Repressão ao contrabando
Embora toda a minha vida tenha sido pontilhada das mais incríveis aventuras, confesso
que, ao ser convidado pelo Governo para chefiar o Serviço Federal de Repressão ao Contrabando em São Paulo, jamais poderia imaginar que estivesse no
limiar de uma história, que me conduziria a um cárcere neste imundo navio-presídio onde me encontro.
Aproveitando pedaços de papel de embrulho, que outros presos políticos me enviam
através dos guardas, enquanto aguardo ser posto em liberdade - pois um dia terão de me soltar - escrevo meu depoimento sobre o golpe militar que
derrubou o governo do sr. João Goulart. Da mesma maneira como me apresentei à Justiça Militar e ao DOPS para esclarecer, informar ou explicar, não
falsearei a verdade sobre os acontecimentos em que fui envolvido.
Servi a um Governo legalmente constituído. Servi lealmente e não me arrependo de
minha atuação. Não me omiti na hora decisiva. Estive onde era o meu lugar e de cabeça erguida respondo por meus atos.
Existem homens que atravessam toda a existência pacatamente, sem participar de nenhum
fato que os faça fugir da rotina. Vivem uma vida apagada, formando a legião dos que acompanham, passivamente, a caminhada da Humanidade. Outros,
atraídos pelas circunstâncias para os episódios agitados da vida, são ativos participantes da História.
Integro os que formam este grupo e que atraem para si o perigo, estando sempre
envolvidos em acontecimentos violentos. Minha simples atuação como repórter policial no Brasil, ou como correspondente de guerra na Europa, Ásia e
África, prova que não sou dos felizes predestinados a uma existência calma.
Preso por autoridades militares da 4ª Zona Aérea, chego ao navio-presídio sem nenhum
abatimento por ter de pagar por um crime que me orgulho de haver cometido: o crime do cumprimento do dever, o crime da lealdade ao Governo sob cujas
ordens servia.
Eu jamais ouvira falar no tenente-coronel José Lemos de Avellar, chefe do
Departamento Federal de Segurança Pública, até o dia em que recebi, com surpresa, o telefonema de um amigo que me convidava para uma conversa com o
militar. O encontro deveria ter lugar imediatamente, isto é, cerca das 2 horas da madrugada de um dia de fevereiro. A primeira edição do Diário
da Noite já estava fechada e eu me preparava para deixar a redação. Pedi que me apanhassem na porta do prédio. Conversaríamos enquanto
tomássemos um café na Avenida São João. Quinze minutos após, o general Kival Saldanha, que eu já conhecia, desembarcava de uma "perua" em companhia
do amigo que me telefonara e me apresentava ao tenente-coronel José Lemos de Avellar e ao chefe de seu gabinete em Brasília, delegado Luís Paulo
Chaves.
O chefe do DFSP disse que precisava ter uma conversa comigo. Sugeri que fôssemos à
minha residência, onde poderíamos falar à vontade.
Entre um whisky e outro, depois de muitos rodeios, o tenente-coronel Avellar
surpreendeu-me com o convite: oferecia-me a chefia do Serviço Federal de Repressão ao Contrabando em São Paulo. Explicou que meu nome era indicação
de um grupo de militares nacionalistas.
Eu fizera, anteriormente, uma série de reportagens sobre o contrabando, chaga que, de
há muito, desgraça o Brasil. Para colher elementos que me permitissem comprovar a grande vergonha, percorri o País de Norte a Sul, seguindo pistas
que acabaram por me conduzir ao Mar das Antilhas. De passagem por Caiena, capital da Guiana Francesa, que, ao lado de Paramaribo, funciona como um
dos Q.Gs. mundiais do contrabando, fui preso pela polícia francesa e conduzido a um navio brasileiro. Depois de interrogado, fui violentamente
espancado, escapando de morrer unicamente por ter caído ao mar. Em meio a uma saraivada de balas, nadei como um desesperado até o mangue, nos lados
do bairro chinês, de onde saí encharcado e coberto de lama. No navio continuava o matraquear dos tiros em meio à noite sem lua, cuja escuridão foi a
minha salvação.
