Imagem: reprodução parcial da página, com o artigo de
Lídia Maria de Melo
A gratidão do médico Thomas Maack
Lídia Maria de Melo
Jornalista, professora do curso de Comunicação Social da
UniSantos, escritora e mestre em Ciências da Comunicação pela USP
A um jornalista cabe não apenas reportar informações. Sob sua
responsabilidade estão o registro de fatos históricos, a preservação e o resgate da memória. Por isso, é necessário voltar à sessão da Câmara de
Santos de 8 de novembro.
Nessa data, o médico Thomas Maack recebeu merecida homenagem, proposta
pelo vereador Marcus De Rosis. A honraria, ele dividiu com outros homens que, a exemplo dele, foram feitos prisioneiros políticos no navio Raul
Soares, no Porto de Santos, em 1964.
Por questões profissionais, não participei da noite solene. Mesmo assim, no discurso que proferiu,
Thomas Maack mencionou meu nome e o de meu pai, além de um dos meus livros e uma entrevista que fiz com ele há nove anos.
"Lídia Maria de Melo, escritora, jornalista, filha do falecido Iradil Santos Mello, meu
companheiro de prisão no Raul Soares, escreveu um livro profundo: 'Raul Soares, Um Navio Tatuado em Nós', que
retrata o que foi a repressão da ditadura – a repressão no Raul Soares - sob o ponto de vista de um trabalhador no Porto de Santos, de um
sindicalista e de sua família. Lídia foi a jornalista que em 2003 publicou a primeira entrevista comigo e fez conhecer ao povo santista o meu papel.
Pelo livro e pela entrevista, eu lhe devo uma profunda gratidão". Ele me enviou uma cópia do texto por e-mail.
O agradecimento, que acolhi com respeito e admiração, eu compartilho neste espaço, porque foi em
A Tribuna que publiquei, na edição de 2 de novembro de 2003, a entrevista citada na Câmara.
Intitulada "Thomas Maack, médico e preso do Raul Soares", a
reportagem ocupou a página A-4 na data em que fazia 39 anos que o navio fora rebocado de Santos. Pela primeira vez, a imprensa contava a história do
alemão que viveu no Brasil dos primeiros meses de vida até os 29 anos, mas, antes de obter a cidadania, teve que deixar o País.
Para viabilizar esse trabalho jornalístico, primeiro, pesquisei intensamente o paradeiro daquele
médico cujo nome eu conhecia desde criança. Entre 4 mil homônimos, localizei-o em Nova Iorque (EUA).
Para a entrevista, ele leu meu livro e, durante meses, mantivemos longas conversas diárias por e-mail.
Depois que redigi os textos, chegou o momento da edição. Nessa etapa, contei com a parceria do
diagramador Luiz Sérgio Moura. Publicada, a reportagem recebeu cumprimentos da Câmara e de leitores. Além de constar nos arquivos de A Tribuna,
está reproduzida no site Novo Milênio.
Em 20 de fevereiro de 2004, Thomas Maack esteve em Santos. Encontramo-nos em frente ao prédio da
Bolsa de Café. Era sexta-feira, véspera de Carnaval. A pedido dele, levei-o ao porto. Diante da
estação das barcas que fazem a travessia entre Santos e Vicente de Carvalho, ele viu o lugar onde o Raul
Soares permaneceu no canal do estuário, perto da Ilha Barnabé. Fiz fotos com uma máquina que ainda usava filme.
De lá, fomos ao Palácio da Polícia, na Rua São
Francisco. Ele só reconheceu o prédio onde funcionou o Dops, quando nos dirigimos à parte de trás. Ali, após o navio seguir para o Rio de
Janeiro, ele ficou preso até 15 de dezembro de 1964. Almoçamos no restaurante Vista ao Mar, na orla da praia, onde
lhe dei o livro "Um Jeito Santista de Ser", editado e ofertado pela Prefeitura.
Essa passagem de Thomas Maack pela Cidade só teve duas testemunhas: Artur Ribeiro, afilhado dele,
e eu, então editora do Caderno Local de A Tribuna. No dia seguinte, 21 de fevereiro, a coluna Dia a Dia deu a notícia em três
notas intituladas: "Sombras do passado", "Visita monitorada" e "Livro na bagagem".
A memória do ser humano pode falhar, mas o que um jornal publica permanece. Vira arquivo. Entra
para a História. |