Anúncio de refrigerador a querosene publicado na revista carioca O Cruzeiro em
17/12/1955
Imagem: Nosso Século/100 Anos de Propaganda, Ed. Abril Cultural, S.Paulo/SP, 1980
Geladeira em demonstração
Nos anos 50, ninguém comprava um rádio, uma máquina de
costura e mandava entregar. Primeiro você mandava em demonstração. Ficava uma semana para experimentar, depois o vendedor voltava: "O senhor
gostou?"
Eu mesmo, quando era mocinho, passei por uma situação dessas: a primeira geladeira
elétrica fabricada no Brasil quem fez foi a Multibrás. Uma vez eles mandaram duas delas para Santos: uma ficou na casa de um chefe do escritório e a
outra foi para a minha casa geladeira bonitinha, engraçadinha, de seis pés cúbicos.
Ficou lá, funcionou bem e, na hora de levar embora, eles ofereceram: "Olha, vamos
fazer um preço especial. O senhor quer ficar com ela?" Perguntei para o meu pai e ele foi contra: "Está louco! As crianças aí vão ficar chupando
gelo, vai ficar todo mundo doente. Manda embora essa geladeira!"
Novas lojas - A partir dos anos 50, novos produtos eram postos à venda no
mercado brasileiro, ligados às inovações tecnológicas e à expansão do american way of life no pós-guerra. Tarefas que até então exigiam
trabalho mecânico e cansativo agora eram executadas por motores elétricos, aumentando a comodidade no lar: batedeiras de bolo, liquidificadores,
enceradeiras, máquinas de lavar roupa faziam a alegria das donas de casa da nascente classe média.
Para vender esses produtos, ao lado do tradicional comércio de roupas, jóias, porcelanas,
cristais etc., surgem grandes lojas de eletrodomésticos, amplas, iluminadas, modernas, lojas de um novo tempo.
Dentre os novos produtos à venda havia um que era uma novidade absoluta: o aparelho de
televisão. Os sinais da pioneira TV Tupi de São Paulo foram, desde o seu início, em 1950, precariamente captados em Santos,
assim como os sinais das emissoras paulistanas que se seguiram (TV Paulista, canal 5, e TV Record, canal 7). Essa precariedade não impediu, porém,
que já em 1956 houvesse mais de 4 mil aparelhos de televisão na cidade.
Em 1957, mesmo ano em que se instalam na Serra do Mar novos retransmissores para
melhorar a imagem nas telas litorâneas, surge a primeira emissora santista: a TV Santos, canal 5, iniciativa da tradicional
Rádio Clube de Santos PRB-4 em associação com as Organizações Victor Costa (dona da TV Paulista). Inaugurada em 15 de novembro de 1957, a TV
Santos popularizou ainda mais o uso da televisão à beira-mar. Não por acaso, um dos programas de estréia da nova emissora tinha o nome de "Discopa
Musical", patrocinado pela maior loja de eletrodomésticos da cidade.
Anúncio de refrigerador GE publicado na revista carioca O Cruzeiro em
13/12/1941
Imagem: Nosso Século/100 Anos de Propaganda, Ed. Abril Cultural, S.Paulo/SP, 1980
De novo atrás do balcão - Quando meu pai veio de Ourinhos para Santos, ele
tinha resolvido ter o próprio negócio e foi ser leiteiro de porta em porta. E foi aí que eu nasci, porque minha mãe era empregada doméstica de uma
das casas que ele atendia. Eles se conheceram, se casaram e eu fui o primeiro filho. Minha infância foi comum: jogo de pedrinha, futebol, praia.
Naquele tempo tinha muito terreno, muita goiabeira.
Quando eu era maiorzinho, lembro que ia bastante ao Cine Campo
Grande. Eu levava uns mil réis, não sei, gastava 70 centavos para ver a matinê e depois, com os 30 centavos que sobravam, eu comprava um gibi
velho e tomava um sorvete lá no seu Leonel.
Eu me lembro com muita doçura do meu avô ele era balanceiro na Companhia Docas. A
gente morava num chalezinho na Rua Paraíba e ele trabalhava no Armazém 19, bem longe dali. Para economizar passagem de bonde, ele vinha a pé do
trabalho, e eu lembro que quando a minha avó estava com a mesa posta, ele despontava na linha da máquina. Nessa hora ela já preparava o prato, não
podia perder tempo. Ele chegava era um homem muito tranqüilo, muito silencioso , sentava, tomava aquele pratinho de sopa, não falava nada. E o
hábito: a minha avó punha uma banana do lado do prato de cada um. Ele acabava de almoçar, comia a banana, saía e dava uma voltinha, assim, no
terreno. Era bem rápido; depois botava o chapeuzinho dele e ia embora.
Em termos de trabalho, o grande sonho da época era conseguir um emprego como
comissário de café. Esse pessoal ganhava muito dinheiro, tinha gratificações monumentais, mas eu nunca consegui me colocar. Acabei começando a vida
numa empresa de transportes e depois fui entregador de cartas no Banco Auxiliar de São Paulo e responsável pela carteira de cobrança do Banco
Português.
Publicidade da casa Discopa em 1950
Imagem: Guia dos Veranistas, 1950, Org. Catanduva Publicidade, Santos/SP
Naquele
tempo havia uma empresa aqui em Santos, na Rua São Francisco, que se chamava Discopa - Distribuidora Comercial Paulista,
e nós recebemos a visita de um gerente dessa empresa. Ele estava procurando uma pessoa para organizar o crédito e a cobrança e foram convidar um
português que estava no banco há muitos anos, mas ele não quis e indicou o meu nome.