Rapidamente me dirigi ao Hotel "Montabo", onde apanhei meus pertences, retornando ao
centro da cidade. Depois de muito insistir junto a um contrabandista, hospedado no Hotel "Des Palmists" - propriedade de Yves Clair, grande agente
do contrabando internacional - consegui, mediante pesado pagamento em dólares, viajar para Paramaribo, num barco que fazia contrabando de
pimenta-do-reino do Norte do Brasil para a Guiana Holandesa.
Era minha intenção narrar os fatos e pedir proteção ao cônsul do Brasil para as três
Guianas, o qual mantém residência fixa em Paramaribo. Nada consegui, uma vez que nosso diplomata estava muito ocupado, cuidando da instalação de uma
companhia de transportes aéreos de sua propriedade. Mesmo assim, escapei das Guianas e atingi Belém do Pará, onde fui encontrar, na Rua Serzedelo
Correia, n. 92, um recado de meu companheiro, Norberto Estêves, que havia viajado para Manaus, avisando-me para sair da cidade imediatamente, pois
alguns contrabandistas procuravam-me para regar meu corpo, liberalmente, com uma rajada de 45.
Escapei. De volta a São Paulo, escrevi uma série de reportagens, publicadas nos
"Associados" de todo o Brasil, que abalou o mundo dos gangsters de casaca.
Era o motivo, meditava eu, pelo qual me convidavam para assumir a chefia da
repressão. Coragem e bom-senso para enfrentar as responsabilidades, que iriam surgir quando no desempenho do importante posto, não me faltavam.
Mesmo assim, hesitei em dar a resposta.
Meditei alguns minutos e, por fim, rompi o silêncio. Disse ao tenente-coronel que não
gostaria de ocupar o cargo. Preferia permanecer em minha banca de jornalista. Faria o possível, contudo, para dar cobertura ao homem que viesse a
ser nomeado para o importante setor. Cheguei mesmo a sugerir, para ocupar o cargo, o nome do delegado Newton Quirino, autoridade íntegra e profundo
conhecedor do assunto.
O coronel Avellar e seus acompanhantes saíram de minha residência cerca das 5 horas
da manhã e, ainda na porta, pediu-me para pensar melhor no convite. Voltaria a me procurar para receber resposta definitiva.
Comentei o caso com amigos mais íntimos dos "Diários Associados". Alguns eram de
opinião que eu deveria aceitar, desde que tivesse carta branca para agir; outros diziam que eu agira bem não me transformando em funcionário
público. Os dias foram se passando e o convite já estava praticamente esquecido, quando, logo após o carnaval, à noite, recebi novo telefonema de
Luís Paulo Chaves, convocando-me para um encontro no "Hotel Lord", à Rua das Palmeiras, onde estava hospedado o tenente-coronel Avellar, que acabara
de chegar a São Paulo para cuidar da criação da Divisão de Polícia Marítima, Aérea e Terrestre, subordinada ao Departamento Federal de Segurança
Pública.
Tal Polícia já existia, indevidamente subordinada aos governos estaduais. Sua
transferência para o Ministério da Justiça iria levar a presença do Governo Federal a todas as unidades da Federação. A despeito da celeuma que tal
mudança de jurisdição causou, o presidente da República nada mais fazia do que cumprir dispositivos legais, pois a própria Constituição Federal, em
seu artigo 5º, diz que "Compete à União superintender, em todo o território nacional, os serviços de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras".
O tenente-coronel Avellar, depois de breve exposição sobre a situação nacional, disse
que o Governo Federal estava em vias de intervir na Força Pública de São Paulo, milícia com a qual o sr. Adhemar de Barros vivia fazendo ameaças de
revolução. O Governo já havia federalizado a Polícia Marítima e o chefe do DFSP se encontrava em São Paulo para dar posse ao seu novo diretor.
