada gravidez em que se achava a princesa
Leopoldina, sua esposa, a quem queriam poupar qualquer emoção repentina e violenta que lhe poderia ser fatal.
Vê-se bem que tal motivo era apenas uma escusa para justificar o papel que o príncipe desempenhou
depois no decorrer dos sucessos, como intermediário entre seu pai e as tropas e o povo revoltado.
Comparticipação do príncipe
Não é crível que, se ele fosse estranho à conjuração, tivessem os revolucionários a audácia de
procurá-lo no palácio real, quando ainda gozava da "suavidade do sono", segundo o estilo do documento a que nos referimos acima, e o pusessem no
segredo de uma conspiração que tinha por objetivo a própria autoridade de seu augusto pai.
MELLO MORAES [6]
informa-nos que d. Pedro estava a par de todos os planos projetados em favor de um pronunciamento pró-constitucionalismo, que freqüentava as
reuniões dos conspiradores, os clubes secretos e que mesmo dentro do palácio de S. Cristóvão recebia os principais arautos da revolução, com os
quais confabulava em seus aposentos privados. O mesmo cronista, apoiado posteriormente por historiadores conceituados e circunspectos, acrescenta
que a rainha dona Carlota, na ânsia mal contida de regressar para Portugal, não era estranha a esses manejos e até os fomentava, incitando os
oficiais portugueses a fazerem uma demonstração armada que aterrasse o fraco d. João, forçando-o a retirar-se do Brasil.
A verdade é que d. Pedro não tardou em aparecer na Praça do Rocio, acompanhado apenas de um criado
particular, e, sem arrogância, antes com palavras e gestos de conciliadora benevolência, penetrou no quadrado que as tropas formavam, e agitando um
papel que trazia nas mãos, afirmou a militares e civis ali presentes que era aquilo um decreto em virtude do qual seu pai, atendendo às vozes
unânimes da população, havia por bem revogar o malsinado decreto anterior, datado de 18.
E passou a fazer sua leitura, finda a qual ergueu-se o padre Macamboa para ponderar a S. A.
respeitosamente que o decreto revocatório não resolvia a questão, que as tropas e o povo o que firmemente queriam é que o rei e sua corte jurassem
quanto antes a Constituição que se estava fazendo em Portugal; que fossem demitidos os seus ministros e mais altos funcionários que, por serem
retrógrados e pérfidos, não inspiravam confiança à opinião pública, nomeando-se em lugar deles os cidadãos cujos nomes constavam da lista que na
mesma ocasião entregou ao príncipe real.
Este declarou que iria levar ao rei as indicações recebidas e que prontamente
voltaria com a resposta de Sua Majestade; e com tal diligência procedeu que às 7 horas da manhã, segundo colhemos em VARNHAGEN
[7], já
estava de regresso.
Breve histórico do Teatro de S. Pedro. O ator João Caetano
Por essa ocasião, o movimento popular tinha crescido. Tinha-se mandado abrir o
Teatro de S. João, depois de S. Pedro de Alcântara, e hoje simplesmente de S. Pedro [8],
e as suas várias dependências transbordavam de pessoas de todas as classes, umas atraídas pela curiosidade e outras, convidadas pelos chefes
rebeldes para testemunharem e autenticarem o que se estava passando, quais os desejos da Força e do povo, qual a atitude do príncipe, quais,
finalmente, as resoluções que a toda hora se esperavam por parte de Sua Majestade.
Já ali se achavam os oficiais do Senado da Câmara, o bispo diocesano, d. José
Caetano da Silva Coutinho [9],
os repúblicos indicados para substituírem os ministros, e outras muitas pessoas de grande prestígio na sociedade.
D. Pedro atravessa rápido por entre a agitada multidão e as tropas; entra no
teatro, galga as escadas que levam à varanda exterior da frente e daí, rodeado das pessoas importantes e autoridades que lá dentro se achavam,
proclama ao povo e aos soldados que El-Rei aceitara a Constituição e o incumbira de jurá-la, tal qual a fizessem as Cortes de Portugal. E passa a
ler o decreto, ante-datado de 24, escrito por ele mesmo e apenas assinado pelo rei, cuja assinatura mostra às pessoas que lhe estão mais próximas
[10].
A circunstância de ter sido o dito decreto lavrado pelo próprio príncipe faz crer que ele, na
ocasião, tinha empolgado literalmente o ânimo do pai, afastando para plano inferior o predomínio dos ministros, mesmo o de mais prestígio - Thomás
António. E a rapidez, a firmeza, o desembaraço com que nestas circunstâncias agiu o príncipe, nas suas viagens a mata-cavalos entre a capital e a
Quinta de S. Cristóvão - não constituirão acaso mais provas indiciárias de que ele estava perfeitamente a par do movimento e combinado com os
respectivos chefes?
A facilidade com que, apesar de sua notória incultura, mesmo em matéria de instrução primária,
redigiu o projeto aprovativo da Constituição, não será outra prova de que, quando falou ao rei a tal respeito, já levava pronto o documento, ou pelo
menos, trazia na mente os termos em que devia escrevê-lo? Não teria também o jovem príncipe, desde que entrou no conhecimento da insurreição e na
certeza de sua vitória, entabulado com o pai prévias confabulações tendentes a conjurar a crise e simplificar a sua solução?
Substituição de ministros
A atitude de d. João, no momento, entregando sem vacilações ao filho todos os poderes para por um
termo à agitação das ruas e dos quartéis, parece indicar que ele já estava convencido de que qualquer veleidade de resistência seria perfeitamente
inútil e que mais valia ceder às injunções, fingindo, pela ante-data do decreto, que se antecipara ao sentimento geral, e salvaguardando assim, ao
que pensava, o decoro de sua majestade e a dignidade de seu trono secular.
VARNHAGEN assevera, aliás, que o próprio Thomás António aconselhou o rei a
aceitar todos os nomes da lista imposta pelos revoltosos [11].
Gritos, vivas, aclamações ruidosas e frenéticas escaparam-se entusiasticamente de toda aquelas almas vibrantes de comoção.
Em seguida, d. Pedro, reclamando silêncio, comunicou que seu pai, para satisfazer de todo as
aspirações populares chegadas até o trono, tinha consentido em substituir seus ministros e outras autoridades principais, de acordo com as
indicações da lista que lhe apresentara seu filho.
E passa a ler em voz alta, de modo a que a rumorosa multidão cá de fora o ouça,
o decreto de 26, em virtude do qual d. João concedia a demissão que do cargo de ministro do Reino lhe solicitara Thomás António e nomeava para
substituí-lo o vice-almirante Ignácio da Costa Quintella [12].
Apensa ao decreto, e como parte integrante do mesmo, estava a seguinte lista das
pessoas nomeadas para os outros ministérios e demais cargos da alta governação: vice-almirante Joaquim José Monteiro Torres - ministro da Marinha e
Domínios Ultramarinos; Silvestre Pinheiro Ferreira - ministro dos Estrangeiros; d. Diogo de Menezes, conde de Lousã - presidente do Erário; d.
