Estudo avaliará viabilidade da rede hidrográfica para o transporte de passageiros
Há pelo menos dois anos, autoridades da região e dos governos estadual e federal tentam encontrar um modo de aproveitar as vantagens da geografia local com
seus vários rios e braços de mar. O objetivo é criar um sistema hidroviário integrado e sustentável para promover transporte público de passageiros, movimentar cargas e fomentar o turismo. Por enquanto, os trâmites estão em estágio inicial.
Após a conclusão dos estudos técnicos, implantação das hidrovias demandará investimentos e mais intervenções do homem na natureza
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria, na página A-1
Estudo vai dizer se é viável usar o transporte pelos rios
Ideia é criar um sistema hidroviário integrado para levar pessoas e cargas, além de mostrar as belezas naturais
Alcione Herzog
Da Redação
Navegar é preciso, já dizia Fernando Pessoa (1888-1935), no início do século passado, em referência à
condição humana e aos exploradores portugueses que desbravaram os mares.
Quase 100 anos depois, do outro lado do Atlântico, mais precisamente na Baixada Santista, a frase do escritor lusitano nunca soou tão atual. Há pelo menos dois anos, autoridades da região e dos governos estadual e federal tentam encontrar um modo
de aproveitar as vantagens da geografia local com seus vários rios e braços de mar.
O objetivo é criar um sistema hidroviário integrado e sustentável para promover transporte público de passageiros, movimentar cargas e fomentar o turismo na região.
Por enquanto, os trâmites estão em estágio inicial e nada de prático foi feito. O que há de certo é que o Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista (Condesb) investirá na contratação de um estudo de viabilidades técnica, econômica e ambiental
sobre o assunto.
Para isso, foi criada, em maio de 2011, a Câmara Temática Especial do Sistema Hidroviário Regional no Condesb. No ano anterior, a Codesp elaborou e apresentou um relatório sobre as vocações e necessidades de melhoramentos dos 200 quilômetros de
rios.
Durante dois dias, A Tribuna percorreu cerca de 50 quilômetros de rios e canais que podem servir de hidrovias. No dia 9, a equipe navegou o Rio Casqueiro, em Cubatão, com destino
a São Vicente, pelo Mar Pequeno. No mesmo dia, foi da Ilha Caraguatá, em Cubatão, até o Parque Continental, na Área Continental de São Vicente, pelo
Rio Mariana.
Na quarta-feira, o trajeto foi no outro extremo da Ilha de São Vicente, com saída da Ponta da Praia, em Santos, e chegada em Bertioga, passando pelo Estuário
e pelo Canal de Bertioga.
Em ambos os roteiros, foi possível constatar belezas naturais intocadas em contraste com ocupações desordenadas em áreas de manguezais. Obstáculos à navegação mostraram que, antes de serem instaladas, as hidrovias demandarão investimentos e mais
intervenções do homem na natureza.
Nas duas viagens, a impressão é de que o percurso por água é mais rápido que o rodoviário. Navegando pelo Rio Mariana, encontramos Gerson Petrolino, de 46 anos, que confirma a tese. Pescador, ele mora em uma palafita à beira do rio, numa comunidade
no fim do Parque Continental (Nova Mariana).
Sempre que tem de ir a Santos ou Cubatão, paga R$ 3,75 pela passagem, fora a paciência para esperar o coletivo. "Se houvesse transporte por barco, economizaria tempo e dinheiro".
No barco guiado por Joel Escobar, o trajeto entre o Jardim Casqueiro e a Área Continental de São Vicente dura 15 minutos. Mas não é assim tão simples. Para o secretário de Meio Ambiente de Cubatão e
proprietário da Náutica da Ilha, Daniel Lozada, antes de receber transporte diário, o Rio Casqueiro e a foz do Pompeba precisariam ser dragados. "Há bancos de areia e de mariscos selvagens".
Já o sinuoso Rio Mariana exigiria, para Escobar, retificações de curso. No trajeto, contamos mais de dez curvas sequenciais bem fechadas, que deram muito trabalho ao barqueiro. "É preciso diminuir a velocidade e navegar pela margem que permite
fazer a curva mais aberta, para não encalhar", afirma.
No Mariana, as dificuldades foram compensadas pelo espetáculo dos guarás-vermelhos em revoada. No restante da viagem, não tivemos a mesma sorte. Logo notamos que pontes e viadutos também podem ser obstáculos à navegação, como no trajeto entre
Cubatão e Parque Bitaru, pelo Mar Pequeno.
Com maré alta, o gabarito (vão entre a ponte e o rio) da Ponte A Tribuna (dos Barreiros) é de apenas três metros, o que pode inviabilizar tráfego de carga, passageiros e turistas. Há o mesmo na Ponte da Via
Anchieta sobre o Rio Casqueiro.
Canal de Bertioga - Com águas calmas e largura significativa, o Canal de Bertioga apresenta melhores condições de navegabilidade. Bastaram apenas uma hora e dez minutos em um pequeno barco de alumínio com motor de popa para percorrer o
trecho entre a Ponta da Praia, em Santos, e a barra de Bertioga.
Do Estuário até Caruara, 50 minutos. Exceto nos trechos portuários, onde ventos e correntes sacudiram o barco, a viagem foi tranquila. No Canal de Bertioga, a beleza dos manguezais impressiona,
assim como as tainhas exibidas e saltitantes.
Cerca de dois quilômetros adiante, em Monte Cabrão, foi preciso cuidado extra para não encalhar com a grande quantidade de bancos de areia e de vegetação submersa. Passamos por várias marinas antes de chegar ao
Forte de Bertioga.