Os elementos de tal Polícia, em grande parte marginais nomeados pelo governador
paulista, que procurava formar um pequeno exército de mercenários, não seriam recebidos nos quadros do funcionalismo federal. Permaneceriam como
funcionários estaduais, devendo integrar os quadros da Força Pública ou da Guarda Civil, corporações que se negavam a recebê-los para aumentar os
seus efetivos, em virtude de seus antecedentes.
O governador ameaçava formar um "Batalhão da Orla Marítima" com esses homens, mas o
ministro da Justiça o advertira, por intermédio do general Aldévio Barbosa Lemos, secretário da Segurança Pública de São Paulo, mostrando ser isso
inconstitucional. O chefe da nação não permitiria a criação de semelhante unidade militar e interviria na Força Pública paulista, caso se formasse o
batalhão naval.
O estremecimento entre o poder central e o poder estadual, longe de ser superado, dia
a dia mais se agravava. O Governo Federal cuidava de melhorar o nível de vida do povo, através de leis de combate à carestia, à usura, à exploração
em geral. O governo paulista, representado pelo sr. Adhemar de Barros, símbolo da corrupção nacional, mostrava-se intransigentemente contra as
reformas de base, contra as medidas de emancipação política e econômica de nosso país. Colocando lenha na fogueira, que de há muito crepitava,
estava Leonel Brizola, deputado federal eleito com 300 mil votos, cunhado do sr. João Goulart, agitando o País, investindo contra a espoliação que o
capital estrangeiro praticava entre nós.
Feita a exposição, o tenente-coronel Avellar perguntou de chofre: "Você é homem de
experiência e diz amar o seu país. Pois prove isso aceitando o cargo para o qual altas patentes do Exército o indicaram. Ajude-nos a lutar por um
Brasil melhor".
Fiquei aturdido.
Ante tal argumento, não sabia qual resposta dar. O chefe do Departamento Federal de
Segurança Pública continuou a falar. Acrescentou que a repressão ao contrabando seria apenas uma gota de água em relação ao que poderíamos fazer no
campo da sonegação de impostos. O Serviço Federal de Prevenção e Repressão aos Crimes contra a Fazenda Nacional - órgão conhecido apenas por Serviço
de Repressão ao Contrabando - deveria cuidar, principalmente, da sonegação de impostos. No ano anterior, em 1963, os cofres da Nação haviam sido
lesados em bilhões de cruzeiros e para o ano em curso os técnicos previam uma sonegação da ordem de três trilhões e duzentos bilhões de cruzeiros!
Com esse dinheiro, o Governo poderia saldar muitas de nossas dívidas externas e, ainda, construir escolas, hospitais e estradas.
Perguntei, na hipótese de aceitar, se teria carta branca para agir, pois de forma
alguma submeter-me-ia a injunções políticas. Ante a resposta afirmativa do chefe do DFSP, decidi-me: aceitava o cargo. Dentro das limitações legais,
faria o possível para que o importante setor funcionasse a contento.
O responsável pela Polícia Federal pediu que eu marcasse data para minha posse. Para
sua surpresa, respondi que assumiria imediatamente. Eram 3 horas da madrugada. A posse foi marcada para as 4 da tarde.
Logo cedo, Luiz Paulo preparou o ato de posse. O chefe do gabinete do tenente-coronel
Avellar telefonou para o sr. Alberto Quartim, chefe nacional do serviço para o qual eu fora escolhido para o setor de São Paulo.
Este, colocado no cargo pelo ex-ministro da Fazenda Carvalho Pinto, disse que não
iria à minha posse. Era contra minha nomeação, pois vinha lutando, com unhas e dentes, para dar o cargo a um seu parente, o delegado Antônio Morais
Sales, da Polícia paulista, envolvido, certa feita, em roubo de peças de um inquérito policial. Chegou a ameaçar pedir demissão caso eu fosse
nomeado.