Caetano, bispo capelão-mor - presidente da Mesa de Consciência e Ordens; intendente geral de polícia, António Luís Pereira da Cunha; tesoureiro-mor
do Real Erário, José Caetano Gomes; ajudante do mesmo, João Ferreira da Costa Sampaio; fiscal do Real Erário, desembargador Sebastião Luís Tinoco;
inspetor geral dos estabelecimentos literários, José da Silva Lisboa; diretor do Banco do Brasil pela Fazenda Real, João Rodrigues Pereira de
Almeida; comandante do Corpo de Polícia, José de Oliveira Barbosa; presidente da Junta do Comércio, o visconde d'Asseca; e general das Armas, o
brigadeiro Carlos Frederico de Caula [13].
Juramento da Constituição
Lidos esses documentos, declarou o príncipe que, por ordem e em nome de seu pai,
juraria naquele mesmo instante a Constituição tal qual se fizesse em Portugal. E perante o bispo diocesano, em reunião extraordinária da
Municipalidade, prestou juramento, primeiramente em nome do rei e depois em seu próprio nome, seguindo-se-lhe ato contínuo seu irmão, o infante d.
Miguel, os novos ministros e mais funcionários recentemente nomeados e que ali se achavam
[14].
VARNHAGEN [15]
é contraditório quanto ao comparecimento da Municipalidade no local onde se realizou o ato, pois, à página 66, informa que depois que "voltou o
príncipe a S. Cristóvão", levando as propostas dos revoltosos, fora "convocada a reunião, na sala do vizinho teatro do Senado da Câmara e convidado
também a assistir a ela, para tomar os juramentos, o bispo capelão-mor".
Outros historiadores estão de acordo com essa versão, a qual serve para provar que o príncipe d.
Pedro tanta certeza tinha de obter a aquiescência do rei à vontade do povo, que lhe prometera uma solução integralmente satisfatória. Mas, à página
67, o velho historiador já conta que, depois do regresso de d. Pedro à Praça do Rocio, e depois da leitura, que fez, dos dois decretos, é que "foi
convocada a Municipalidade ao vizinho edifício do teatro, onde o príncipe, seu irmão d. Miguel e os militares e o povo passaram a prestar
juramento".
Auto do juramento constitucional
O auto que dessa tocante cerimônia se lavrou então, e que damos em nota abaixo,
na sua íntegra [16],
nos não permite duvidar que a primeira versão de VARNHAGEN, com a qual concordam todos os historiadores pátrios, é que é a verdadeira: na confiante
expectativa, na quase certeza de que d. Pedro voltaria de S. Cristóvão com uma decisão favorável, os revoltosos, no intuito natural de não perderem
tempo, trataram logo de reunir no teatro a autoridade eclesiástica e as autoridades civis que deviam receber e autenticar o juramento.
Esta medida tomada pelos chefes é mais uma eloqüente prova indiciária de que o príncipe herdeiro
estava intimamente a par de todos os episódios da conspirata e lhe prestava francamente decidido apoio.
Terminada a solenidade no meio do geral regozijo, montou de
novo a cavalo [17],
com destino a S. Cristóvão, o jovem primogênito de d. João, que foi narrar a seu augusto pai tudo quanto se havia passado no Rocio e no Teatro,
traduzir-lhe a viva satisfação em que deixara o povo por ter Sua Majestade aquiescido a todos os seus desejos
[18], e
convencê-lo do quanto seria útil para o monarca e agradável para todo o mundo o seu imediato comparecimento no referido Largo, para assim ratificar
pessoalmente tudo quanto seu herdeiro fizera pouco antes.
Em contrário a esta versão, que é de PEREIRA
DA SILVA [19]
e que alguns outros historiadores posteriormente perfilharam, SILVESTRE PINHEIRO, novo ministro dos Estrangeiros, e que de tudo fora testemunha
presencial, diz que todos se dirigiram para S. Cristóvão, onde já "acharam que S. M. se dispunha a partir para os seus Paços da Cidade"
[20]; e
ARMITAGE [21]
informa que "um imenso concurso dirigiu-se à Quinta" e insistiu em puxar até a Cidade o coche real.
Que d. João viesse de S. Cristóvão para o Rocio, trazido pelo filho ou pelo povo que, no auge de
seu delírio, lá o fora buscar fremindo de entusiasmo - é coisa que não admite dúvida alguma; que ele, porém, sponte sua, se estivesse
preparando para esse gesto de inusitado heroísmo de sua parte, é o que de se não concilia com o terror que se sentiu possuído ao ver-se rodeado pela
multidão que calorosamente o aclamava. Esteve a pique de desmaiar; e foi com o rosto desfigurado, coberto de uma palidez quase lívida; com o corpo
agitado por tremores pusilânimes, com os dentes a entrechocarem-se, impedindo-lhe a emissão da voz, que ele chegou até o Paço da Cidade.
Naquele instante supremo e trágico acudiu-lhe à memória a lembrança de Luís XVI,
cuja desventurada sorte era um dos temas prediletos de suas tristes conversações na intimidade
[22].
A guilhotina mostrara aos povos libertados que a cabeça de um rei poderoso é exatamente igual à
cabeça do mais humilde de seus vassalos; e d. João, meio desfalecido nas almofadas do seu coche, que os populares em tropel arrastavam aos
solavancos pelas ruas da capital em tumulto, ao passar por entre os vitoriosos batalhões em forma, ao contemplar os canhões postados ameaçadoramente
a cada entrada do Rocio, ao ouvir a todo o momento o rufo estrepitoso dos tambores e os sons estrídulos das cornetas militares - evocou talvez, em
sua perturbada imaginação, a carreta lúgubre e fatídica que, rodando pro entre uma dupla fila de soldados estendida ao longo do trajeto, levara da
prisão do Templo à Praça da Revolução o infeliz monarca destronado...
Somente quando, carregado a braços, e mais morto que vivo, se achou enfim deposto como um fardo
inerte num dos aposentos superiores do palácio, é que a consciência se lhe foi despertando pouco a pouco, que recuperou a fala perdida, e desatando
a chorar como criança, tartamudeou embaraçadamente algumas palavras de satisfação e de alegria.
Do terraço do Teatro confirmou perante o povo e as tropas o juramento prestado horas antes pelo
filho. Uma estrondosa e prolongada ovação aclamou por longo espaço de tempo a figura do velho soberano, cujo conspecto emparvecido e sofredor
comovia o coração dos assistentes.
Na noite seguinte, de terça-feira, após o beija-mão que só terminara à tarde,
houve récita de gala, durante a qual os vultos principais do movimento correram entre os espectadores - em sua maioria letrados e comerciantes - uma
subscrição em favor das tropas, tendo atingido a mesma a soma colossal de trinta contos de réis
[23].
Segundo uns, o rei compareceu e foi muito vitoriado
[24];segundo
outros, deixou de comparecer, mas o povo bateu palmas, entoou hinos e fez outras manifestações de afeto e apreço à sua efígie
[25],
levada para o teatro e posta em lugar visível para todo o mundo.
Durante alguns dias continuaram os festejos, as salvas das
fortalezas, os desfiles das Forças, os cantos e danças populares, a iluminação das fachadas, as tocatas das bandas musicais nos largos cheios de
gente folgativa, e outras demonstrações de cívico prazer.