Por todo o trajeto, havia pescadores amadores e profissionais. Alguns deles dizem temer a possibilidade de que a navegação seja mais intensa: o maior tráfego de embarcações e a poluição da água poderiam espantar peixes, sua fonte de renda.
No retorno a Santos, próximo à Base Aérea, um susto. Sentimos uma pancada no motor do barco. Estávamos por cima de várias pedras e a uma profundidade muito pequena. Com cuidado e usando os remos, saímos sem
maiores problemas.
Marinas da Rua Japão, em São Vicente, são uma possível localização para estações de embarque e desembarque
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Pesquisa deverá custar R$ 1,5 milhão
O coordenador da Câmara Temática Especial do Sistema Hidroviário Regional no Condesb e secretário municipal de Assuntos Portuários de Santos, Sérgio Aquino, afirma que a licitação
para contratação da empresa responsável pelo estudo de viabilidades técnica, econômica e ambiental do complexo hidroviário está condicionada à redação do Termo de Referência (TR) sobre o assunto.
O documento vai balizar o que deve constar no estudo. "Estamos consolidando o que já foi objeto de análise da Codesp para reduzirmos o nosso custo”.
A expectativa é que em duas semanas o TR esteja pronto. Ainda não há estimativa de custo, mas, segundo o relatório apresentado pela Codesp no ano passado, a previsão é que o investimento chegue a R$ 1,5 milhão. Até o momento, das seis empresas
sondadas, cinco demonstraram interesse em participar da concorrência.
Só após o estudo será possível indicar quais rios e canais podem ser aproveitados. As decisões vão depender de análises de profundidade e largura dos corpos d’água e de demanda de cada traçado.
Em um seminário de 2011, com representantes dos municípios, Governo do Estado, Ministério Público e autoridades ambientais, algumas propostas foram apresentadas. "Santos, por exemplo, sugere as ligações hidroviárias entre Zona Noroeste e o Centro e
entre Centro e a Área Continental", lembra Aquino.
Outras alternativas são as ligações entre São Vicente e Cubatão e de Bertioga a Santos. O estudo deverá apontar interferências, como pontes baixas, curvas acentuadas, trechos de baixo calado e soluções técnicas.
Experiente nas águas do litoral da região, Alcides Lopes, comandante de uma das escunas que fazem passeios turísticos a partir da Ponta da Praia, em Santos, lembra o quanto a geografia local tem mistérios.
"Há pontos, como o Largo do Candinho, perto de Caruara, no Canal de Bertioga, que são perigosos. São trechos largos. Parecem profundos, mas, na maioria de sua extensão, são rasos". Outro obstáculo é a ponte da linha férrea, próximo à Base Aérea.
"Algumas escunas, como a minha, não passam por causa do mastro".
Na outra ponta, moradores de Cubatão seriam beneficiados, com partidas do Jardim Casqueiro
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Projeto é antigo. E o barco virou
As tentativas de introduzir o modal hidroviário na região não são novas. A ex-prefeita Telma de Souza (1989-1992) já havia tentado a ligação entre Zona
Noroeste e Centro, sem êxito.
Em 2009, as prefeituras de Cubatão e São Vicente chegaram a anunciar um estudo para ligação hidroviária entre os dois municípios. Em novembro daquele ano, foi realizada uma viagem de barco pelo trajeto, que poderia atender inicialmente moradores de
São Vicente que trabalham no Polo Industrial de Cubatão. Uma colisão entre dois barcos fez com que uma das embarcações virasse, derrubando na água jornalistas que acompanhavam o percurso.
De acordo com a assessoria de imprensa da Prefeitura de São Vicente, a iniciativa agora está sendo tratada no Condesb.
Para o engenheiro e coordenador do relatório realizado pela Codesp sobre o complexo hidroviário regional, José Antonio Marques Almeida, o Jama, o viés hidroviário de passageiros deve ser uma consequência de um projeto feito para movimentação de
cargas.
"Quem disser que há viabilidade econômica em hidrovias para pessoas está fazendo picaretagem com o povo", acusa. Segundo Jama, essa é uma logística que tem de ser desenvolvida na região. "Trata-se de um projeto muito caro e com tempo de implantação
estimado em 20 anos", calcula o engenheiro.
O trajeto entre Cubatão e São Vicente contém belezas naturais, como os guarás-vermelhos que sobrevoam o mangue...
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
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Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
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Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria
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Foto publicada com a matéria
Ponte da linha férrea, perto da Base Aérea, em Vicente de Carvalho: obstáculo para embarcações mais altas
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria
Percursos de barco cogitados na região
Segundo a Codesp, o complexo hidroviário da Baixada Santista possui cerca de 200 quilômetros de extensão, sendo 35 quilômetros com navegabilidade plena sem restrições.
Durante dois dias, a Reportagem navegou por aproximadamente 50 quilômetros de rios e braços de mar cortando cinco das nove cidades da Baixada Santista: Cubatão, São Vicente, Santos, Guarujá e Bertioga.
Rotas principais:
Trecho 1 – Estuário santista à Usiminas; rios onde se cruza com navios.
Trecho 2 – Ilha dos Bagres à Carbocloro e ao Ecopátio; rios com grande e médio potenciais para cargas
Trecho 3 – Foz do Largo Pompeba a São Vicente; rios com menor potencial para cargas. Vocação para transporte de passageiros e turismo
Trecho 4 – Largo São Vicente a outros rios; rios com menor potencial para cargas. Vocação destinada ao transporte de passageiros, turismo e marinas.
Trecho 5 – Canal de Bertioga; grande potencial não explorado.
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