O sr. Luís Paulo respondeu que tanto o chefe do DFSP como o ministro da Justiça
aceitariam a renúncia de bom grado. O pedido foi formulado por escrito e prontamente despachado favoravelmente.
Às 16 horas, no salão nobre da Caixa Econômica Federal de São Paulo, com a presença
de altas autoridades federais e estaduais e a imprensa, rádio e televisão de São Paulo, fui empossado. Mal terminada a cerimônia, subi ao oitavo
andar, onde funcionava o serviço. Fui recebido pelo delegado de polícia Rubens Cardoso de Melo Tucunduva, que respondia pela repartição em virtude
de doença de seu titular, o general Damião de Carvalho.
A primeira grande decepção sofri ao ver as instalações do importante serviço. Tudo
funcionava em duas pequenas salas cedidas pela Caixa Econômica, numa das quais estavam também os arquivos dos funcionários da autarquia. Uma máquina
de escrever, um cofre com dezesseis mil cruzeiros em seu interior, um furador de papel, um armário de aço, papéis timbrados do Ministério da Justiça
e uma "perua" constituíam todo o acervo da repartição.
No serviço estavam lotados cinco funcionários: dois agentes da Polícia Federal, duas
senhoras, escriturárias e um escriturário do Ministério do Trabalho, emprestado ao SFPR. Os demais eram funcionários da Polícia paulista,
requisitados pelo chefe do serviço ao secretário da Segurança Pública.
Alguns de meus antecessores preferiam que ali estivessem lotados poucos funcionários.
Sendo poucos, não poderiam dificultar a atuação do chefe do setor, caso este quisesse permitir a passagem de caminhões transportando contrabando
pelas estradas. Estranhei uma portaria existente vedando, ao guarda rodoviário, vistoriar caminhões na estrada com vistas ao transporte de
contrabando. Outra impedia aos sargentos da Força Aérea, que serviam nas torres dos campos da aviação comercial, apreenderem contrabando. Desde logo
me dispus a revogar tais portaria e a solicitar a colaboração de todos, sem o que não seria possível um combate eficiente aos contrabandistas.
Perguntei qual a verba existente para o serviço, especialmente para a manutenção da
viatura. Os funcionários explicaram que o chefe do setor deveria cuidar disso com dinheiro de seu bolso. Meus antecessores usavam, para esse fim,
parte das comissões recebidas nos leilões das mercadorias apreendidas.
Pedi ao tenente-coronel Avellar uma verba, pois não poderia cuidar da manutenção da
"perua", uma vez que não iria aceitar os 35% de comissão que a lei concede aos apreensores de mercadorias estrangeiras que entram ilegalmente em
nosso país. O chefe do serviço, por lei, tem direito a participar nas comissões de todas as apreensões feitas por seus agentes, motivo pelo qual era
sempre ele quem cuidava do combustível para a viatura.
Informei ao chefe do DFSP - e dei divulgação pelos jornais e pela televisão - que
todas as comissões, que viessem a me caber por lei, poderiam ser retiradas da Recebedoria Federal por um procurador da Santa Casa de Misericórdia de
São Paulo.
Nos dias subsequentes, enquanto fazia apreensões de mercadorias de toda espécie em
depósitos clandestinos, procurava melhor montar o serviço.
Meu cargo, de confiança do Governo, em comissão, indicava sua natureza temporária,
mas eu estava decidido a exercê-lo na plenitude de suas prerrogativas. Estive em conferência com o sr. José Burle, diretor da Recebedoria Federal em
São Paulo, e este me disse que seus fiscais, não raro, eram maltratados por comerciantes, geralmente estrangeiros, que pouca importância davam às
leis do País.