***
O papel de d. Pedro
A alma da insurreição de 26 de fevereiro foi, sem dúvida nenhuma, o príncipe regente. Quem a
planejou foram os chefes militares e os civis a que ainda há pouco aludimos; mas, não fora a oportuna intervenção de d. Pedro e teria ela degenerado
possivelmente, de pronunciamento pacífico, em lamentável conflito à mão armada.
O rei tinha elementos de força para resistir, se quisesse; porquanto é fato que, ao princípio, nem
todos os corpos da Guarnição haviam aderido ao movimento. Houve mesmo hesitações que poderiam comprometer o êxito da causa em momento dado. Os
batalhões foram chegando aos poucos ao Rocio, como que buscando primeiramente inteirar-se da realidade da situação, e parece que a certeza de que o
herdeiro do trono era solidário com as tropas iniciadoras da insurreição, é que levou os demais a uma adesão expressa.
Foi, pois, ele a alma do acontecimento, o árbitro dos destinos da nação naquele instante de luta
declarada. Se se tivesse recusado a apoiar os dirigentes, talvez que estes houvessem desistido de seus intuitos, adiando-os indefinidamente,
adiando-os para mais propícia ocasião; e se o seu apoio, depois de prometido, falhasse - o que não era difícil de suceder com um príncipe assaz
jovem e pouco ponderado - sanguinário desfecho teria tido provavelmente a questão, pelos combates que se travariam entre os militares fiéis e as
forças rebeladas.
Entretanto, que móvel teria levado d. Pedro a tomar tão evidente posto entre os elementos
revolucionários? Afastado até então pelo próprio pai de qualquer interferência nos negócios políticos ou administrativos do Reino Unido, como se
explica sua atitude inesperada e sobretudo a docilidade do rei em atender a todas as suas sugestões e conselhos? São coisas que ainda se não acham
satisfatoriamente desvendadas perante a História, já porque nos faltam documentos decisivos a respeito, já porque o depoimento dos contemporâneos,
alguns dos quais foram magna pars nos sucessos da época, são parcos de pormenores elucidativos.
É crença geral que d. Pedro, nas emergências em que o rei e seus conselheiros se achavam colocados
em face da nação portuguesa e das Cortes que pretendiam representá-la soberanamente, foi atuado diretamente pela dupla influência de dona Carlota
Joaquina e do conde dos Arcos, que mostrava dispensar-lhe desinteressada afeição. A rainha, cuja crescente repulsa pelo Brasil e seu povo não
cessava de manifestar-se cada vez mais grosseiramente, só tinha um objetivo diante dos olhos - o regresso para Portugal.
E como consegui-lo, se o rei persistia em deixar-se ficar no seu querido país americano? A
revolução portuguesa ofereceu-lhe ensanchas para isso, porquanto, desde que d. João aceitasse os poderes limitados que o regime constitucional lhe
prescreveria, não mais poderia escolher de vontade própria o lugar para a sede do governo, tendo que se sujeitar às decisões que sobre tal assunto
as Cortes adotassem.
Ela percebera claramente que seu esposo, expedindo o decreto de 18 de fevereiro, tinha por fim
evitar a volta para a velha capital do reino europeu, mandando aos povos de lá o filho como seu delegado. O pensamento contido no mesmo decreto, de
estudar para o Brasil bases especialmente adequadas às suas condições geográficas e outras, visava por certo criar para o país onde pretendia ficar
uma legislação autonômica que não colocasse a autoridade sob a estreita dependência das Cortes d'além-mar.
Ora, o levante das tropas, urdido por alguns chefes populares, de combinação com parte da
oficialidade, no propósito de obrigar o rei a aceitar a Constituição Portuguesa, tal qual fosse votada, sem nenhumas restrições ou ampliações
relativas ao Brasil, era sem dúvida um meio hábil de forçá-lo à subordinação a Lisboa, colocando-o, por conseguinte, na iminência de partir
definitivamente da América para restaurar a sede da realeza no seu antigo lugar.
Daí o empenho da rainha em lançar o filho nos braços dos revolucionários, não obstante ser ela uma
intransigente defensora do regime absolutista. Por sua vez, o conde dos Arcos, antevendo o papel predominante que poderia exercer junto ao príncipe,
caso este ficasse no Rio, regendo em nome do pai os destinos do reino americano, trataria de influir para que ele participasse da conspiração, cujo
termo seria, mais hoje, mais amanhã, o regresso de d. João e sua Corte para a Europa.
Os elementos portugueses que compunham a Corte, quer militares como civis, também almejavam pela
volta ao Reino, do qual se achavam, havia tantos anos, afastados a contragosto, vivendo aqui uma vida menos caroável do que lá, constantemente
humilhados em seu orgulho pelo trato opulento a que se davam os patrícios domiciliados no Brasil e com os quais não podiam competir aqueles
despeitosos fidalgos arrebentados.
Por seu lado, os lusos aqui residentes e os brasileiros natos, ao lerem o célebre decreto,
desconfiaram das intenções do monarca, supondo que este, com seus manhosos processos assaz conhecidos, o que pretendia era alterar as disposições da
Constituição Portuguesa relativas ao nosso país, de modo que, entre nós, a sua autoridade não sofresse grande redução nas suas prerrogativas e
atribuições.
A tais patriotas afigurava-se, e com razão, completamente impossível que o velho soberano, afeito
às práticas do governo absolutista, fosse capaz de transformar-se realmente num rei constitucional, cujos restritos poderes a Carta Política em
elaboração estabeleceria rigorosamente e cujo exercício as Cortes Soberanas fiscalizariam.
E por esse motivo aderiram ao movimento, cujo escopo principal era, segundo acabamos de ver,
obrigar o monarca a jurar, sem alteração alguma relativamente ao Brasil, a Constituição que as Cortes formulassem; e desse modo, e sem o querer, os
luso-brasileiros, fixados na capital do nosso país, davam mão forte aos que, por meios capciosos, e em defesa exclusiva de seus interesses
individuais, tratavam de persuadir ao rei que era necessária e conveniente a sua partida imediata para a velha e abandonada ex-metrópole, cujo povo
não cessava de suplicar-lhe, com insistência e ansiedade, que voltasse ao convívio de seus vassalos, na bela e amada pátria onde nascera.
Era, pois, unânime entre os magnatas da Corte e a oficialidade militar expatriada, o pensamento de
imporem a d. João o seu regresso, em companhia de toda a sua augusta família, no querer de alguns; ou aqui deixando o herdeiro da coroa, segundo os
cálculos políticos dos mais arguciosos.
Neste comenos, isto é, alguns dias depois do juramento d'El Rei, a 7 de março
[26],
chegava ao Rio um ofício das Cortes, expedido a 15 de janeiro, reclamando, não somente a volta de d. João e toda a família real para a antiga
capital do reino, como a presença dos representantes do Brasil no grêmio daquela assembléia.
A este apelo que, sob forma polida e maneirosa, equivalia, entretanto, a uma intimação formal, não
podia o desgraçado rei deixar de atender prontamente, em vista do estado do espírito público, tanto no Rio de Janeiro, como no Pará, como na Bahia,
como em Pernambuco, ou noutros lugares do País, onde começavam a manifestar-se agitações em prol da mesma causa.