Cheguei para a entrevista e esse senhor da Discopa disse assim: "Olha, eu preciso disso,
disso e disso, você faz?" Eu digo: "Eu faço." "Olha, mas eu preciso também que tenha na minha mesa todo dia a posição do que está disponível,
carteira, tal, o senhor faz?" "Faço." "Eu quero saber o que tem disponível para descontar com os bancos, o senhor faz?" "Faço." "Quero saber o que
está perdido, o que está inadimplente, o senhor faz?" "Faço." Tudo que ele perguntava eu dizia que fazia.
Aí ele terminou a entrevista: "Olha, tudo que eu te falei até agora o senhor diz que
faz, mas se o senhor não fizer eu mando embora. O senhor faz mesmo?" E eu digo: "Faço." Aí fomos acertar o salário e ele me ofereceu menos do que eu
esperava. Então foi a minha vez de falar: "Eu vou fazer o trabalho que o senhor está me pedindo, só que não aceito esse valor que o senhor quer me
pagar".
O fim da história foi que eu entrei nessa empresa no dia 27 de fevereiro de 1951 e
fiquei lá até 1963. Fui gerente comercial, fiz crédito, fiz cobrança, fiz propaganda, fiz parte financeira, fiz tudo lá.
Na Discopa, nós vendíamos automóveis e eletrodomésticos, e aquele tempo foi uma fase
áurea de vendas. Naquela época, por exemplo, ninguém tinha geladeira elétrica, o que tinha era um armário de madeira, forrado com folha de zinco; em
cima tinha uma portinha, embaixo umas prateleirinhas: era a geladeira de gelo. Tinha o caminhão do geleiro que passava todo dia: ele te vendia um
pedaço e você punha o gelo no compartimento de cima; enrolava em jornal, em pano, para não derreter, e depois colocava os pratinhos com a comida no
compartimento de baixo. Os fogões eram a carvão, tinha a querosene, era querosene marca Jacaré, e tinha também um gaseificado, que era mais
evoluído.
Por outro lado, o início do eletrodoméstico foi penoso, porque as pessoas mostravam
uma certa desconfiança em relação aos aparelhos. Na fase da máquina de costura, por exemplo, aconteceu um caso assim: nós tínhamos aquelas máquinas
antigas, cabeçote com móvel de cinco gavetas, pedal embaixo, e nós, querendo inovar, importamos umas máquinas americanas. Uma máquina bonita,
gabinete reto, o nome era New Home.
Lindona, viu? Pusemos a máquina na loja e nós tínhamos um vendedor, um senhor antigo,
o seu Abreu, e nós perguntamos a ele: "Seu Abreu, o que o senhor achou da New Home? Ele olhou a máquina, olhou, olhou: "Isso não vende". Nós ficamos
surpresos: "Mas como que não vende, seu Abreu? Uma máquina elétrica, moderna, bonita". Sabe o que aconteceu? Um encalhe total. Então havia
muita resistência, as pessoas preferiam o tradicional.
Outra coisa eram as dificuldades técnicas. Eu me lembro do primeiro televisor que
apareceu na loja. A Antárctica punha lá a imagem do guaraná e, à noite, sentavam-se ali de vinte a trinta pessoas para ver aquele guaranazinho
parado, encantados de ver uma imagem que vinha de São Paulo. Cada tevê que você vendia, ia um cara com o equipamento completo, antena, cano, fios,
isoladores e punha a antena. E isso para ver umas fagulhas, uma imagem ruim.
Anúncio em 1958 já dava a opção: geladeira elétrica ou a querosene
Imagem: Almanaque Eu Sei Tudo - 1958, Cia. Editora Americana, Rio de Janeiro/RJ
E a geladeira? Sabe o que tinha que fazer quando quebrava um trinco de geladeira? Você
pegava o trinco velho, fazia uma fôrma de argila pelo trinco velho, derretia o metal, jogava na fôrma, fundia uma peça igual, tirava a peça, lixava,
polia, cromava e remontava o trinco. Isso era o eletrodoméstico naquela época.
Em 1963, um grupo resolveu abrir uma empresa de eletrodomésticos e eu fui convidado
para fazer parte da sociedade. Como era uma situação vantajosa, melhor que a que eu tinha na Discopa, aceitei. A firma se chamava Domus e ficava ali
na General Câmara, 34. A Domus foi como um filho para mim, um filho que você cria desde pequenino e vai moldando segundo as suas informações. Era
uma empresa bonita, com uma clientela maravilhosa, o único problema é que a minha parcela era só de 10%, então eu nem me considerava propriamente um
sócio e sim um comerciário de luxo.
Nunca tive problemas com ninguém, tanto que fiquei lá por 33 anos, só que quando você
tem plena liberdade de pôr suas idéias em prática é melhor. Foi por isso que eu deixei a sociedade em 1996 e, aos 64 anos, parti para uma nova
aventura: a Denovo.
Aí eu comecei a trabalhar com meus três filhos e, apesar da conjuntura, apesar das
dificuldades, nós conseguimos nos firmar. Nós abrimos lojas no Centro, no Gonzaga, no Shopping Praia Mar. Temos também em São Vicente, na Praça
Barão do Rio Branco; na Praia Grande, na Avenida Costa e Silva, e pretendo agora abrir uma loja nova em Vicente de Carvalho. Quando comecei com a
Denovo, eu estava velho, mas foi aí que eu realizei um sonho antigo, o sonho de ter uma empresa da qual eu pudesse dizer: é minha.
Nascido em 1932. Discopa, Domus e Denovo
Terminada a guerra, a General Motors reconverte sua fábrica de geladeiras Frigidaire e
reinicia
a exportação para o Brasil. Anúncio publicado na revista carioca O Cruzeiro em
24/10/1945
Imagem: Nosso Século/100 Anos de Propaganda, Ed. Abril Cultural, S.Paulo/SP, 1980
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