Coloquei a Polícia Federal à sua disposição. Qualquer fiscal da Recebedoria Federal
que fosse destratado, poderia me telefonar que eu mandaria, imediatamente, buscar preso o comerciante. Era preciso, dentro da Lei, fazer valer o
princípio de autoridade.
Numa grande casa comercial da Avenida Paulista meus agentes foram barrados pelo
proprietário, o qual se negava a exibir as notas fiscais da mercadoria estrangeira em depósito. Atrapalhados, os policiais me telefonaram, pedindo
instruções. Mandei que aguardassem no local e enviei ao inspetor João Arruda Filho, que chefiava a diligência, o seguinte memorando:
"Use o máximo rigor na fiscalização. Examine tudo. Caso o comerciante não queira
exibir a documentação solicitada, apreenda tudo, mesmo que tenha que desmontar até as prateleiras, só deixando os tijolos da parede. A lei tem que
ser cumprida e o será. (as.) Nelson Gatto".
É escusado dizer que, à vista de tal memorando, o comerciante facilitou em tudo a
missão dos agentes da fiscalização.
Em uma semana, eu já tinha produzido mais do que outros que ocuparam o cargo por
longos meses. Depois de muita luta, consegui do sr. Favorino Rodrigues do Prado, presidente da Caixa Econômica Federal, um prédio na Rua Roberto
Simonsen para instalar condignamente a repartição. E isso sem nenhum ônus para o Estado.
Móveis de aço, mesas, arquivos, tudo consegui em repartições federais, a título de
empréstimo, transportando para o prédio de 4 andares cedido à União. De meu próprio bolso, gratifiquei os pintores da Caixa Econômica, que
trabalharam durante toda a Semana Santa na pintura do prédio. Um amigo meu de longa data, agente da Polícia paulista, pagou a instalação de todas as
fechaduras nas portas internas do prédio. Eu o queria por empréstimo do Governo do Estado, para ser o encarregado dos agentes federais. Com esse
fim, mantive longa entrevista com o general Aldévio Barbosa Lemos, que opôs toda sorte de dificuldades para cedê-lo, alegando o estremecimento entre
o Governo Federal e o Estadual.
Para suprir a falta de funcionários, o jornalista Otávio Júlio Silva, funcionário do
Ministério da Agricultura, requisitado e cedido para trabalhar na repressão ao contrabando, batia, diariamente, numerosos ofícios a repartições
federais, pedindo este ou aquele servidor.
O serviço ia sendo montado e apreensões vultosas realizadas. Como eu prometera em meu
discurso de posse, não fiz nenhuma diligência em pequenas casas comerciais. Que me adiantaria apreender cigarros americanos em charutarias da zona
central da cidade quando o grande contrabando continuava entrando por todos os lados? Eu queria deitar a mão nos contrabandistas de cartola, nos
verdadeiros responsáveis pela chaga virulenta, atingindo, assim, as piranhas que pululam ao redor de tais tubarões.
Travei luta árdua com a Recebedoria Federal, órgão que dificultava em tudo a atuação
dos agentes encarregados da repressão. Um dos funcionários da Recebedoria - um simples tesoureiro, mas que sempre se portou como "dono" da
repartição arrecadadora - João de Abreu Pinheiros, exigia que comunicássemos, antecipadamente, qualquer diligência, sem o que procurava tirar o
valor legal das apreensões.
A propósito deste Pinheiros, fui procurado em minha repartição por Isac Lipel, o qual
afirmou que o funcionário era ligado a quase todos os contrabandistas de São Paulo e propusera-lhe serem sócios na indústria de contrabando. Isac
entraria com o dinheiro e Pinheiros se encarregaria de tornar "legal" o contrabando, fosse ele qual fosse.
O que ocorria com os leilões, então, era uma vergonha. Apenas seis ou oito
contrabandistas, ligados a Pinheiros, eram avisados da data dos leilões. Mediante combinação prévia, faziam os lances que bem entendiam. Adquiriam
no leilão um número X de determinada mercadoria e, mediante notas fiscais fornecidas pela Recebedoria Federal, vendiam quantidade dez vezes maior do
que em verdade arrematavam.