Na Bahia, os decretos de 18 e 24 de
fevereiro tinham sido mal recebidos pelos liberais, que viam nas medidas propostas a intenção iníqua de iludir as esperanças do povo brasileiro; e
sua Junta Governativa levantou contra eles um vibrante protesto por escrito, de cuja redação foi incumbido António Carlos
[27] que,
libertado dos cárceres reais em que jouvera por causa do levante pernambucano de 1817
[28], no qual tomara decisiva parte, um dos
primeiros usos que da recuperada liberdade fazia era clamar energicamente contra as maquinações do despotismo, embora sob a prudente dissimulação de
um pseudônimo - Philagiosotero [29].
No mesmo dia em que chegou o ofício de Lisboa, ficou resolvido, em reunião ministerial, o regresso
do rei e sua corte, resolução que se deu a conhecer ao povo pelo decreto da mesma data. É claro que esse ofício chegado a 7 de março - e causa
determinante da decisão governamental - era reiterativo de outros anteriores, versando sobre o mesmo assunto, porquanto, no dia seguinte ao
pronunciamento popular e militar do Largo do Rocio, reuniu-se o ministério para deliberar definitivamente a respeito, o que fez, votando pela volta
da família real para Lisboa, contra o voto isolado de Silvestre Pinheiro.
Aprestos urgentes para o regresso da família real
Conformou-se d. João, aparentemente, com essa decisão, e mandou que a 28 se expedisse para lá a
fragata Maria da Glória, levando uma notícia completa das últimas ocorrências ao Governo Provisório, inclusive a de sua próxima partida,
assentada irrevogavelmente. Foi grande a impressão causada no Rio de Janeiro pela divulgação da importante deliberação governamental.
Queriam sua partida a rainha, os cortesãos, as tropas vindas de lá, o conde dos Arcos, d. Pedro, e
quase todos os ministros; mas os negociantes e proprietários, os funcionários públicos que aqui exerciam cargos permanentes, eram contrários a
semelhante alvitre. O comércio via diminuírem as probabilidades de lucro, não só porque, com a repentina retirada de tanta gente, os negócios teriam
forçosamente grande baixa, como também porque, provavelmente, se restabeleceria o monopólio comercial em prol dos portugueses da Europa, monopólio
que tinha cessado expressamente com a permanência da Corte no Brasil; e o funcionalismo público sentia-se decaído da importância que lhe adviera de
ser o Rio de Janeiro a sede oficial do Reino Unido.
Em suma, a situação complicadíssima em que se encontrava o atarantado soberano era precisamente a
seguinte: dona Carlota, os fidalgos, os oficiais portugueses vindos de lá, os ministros de Estado, menos um, eram de opinião que toda a família real
se retirasse prontamente; Silvestre Pinheiro, ministro da Guerra e Estrangeiros, era formalmente contra; o conde dos Arcos opinava pela ida de
todos, menos o príncipe, que devia ficar; este, que andava instigado nas suas ambições por aquele, concordava com suas opiniões; o comércio local,
os funcionários locais, os portugueses localizados fixamente no Rio protestavam contra a partida; os brasileiros natos, ao contrário, já entendidos
talvez com d. Pedro, manifestavam-se pelo regresso de toda a Corte, ficando aqui, como regente, o herdeiro presuntivo.
No meio desta geral e desordenada contradição de alvitres, como poderia o pobre rei tomar uma
resolução que lhe parecesse realmente acertada - se o seu propósito sincero era deixar-se ficar na doce paz de sua encantadora América, tão remota
das agitações que pela Europa grassavam e que punham violentos sobressaltos no seu acovardado coração?
Sugestões do príncipe
Achava-se ele nesse lamentável estado de perplexidade e indecisão, quando o procurou d. Pedro,
para convencê-lo de que - se todos os membros da Dinastia abandonassem naquele momento o Brasil - não haveria forças capazes de impedir que o
pujante país se desmembrasse completamente de Portugal; e que o meio de impedir semelhante desastre, inevitável noutras circunstâncias, era ficar no
Rio alguém da família, governando em nome e por delegação do rei, e mantendo intacta a união dos dois reinos, enquanto a implantação do regime
constitucional em expectativa não normalizasse a respectiva situação de cada qual.
D. João, em cujo espírito o príncipe ficara exercendo incontestável influência desde a jornada de
26 de fevereiro, achou racionáveis as ponderações que ele lhe apresentava, com grande cópia de argumentos lógicos, e adotou-as incondicionalmente.
Decreto de 7 de março
Aparece então o decreto de 7 de março
[30], no
qual o rei, depois de justificar perante seus vassalos a necessidade que tinha de partir, porquanto era dever seu imperioso morar na mesma cidade
onde estivessem instaladas as Cortes Gerais, para mais prontamente atendê-las em suas sugestões e na execução das leis que fossem votadas -
participa-lhes que deixa encarregado provisoriamente de governar o Reino do Brasil o príncipe d. Pedro, enquanto aqui não se achar estabelecido o
regime constitucional em preparo na ex-metrópole; e conclui declarando que, por outro decreto da mesma data, dava as instruções precisas
[31] para
que se procedesse em todas as províncias à eleição dos deputados àquelas Cortes, na forma das instruções que se tinham adotado em Portugal, devendo
os eleitos passarem-se quanto antes ao Rio, a fim de acompanharem o monarca no seu próximo regresso ao reino europeu.
Por uma singularidade do Destino, o decreto em que anunciava sua imediata partida fora lavrado e
datado no mesmo dia em que se completavam precisamente treze anos que ele, de bordo da nau Príncipe Real, balouçando-se airosamente nas águas
da Guanabara, avistara o pico dos primeiros morros, o teto das primeiras casas, a alvura das primeiras praias, o céu, o mar, a paisagem, os homens
da terra em que iria fruir ditosamente um largo período de relativa felicidade pessoal e tranqüilidade política.
Embargos à partida
Logo que suas resoluções foram dadas oficialmente ao conhecimento da população, começou a
operar-se nos principais centros de atividade urbana um intenso trabalho contra elas; o que produziu indescritível prazer ao desventurado soberano,
cujo angustiado coração se dilatou desopresso, na esperança falaz de ainda restar neste país.
Numa longa representação, datada de 15, redigida em forma de embargos, e
assinada simplesmente O Brasil, os portugueses estabelecidos no Rio opuseram-se motivadamente à partida de Sua Majestade
[32].
O curioso documento, em dezoito fundamentados Provarás, combate a decisão do rei e de seus
ministros, assim como comenta e contesta o manifesto que a 31 de outubro do ano anterior os portugueses da Europa tinham dirigido às potências
estrangeiras, em justificação do movimento revolucionário do Porto, manifesto em que alegavam que a abertura dos portos brasileiros ao comércio das
nações amigas, e as guerras sustentadas contra Artigas no extremo Sul, tinham acarretado funestas conseqüências para todo o comércio lusitano.
A primeira medida, permitindo a livre concorrência dos povos estrangeiros no comércio marítimo e
sobretudo favorecendo ilegitimamente os interesses industriais do polvo britânico, contribuíra, de modo sensível e desolador, para a decadência da
atividade comercial portuguesa; e quanto à segunda bastava lembrar que Artigas, no auge da luta, armara navios corsários que apresavam as
embarcações mercantes portuguesas, cujas cargas eram depositadas na Colônia do Sacramento, em Paysandu e noutros portos, que o general Lecór teve de
ocupar com suas forças, por ordem do rei, para que semelhante prática cessasse.
