Exílio nos Estados Unidos lhe rendeu carreira de
sucesso na Medicina
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria
48 anos depois, Thomas Maack é homenageado
Médico, professor e cientista esteve no navio-prisão Raul Soares durante a ditadura
Da Redação
Era para ser uma sessão rotineira na Câmara. Porém, diferente
de todas as quintas-feiras, a atenção dos presentes não estava voltada para os projetos de lei da pauta, mas para o grande homenageado da noite: o
médico, professor e cientista Thomas Maack, de 77 anos.
Ele esteve confinado por quatro meses de 1964 no navio-prisão Raul Soares. Detido no dia 8
de junho daquele ano por agentes do Departamento da Ordem Pública Social (Dops) e militares à paisana, foi trazido para Santos e levado à embarcação
sem que a família soubesse.
Este momento foi relembrado em seu discurso, na Câmara.
"Quando fui transferido para o navio-prisão Raul Soares, recusaram-se a dizer para minha
esposa onde eu estava. Em uma manhã, quando examinava um dos prisioneiros doentes, contei-lhe a necessidade que tinha de secretamente me comunicar
com minha esposa. Meu companheiro prisioneiro disse que iria consultar a direção de coletivo sindicalista preso no navio para ver o que poderia ser
feito. No mesmo dia, um membro da Polícia Marítima que nos guardava, mas simpatizava conosco, aparece na minha cela e diz
que levaria o recado para minha esposa. E assim o fez, trazendo de volta o recado dela para mim".
Maack destacou-se entre os presos em uma situação inusitada. Quando um dos detidos tentou
suicidar-se cortando os pulsos, ele prestou atendimento e aconselhou a remoção do ferido à Santa Casa. Desde então, passou
a assistir os detentos que adoeciam.
O Raul Soares tinha cerca de 150 presos políticos. A maioria era do movimento sindical
santista e de outras regiões do Estado. Havia ainda militares, jornalistas, estudantes e lideranças de várias áreas que se opunham ao Governo
Militar. A ditadura havia deposto o então presidente da República, João Goulart, em março de 1964.
Maack é alemão e veio ao Brasil com poucos meses de vida. Tem em sua memória lembranças marcantes
do navio-prisão. "As condições dos porões eram terríveis, as condições sanitárias, precárias. Isso me impressionou mais do que qualquer outra coisa.
Assim como me impressionou, por outro lado, a solidariedade dos trabalhadores nestas condições".
Após ser solto, o médico fugiu do País e, junto com sua mulher, Isa Tavares Maack, buscou exílio
em Nova Iorque, nos Estados Unidos, onde vive até hoje. Lá, tornou-se um dos principais especialistas em pesquisas médicas do mundo. Vem para o
Brasil esporadicamente e, quando o faz, recebe homenagens, como a de ontem, por iniciativa do vereador Marcus de Rosis (PMDB).
Gozando de plena saúde e mostrando um enorme desejo de justiça, faz um apelo para a Comissão
Nacional da Verdade (CNV), órgão que apura graves violações de Direitos Humanos, praticadas por agentes públicos, ocorridas entre 18 de setembro de
1946 e 5 de outubro de 1988.
"Acho que seria um erro crasso se a CNV não der ênfase aos anos iniciais da ditadura. Em dois anos
(1964 a 1966), mais de 10 mil trabalhadores foram presos, perderam seus empregos. Inúmeros foram exilados do País e centenas torturados. O papel
inicial da repressão ao sindicalismo foi exemplificado pela repressão ao sindicalismo santista, em nível mais alto do que em qualquer outro lugar do
Brasil. E teve sua expressão maior nas infâmias cometidas pela ditadura no navio-prisão Raul Soares. Queremos saber a verdade. Quem mandou o
Raul Soares para Santos? Qual foi a linha de comando? Se isso acontecer, ficarei muito feliz". |