Organizei um organograma para perfeito funcionamento do serviço, com vários
departamentos e respectivas chefias, subordinadas, todas, ao chefe geral.
Para maior rendimento, meu serviço necessitava de mais homens. O tenente-coronel
Avellar prometeu-me enviar muitos agentes da Polícia Federal que queriam servir em São Paulo. Para contornar o problema de moradia, autorizou que eu
fizesse a indicação de alguns elementos de São Paulo que seriam prontamente nomeados sargentos-detetives da Polícia Federal.
Tive vários encontros com o ministro Abelardo Jurema, o qual se mostrava satisfeito
com minha atuação. Quando de sua conferência na Faculdade de Direito de São Paulo, fui encarregado de sua segurança, para evitar a repetição de
fatos desagradáveis, como acontecera com o sr. João Pinheiro Neto, responsável pela SUPRA, apedrejado por desordeiros e impedido de falar no Largo
de São Francisco. Por contar com poucos agentes, recebi, do comando do II Exército, alguns sargentos da P. E. que, em trajes civis, auxiliariam a
proteger o ministro.
O sr. Abelardo Jurema, atendendo à minha solicitação, não entrou pela porta lateral
da Faculdade, como queriam alguns estudantes e o DOPS de São Paulo, mas sim pela porta principal, a única digna de dar entrada a um ministro de
Estado. Felizmente nada ocorreu de desagradável e naquela madrugada, ao embarcar no avião que o levaria ao Rio de Janeiro, o sr. Abelardo Jurema me
abraçava agradecido.
Na semana anterior à Semana Santa, o chefe do DFSP esteve em São Paulo e pediu que eu
fosse em sua companhia até Santos, onde iria cuidar de problemas da Polícia Marítima. Durante o almoço, o tenente-coronel Avellar falou longamente
sobre os planos do Governo, de combate à carestia. Nesse sentido foi criado o Codep - Comissariado de Defesa da Economia Popular - com a missão de
defender a economia popular em todo o território nacional. Pelo decreto que criara o Codep, subcomissariados seriam instalados nas capitais dos
Estados e a ação repressora aos exploradores da economia popular iria fazer-se sentir em larga escala. Os comerciantes brasileiros que
desrespeitassem o tabelamento de gêneros seriam presos e processados com rigor. Os estrangeiros, presos em qualquer ponto do território nacional,
seriam prontamente enviados em aviões da FAB para a ilha das Flores, onde aguardariam formação de processo de expulsão do País.
Estávamos na sobremesa quando o chefe do DFSP deu-me a notícia: em reunião que tivera
com o ministro Abelardo Jurema, ficou assentado que eu passaria a chefiar, também, o Comissariado de Economia Popular em São Paulo. Para levar a
cabo a missão, pedi o concurso de quatro delegados de Polícia, seis escrivães e cem agentes, com o que concordou prontamente o tenente-coronel
Avellar.
O presidente João Goulart, que demonstrava excepcional carinho às classes menos
favorecidas, juntamente com a criação do Codep baixara decretos obrigando a fabricação de sapatos e tecidos populares, exigindo a fixação dos preços
nos rótulos dos remédios, bem como disciplinando o uso dos livros escolares. O chefe da Nação sabia que a angústia, as aflições do povo, exigiam
soluções a curto prazo. E era o que ele estava disposto a fazer, mesmo que tivesse que colocar em segundo plano as reformas de base e a substituição
das velhas e arcaicas estruturas.
Ficou assentado que o Comissariado seria instalado em São Paulo logo na primeira
semana de abril.
Organizei um organograma para
funcionamento do Serviço de Repressão ao contrabando. Funcionando de maneira racional, o importante setor logo começaria a produzir o que seria de
se esperar
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