Mas o temível caudilho, não dispondo mais de portos onde organizar sua esquadra de corsários,
permitiu que outros povos, e mui principalmente a América do Norte, se entregassem àquele criminoso mister, sob sua bandeira e autorizado por cartas
suas. O dano que tais corsários, operando livremente no Atlântico, ocasionavam ao legítimo comércio luso, não era talvez menor do que o resultante
da abertura dos portos brasileiros aos navios das nações amigas.
Contestando essas alegações, ponderavam os embargantes, quanto
aos efeitos produzidos pelo decreto de 28 de janeiro de 1808, que os portugueses da Europa parece que desejavam que os portugueses do Brasil
andassem nus, tal a inveja e despeito que nutriam contra as possibilidades econômicas, verdadeiramente prodigiosas, da ex-colônia
[33]; em
referência à guerra contra Artigas, limitavam-se a declarar que as nossas lutas ao Sul foram sempre pacificadoras e não conquistadoras, e
determinadas pela necessidade em que nos achávamos de defender as nossas posições de Laguna, do Rio Grande de S. Pedro do Sul e Porto Alegre,
campinas gerais abertas às constantes incursões dos colonos espanhóis do Prata [34].
Artigas
Imagem publicada com o texto
Questões ao Sul. A Colônia do Sacramento. O Uruguai
Tocando neste assunto - nossas contendas com os castelhanos situados nas fronteiras do Brasil
austral - recapitularemos sumariamente as razões que as determinaram e o desfecho que lograram, ainda ao tempo da permanência de d. João em nosso
país.
Dominava Montevidéu, trazendo em constante sobressalto as populações limítrofes, o ousado caudilho
José Artigas, cujas façanhas e correrias punham, a cada passo, em perigo o território das Missões e a Capitania do Rio Grande do Sul. Decidido a
proteger nossa fronteira contra as ousadias do temível guerrilheiro dos pampas meridionais, mandou o governo de d. João, em 1816, guarnecê-la de
numerosa tropa, que fizera vir expressamente de Portugal, e à qual dera a denominação de Voluntários Reais.
Organizado o plano de ataque aos inimigos, pelo governador e capitão-general do Rio Grande,
marquês de Alegrete, e posto à testa das forças o tenente-general Joaquim Xavier Curado, não tardou que se iniciassem os combates com o destemido
aventureiro; e o Exército Português, do qual faziam parte garbosos Corpos de Milicianos Paulistas - após as brilhantes jornadas de 22 de setembro de
1816, nas proximidades de Sant'Anna; de outubro do mesmo ano, no território da Comarca das Missões; de 27 do mesmo mês, no sítio chamado
Corumbé; e de 4 de janeiro do ano seguinte, dia em que se travou a batalha campal de Catalão, com grandes perdas para os orientais e para nós -,
conseguiu, finalmente, libertar a Capitania do Rio Grande das investidas do contrário povo.
Por outro lado, o general Lecór tinha, em outubro de 1816, invadido a Banda Oriental; e
Montevidéu, em virtude de resolução tomada pelo Cabildo, com assistência e aquiescência da população, entregara-se confiante à boa-fé e
cavalheirismo daquele general. Desta entrega se lavrou uma ata e Lecór, à testa de seus soldados, foi recebido em Montevidéu como um libertador e
saudado com os aplausos dos habitantes.
Tenente-general Joaquim Xavier Curado,
depois conde de S. João das Duas Barras
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Mas a guerra contra Artigas continuou por muito tempo, através de sérias
vicissitudes, até que a 22 de janeiro, às margens do Taquarembó, onde o Exército Oriental acampara com seus 2.500 homens, sob o comando do valente
caudilho Latorre, as nossas forças, comandadas pelo conde da Figueira, acometeram a posição inimiga pela frente e pelos flancos, obtendo estrondosa
vitória, que pôs fim à prolongada guerra [35].
Era esta agitação bélica no Sul do País que os portugueses da Europa verberavam no seu Manifesto, e os portugueses do Brasil defendiam calorosamente
nas suas Razões de Embargo.
Mas não foi somente por esse original documento que d. João chegou ao conhecimento de que a sua
partida provocava protestos e levantava franca oposição. Também a classe comercial do Rio, em extensa representação endereçada ao Senado da Câmara,
em data de 20, pede àquele Poder que intervenha junto ao rei a fim de sustar os efeitos do fatal decreto do dia 7.
Além da representação da classe comercial, a Municipalidade levou à presença d'El-Rei
várias memórias, vindas das províncias e redigidas no mesmo teor. Segundo VARNHAGEN, foram em número de três, às quais respondeu, indeferindo-as em
nome do soberano, o ministro do Reino, Ignácio Quintella [36].
Nada, porém, pôde modificar a atitude assumida decisivamente pelos principais elementos
constitutivos da Corte do Rio - os quais, como fizemos ver, batiam-se em favor do regresso real sem mais demora. Além disso, as Cortes reunidas em
Lisboa clamavam, cada vez mais energicamente, por essa medida que julgavam indispensável à segurança internacional do reino europeu.
O ofício último era a reiteração de todos os anteriores apelos, não satisfeitos ainda pelo
monarca. Mas os seus súditos da Europa, que bem conheciam o fundo apático de seu caráter, feito de frouxezas e de hesitações medrosas, preferindo
protelar as soluções dos casos a ter de resolvê-los de forma contrária às suas opiniões, que eram sempre o reflexo de suas tendências profundamente
egoísticas, quiseram afinal fazer-se ouvir claramente pelo soberano, que permanecia mudo e quedo entre as delícias da Corte americana, e altearam
ameaçadoramente o tom da voz, transformando em mal disfarçadas intimativas as respeitosas súplicas d'outrora.
O próprio Grande Oriente de Portugal
[37]
prescrevia imperatoriamente o regresso da dinastia, como uma necessidade pública inadiável; e provavelmente a atitude dos Poderes Maçônicos fora
determinada pelos elementos liberais que organizaram a revolução constitucional e que deviam ser filiados àquele instituto, então refúgio
tradicional da liberdade, e cujo prestígio perante a opinião de cada povo ainda não decaíra irremediavelmente como sucede agora.
General Lecór
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Manejo das Cortes
O rei não podia, pois, adiar por mais tempo sua partida, da qual aliás já fora avisado
oficialmente o governo de Lisboa. As Cortes reputavam indispensável ao completo êxito de sua causa o restabelecimento do trono bragantino na sua
antiga sede portuguesa.
A permanência do rei na América era uma ameaça perene à consolidação do novo regime. Se ele, num
ímpeto de energia, que lhe não era natural, mas que seus cortesãos poderiam insuflar-lhe de um momento para outro, entendesse que devia protestar
contra a usurpação de sua autoridade e rebelar-se contra ela em nome de seus direitos, a situação da ex-metrópole se complicaria
extraordinariamente.
Depois de encerrado o Congresso de Viena, em 1815, a Áustria, a Prússia e a Rússia, cada vez mais
arraigadas às tradições absolutistas, tinham celebrado um pacto, a 26 de setembro, para assegurar a paz interna não só dentro de suas respectivas
fronteiras, como de qualquer país cristão, cujo soberano, ameaçado acaso em seus direitos pela insubmissão violenta de seus vassalos, apelasse para
a intervenção da Santa Aliança, que assim se denominava a liga daquelas três retrógradas potências.
Bastava, portanto, que d. João, apoiado pela população do Brasil, reclamasse a intervenção armada
da Santa Aliança contra o povo que se revoltara na outra porção do Reino Unido, para que o novo regime instituído em Portugal ficasse exposto aos
maiores contratempos e à possibilidade das mais desastrosas derrotas.
Daí o empenho das Cortes em fomentarem no Brasil um movimento geral de adesão à sua causa,
movimento esse que, espontaneamente iniciado no Pará e depois na Bahia, foi-se propagando sistematicamente a outros pontos do território brasileiro,
inclusive o Rio.
Era preciso que as capitanias prestassem declarada obediência às Cortes de Lisboa, pois que isso
equivalia à diminuição da autoridade real e colocaria o rei na necessidade de regressar quanto antes à sede onde se achava o poder constituído, ao
qual os povos de ambos os hemisférios prestavam lealmente apoio.
Não poderia permanecer d. João num país cujos súditos lhe não reconheciam autoridade governamental
superior à que das Cortes Lusitanas promanavam. No afã de alcançarem seu objetivo, acenaram elas com esperanças risonhas e deslumbradoras promessas
aos crédulos habitantes da ex-colônia.
Chegaram mesmo a declarar expressamente elevadas à categoria de províncias as capitanias que se
manifestassem francamente solidárias com o governo constitucional; exigiram a pronta eleição e partida dos deputados brasileiros para tomarem parte
nos debates da Assembléia e nos trabalhos elaborativos do pacto político em estudos; e nas bases constitucionais, postas a vigorar provisionalmente,
enquanto se não fazia a Constituição definitiva, consignaram que elas só obrigariam os portugueses residentes nos reinos de Portugal e Algarves, que
estavam legalmente representados nas Cortes; quanto aos residentes nas outras três partes do mundo, só lhes tornariam comuns depois que seus
legítimos representantes declarassem ser essa a sua vontade (Art. 21, Seção II - Da Nação Portuguesa, sua Religião, Governo e Dinastia).
Assim, porém, que obtiveram a confiante adesão dos
brasileiros e que o pobre d. João, logo que desembarcou em Lisboa, foi convertido em prisioneiro do governo revolucionário, enfatuado e orgulhoso
com suas fáceis vitórias no ultramar, a conduta das Cortes com relação ao Brasil mudou inteiramente, como para diante se verá.
[...]
NOTAS:
[1] ROCHA POMBO (Hist. do
Brasil, vol. 7º, pág. 529), comentando os acontecimentos que precederam a revolução de 26 de fevereiro, escreve: "... Palmella, é claro, só teve
um alvitre a sugerir na acuidade da crise: o mesmo expediente pelo qual tinha insistido desde que chegara ao Rio. Aceitar abertamente, como causa
vitoriosa, a orientação de consciência nacional - era o caminho único a seguir. Reconhecer como autêntica para toda a monarquia a obra de que se
ocupam as Cortes de Lisboa - era a única forma de solução que se impunha".
Labora em estranho equívoco o eminente historiador pátrio. O alvitre de Palmella não foi pela
aceitação da Carta que as Cortes estavam fazendo. O que o atilado diplomata aconselhou ao rei é que ele de moto-próprio outorgasse ao povo uma
Constituição, cujas bases ele mesmo redigiu. Vencido, por Thomás António, que era contrário a que o soberano cedesse a mínima parcela de seu poder
absoluto e não concordavam com qualquer constituição, nem dada pelo rei, nem muito menos arranjada pelas Cortes - contentou-se Palmella, depois do
mau efeito produzido pelo decreto de 28 de fevereiro, em propugnar, mas sem resultado, por que d. João outorgasse ao Brasil uma Carta
Constitucional, pautada segundo o modelo inglês. O que ele nunca alvitrou, porém, foi a aceitação dos fatos consumados e a submissão do monarca à
obra das Cortes de Lisboa.
[2] GOMES DE CARVALHO - obr.
cit., págs. 45 e 47.
[3] ROCHA POMBO - Hist.
do Brasil, vol. 7º, pág. 526. VARNHAGEN - Obr. cit., pág. 65.
[4] Idem, ibidem.
[5] Obr. cit., pág. 55, 2ª
col.
[6] Idem, pág. 53, 2ª col.
[7] Obr. cit., pág. 67.
[8] BREVE HISTÓRICO DO
TEATRO DE S. PEDRO - Inaugurou-se em 12 de outubro de 1813, embora não estivesse totalmente acabado. Por ser dia de gala, comemorativo do
descobrimento da América, a Corte compareceu em peso. Constituiu-se o espetáculo do "drama lírico Juramento dos Nunes e da peça O combate
de Vimeiro".
Este histórico teatro foi edificado por um Fernando José de Almeida, vulgo Fernandinho; e conta-se
que nos seus alicerces empregaram-se pedras arrancadas à igreja que se estava construindo para Sé Catedral, no Largo de S. Francisco de Paula, pelo
que se vaticinou que não teria ele destino muito feliz - agouro que se cumpriu dez anos depois, na noite de 25 de março de 1824, na qual se
festejava brilhantemente o juramento da Constituição do Império. Um incêndio, que começou no palco, destruiu em duas horas o grande edifício, de que
só restaram de pé as paredes enegrecidas. O ator António da Bahia, protagonista da peça que se representava - Vida de S. Hermenegildo -,
bateu com o peito de encontro a uma parede, quando fugia, e disso veio a falecer mais tarde.
O trabalho cenográfico desse antigo teatro estava a cargo de Manuel da Costa, do excelente pintor
José Leandro de Carvalho, de quem noutro lugar já falamos, do pintor Debret, membro da Missão Francesa, e outros artistas de menos reputação. Tinha
três ordens de camarotes com 28 camarotes cada uma, e uma quarta ordem com 26. A platéia acomodava folgadamente 1.020 pessoas. O pano de boca
representava a entrada da Família Real no Rio de Janeiro, a 7 de março de 1808.
O Fernandinho, ao cabo de três meses, construiu em parte do terreno um outro teatrinho, com 24
camarotes e 150 cadeiras de platéia, deixando para melhores tempos a reedificação total do prédio incendiado, o que se verificou em 22 de janeiro de
1826, data em que foi entregue ao público, e na qual o seu reconstrutor foi condecorado pelo imperador com a Comenda da Ordem de Cristo.
Por um decreto anterior, de 15 de setembro de 1824, o teatro passara a denominar-se Imperial
Teatro de S. Pedro de Alcântara. Depois da festa inaugural de 22 de janeiro, fechou-se de novo o teatro para ser concluído, reabrindo-se em 4 de
abril de 1826, data natalícia da princesa dona Maria da Glória. Além de outros melhoramentos, fora colocado na sala de espetáculos um lustre de 102
luzes.
O ATOR JOÃO CAETANO - Mas o vaticínio de 1813 continuou a perseguir o teatro, que assentava sobre
pedras tiradas à Catedral, o que ao espírito supersticioso dos cariocas pareceu uma profanação e um sacrilégio. Em 8 de agosto de 1851 (o
Fernandinho já era morto e o teatro estava alugado ao grande ator nacional João Caetano), um novo e pavoroso incêndio, ocorrido pelas 3 1/2 da
madrugada, o destruiu inteiramente. João Caetano resolveu então reconstruí-lo, com o dinheiro que angariou entre assinantes de camarotes e cadeiras
para 400 récitas; e em 18 de agosto do ano seguinte, reabriu-o com o drama O Livro Negro. Nessa noite o insigne artista foi coroado em cena aberta
com uma coroa de ouro ornada de brilhantes e outra de prata.
As pedras roubadas sacrilegamente à Catedral em construção continuavam, porém, a clamar vingança;
e a 26 de janeiro de 1856, depois da récita em benefício da atriz Isabel Maria Nunes, um terceiro e terrível incêndio manifestou-se no mesmo lugar e
à mesma hora em que se dera o de março de 1851, reduzindo o edifício apenas às suas grossas paredes.
O teto e os camarotes abateram com formidável estrondo, e as chamas, subindo a grande altura,
iluminavam sinistramente a cidade e seus subúrbios, avermelhando o cabeço dos morros e refletiam-se com rubras tonalidades nas águas profundas da
baía. João Caetano não desanimou diante da fatalidade que perseguia o teatro de suas melhores glórias e, arranjando assinantes por 12 anos
consecutivos, reconstruiu-o ainda uma vez com o produto das assinaturas angariadas. Com a nova reconstrução, melhoramentos foram introduzidos que
aumentaram o conforto, a elegância e o relativo luxo do edifício (MOREIRA DE AZEVEDO - O Rio de Janeiro, vol. II, págs. 139 a 163).
[9] Clérigo secular e
bacharel em Cânones. Foi apresentado a 4 de novembro de 1805, confirmado por Pio VII em 1806 e sagrado em Lisboa, a 15 de março de 1807. Chegou ao
Rio a 25 de abril de 1808, tomou posse do bispado a 28 e fez sua entrada solene na Catedral a 13 de maio. Nomeado capelão-mor da Capela Real, por
carta régia de 3 de junho de 1808, foi deputado à Assembléia Constituinte, cuja presidência exerceu por alguns meses, e mais tarde senador pela
província de São Paulo. Faleceu a 27 de janeiro de 1833 (DR. MANUEL DE ALVARENGA - O Episcopado Brasileiro, pág. 49).
[10] É este na íntegra o
decreto: "Havendo eu dado todas as providências para ligar a Constituição que se está fazendo
em Lisboa com o que é conveniente ao Brasil, e tendo chegado ao meu conhecimento que o maior bem que posso fazer aos meus povos é desde já aprovar
essa mesma Constituição, e sendo todos os meus cuidados, como é bem constante, procurar-lhes todo o descanso e felicidade: hei por bem desde já
aprovar a Constituição que ali se está fazendo, e recebê-la no meu Reino do Brasil e nos domínios da minha Coroa. Os meus ministros e secretários
d'Estado, a quem este vai dirigido, o façam assim constar, expedindo aos tribunais e capitães-generais as ordens competentes. Palácio do Rio de
Janeiro, 24 de fevereiro de 1821" (Leis e Decisões do Brasil, vol. de 1820-1821, parte II, pág. 22).
[11] Obr. cit., pág. 67.
[12] Colleção de Leis e
Decisões do Brasil, vol. de 1820-1821, pág. 23.
[13] Colleção de Leis e
Decisões do Brasil, vol. de 1820-1821, pág. 23.
[14] MELLO MORAES - Obr.
cit., vol. 1º, pág. 56, col. 2ª, ROCHA POMBO - obr. cit., vol. 7º, pág. 531, nota.
[15] Obra citada.
[16] AUTO DO JURAMENTO
CONSTITUCIONAL - "Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1821 nesta cidade
do Rio de Janeiro em casa do Teatro, sala onde apareceu o sereníssimo sr. príncipe real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves d. Pedro de
Alcântara, onde se achava reunida a Câmara desta mesma cidade e Corte do Ri de Janeiro, atualmente, o mesmo sereníssimo sr. príncipe real, depois de
ter lido na varanda da mesma casa perante o povo e tropa que se achava presente, o real decreto de S. M. El-Rei nosso senhor de 24 de fevereiro do
presente ano, no qual S. M. certificou ao seu povo que jurará imediatamente e sancionará a Constituição que se está fazendo no Reino de Portugal.
"E para que não entre em dúvida este juramento e esta sanção mandou o mesmo sereníssimo sr.
príncipe real, para que em nome dele jurasse já no dia de hoje e nesta mesma hora, a Constituição tal e qual se fizer em Portugal. E para constar
fez este auto que assina o mesmo Senado e eu, António Martins Pinto de Brito, escrivão do mesmo Senado o escrevi, e assinei. - António Lopes de
Calheiros e Menezes - Francisco de Sousa de Oliveira - Luís José Vianna Gurgel do Amaral e Rocha - Manuel Caetano Pinto - António Alves de Araújo -
António Martins Pinto de Brito.
"No mesmo dia, mês e ano, e mesma hora, declarou o mesmo sereníssimo sr. Príncipe Real em nome de
El-Rei nosso senhor, seu augusto pai e senhor, que jurava na forma seguinte: 'Juro em nome de
El-Rei meu pai e senhor, veneração e respeito à nossa santa religião, observar, guardar e manter perpetuamente a Constituição, tal qual se fizer em
Portugal pelas Cortes'. E sendo-lhe logo apresentado pelo bispo capelão-mor o livro dos Santos
Evangelhos, nele pôs a sua mão direita e assim o jurou, prometeu e assinou: 'Como procurador
de El-Rei meu pai e senhor - príncipe d. Pedro de Alcântara'. E logo em seu próprio nome
tornou a jurar o príncipe deste modo: 'Juro em meu nome veneração e respeito à nossa Santa
Religião; obediência ao rei; observar, guardar e manter perpetuamente a Constituição tal qual se fizer em Portugal pelas Cortes. - Príncipe real d.
Pedro de Alcântara, infante D. Miguel'"
(MELLO MORAES - Obr. cit., vol. cit, pág. 22, col. 1ª).
[17] Diz MELLO MORAES (obr.
cit., vol. cit., pág. 58, col. 1ª) que nesse dia d. Pedro, na suas constantes galopadas entre S. Cristóvão e o Rocio, matou três cavalos.
[18] MELLO MORAES - Obr.
cit., vol. cit., pág. 56, 2ª col.
[19] Obr. cit., vol. 5º,
pág. 83.
[20] ROCHA POMBO - Obr.
cit., vol. 7º, pág. 533, nota 1.S.
[21] Obr.cit., pág. 13..
[22] ARMITAGE - Obr. cit.,
pág. 13.
[23] GOMES DE CARVALHO -
Obr. cit., pág. 49.
[24] ROCHA POMBO (obr.
cit., vol. 7º, pág. 534); PEREIRA DA SILVA (obr. cit., vol. 5º, pág. 84), e outros mais.
[25] MELLO MORAES (obr.
cit., vol. 1º, pág. 40) transcreve a notícia que a respeito publicou a Gazeta do Rio de Janeiro, no seu número 18, de 3 de março, na qual se
diz que "Sua Majestade não honrou com sua augusta presença o Real Teatro de S. João, mas renderam-se à sua efígie os devidos tributos de respeito e
veneração".
[26] VARNHAGEN - Obr.
cit., pág. 70.
[27] Entre outras coisas,
rezava o protesto da Junta, redigido, aliás, em estilo guindado e linguagem violenta: "Crê
o ministério que são tão baixos os poderes mentais dos brasileiros que não enxerguem o grosseiro artifício das suas tramas e dêem de cabeça baixa na
mais comum armadilha?... Em vez de uma representação verdadeiramente nacional, baseada sobre a população, extensão de território, ou valor de
contribuições - ressurgem de novo os nulos procuradores das nossas antiquadas Cortes expressamente reprovadas elas atuais de Portugal; e para maior
chacota apenas cabe este privilégio às cidades e às vilas que têm juízes letrados, como se as outras povoações não formassem parte do povo e não
devessem ser também representadas... Ainda era pouco semelhante encurtamento dos direitos do povo... uma comissão nomeada pelo Poder Executivo e
composta de homens entregues à facção ministerial, deveria sopear os humildes procuradores, e tolher-lhes o vôo...".
[28] VARNHAGEN - Obr.
cit., pág. 68.
[29] Reflexões sôbre o
Decreto de 18 de Fevereiro dêste anno, offerecidas ao Povo da Bahia, por PHILAGIOSOTERO. Bahia. Typ. da Viúva Serva de Carvalho. 1821. É um
opúsculo de 11 páginas, in-4º, do qual a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro possui um exemplar.
[30] É este, na íntegra, o
primeiro decreto de 7 de março de 1821:
"Tendo-se dignado a Divina Providência de
conceder, após uma tão devastadora guerra, o suspirado benefício da paz geral entre todos os Estados da Europa, e de permitir que se começassem a
lançar as bases da felicidade da monarquia portuguesa, mediante o ajuntamento das Cortes Gerais, extraordinariamente congregadas na minha muito
nobre e leal cidade de Lisboa, para darem a todo o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, uma Constituição política, conforme aos princípios
liberais, que pelo incremento das luzes se acham geralmente recebidos por todas as nações; e constando na minha real presença, por pessoas doutas e
zelosas do serviço de Deus e meu, que os ânimos dos meus fiéis vassalos, principalmente dos que se achavam neste reino do Brasil, ansiosos de
manterem a união e integridade da monarquia, flutuavam em um penoso estado de incerteza, enquanto eu não houvesse por bem declarar de uma maneira
solene a minha expressa, absoluta e decisiva aprovação daquela Constituição, para ser geralmente cumprida e executada, sem alteração nem diferença,
em todos os estados da minha real coroa, fui servido de assim o declarar pelo meu decreto de 24 de fevereiro próximo passado, prestando, juntamente
com toda a minha real família, povo e tropa desta corte, solene juramento de observar, manter e guardar a dita Constituição neste e nos mais reinos
e domínios da monarquia, tal como ela for deliberada, feita e acordada pelas mencionadas Cortes Gerais do reino; ordenando, outrossim, aos
governadores e capitães-generais, e autoridades civis, e militares e eclesiásticas em todas as mais províncias, prestassem e deferissem a todos os
seus súditos e subalternos semelhante juramento, como um novo penhor e vínculo que deve assegurar a união e integridade da monarquia.
"Mas sendo a primeira, e sobre todas essencial condição do pacto social, nesta maneira aceito e
jurado por toda a nação, dever o soberano assentar a sua residência no lugar onde se ajuntarem as Cortes, para lhe serem prontamente apresentadas as
leis que se forem discutindo, e dele receberem sem delongas a sua indispensável sanção, exige a escrupulosa religiosidade com que me cumpre
preencher ainda os mais árduos deveres que me impõe o prestado juramento, que eu faça, ao bem geral de todos os meus povos, um dos mais custosos
sacrifícios de que é capaz o meu paternal e régio coração, separando-me, pela segunda vez, de vassalos, cuja memória me será sempre saudosa, e cuja
prosperidade jamais cessará de ser em qualquer parte um dos mais assíduos cuidados do meu paternal governo.
"Cumpria, pois, que, cedendo ao dever, que me impôs a Providência, de tudo sacrificar pela
felicidade da nação, eu resolvesse, como tenho resolvido, transferir de novo a minha Corte para a cidade de Lisboa, antiga sede e berço original da
monarquia, a fim de ali cooperar com os deputados procuradores dos povos na gloriosa empresa de restituir à briosa nação portuguesa aquele alto grau
de esplendor, com que tanto se assinalou nos antigos tempos, e deixando nesta corte ao meu muito amado e prezado filho o príncipe real do reino
unido, encarregado do governo provisório deste reino do Brasil, enquanto nele se não achar estabelecida a constituição geral da nação.
"E para que os meus povos deste mesmo reino do Brasil possam quanto antes participar das vantagens
de representação nacional, enviando proporcionado número de deputados procuradores às Cortes Gerais do reino unido, em o outro decreto, da data
deste, tenho dado as precisas determinações para que, desde logo, se comece a proceder em todas as províncias à eleição dos mesmos deputados, na
forma das instruções que no reino de Portugal se adotaram para esse mesmo efeito, passando sem demora a esta corte os que sucessivamente foram
nomeados nesta província, a fim de me poderem acompanhar os que chegarem antes da minha saída deste reino, tendo eu aliás providenciado sobre o
transporte dos que depois dessa época, ou das outras províncias do Norte, houverem de fazer viagem para aquele seu destino. Palácio do Rio de
Janeiro, aos 7 de março de 1821". (Collecção de Leis e Decisões do Brasil - Vol. de
1820-1821, 2ª edição, pág. 58).
[31] Instrucções para
as eleições dos Deputados das Côrtes, segundo o método estabelecido na Constituição Espanhola, e adotado para o Reino Unido de Portugal, Brasil
e Algarves, a que se refere o decreto acima (Idem, pág. 60).
[32] Assim abre a aludida
representação: "Por via de embargos ao venerando decreto de 7 de março de 1821, e em
contrariedade do manifesto feito pelos portugueses europeus às cortes estrangeiras, com toda a submissão dizem os portugueses estabelecidos no
Brasil, por esta ou por outra melhor forma e via de direito. E. S. N.". E seguem-se os Provarás (MELLO MORAES - Obr.
cit., vol. 1º, pág. 42, col. 1ª).
[33] Provará XI
(MELLO MORAES - Obr. cit., pág. 43, col. 1ª).
[34] Idem XII (idem,
ibidem, pág. cit., col. 2ª).
[35] PADRE GALANTI - Obr.
cit., vol. IV, págs. 40 a 48; JOAQUIM MANUEL DE MACEDO - Obr. cit., págs. 285 a 288.
[36] Obr. cit., pág. 71.
[37] VARNHAGEN - Obr.
cit., pág. 45. |