Clube do Leme homenageou Paschoal Manzioni (E), James
Conway, José Campinho, Edmundo Valente, Berenguer, Aquiles Greca, Alberto Rebouças, Charles Edwards, Antonio Juliano e Naimo Aun (D)
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No Clube do Leme, uma homenagem aos antigos membros da comunidade marítima de Santos
Mais de quatro séculos de experiência em navegação foram
lembrados terça-feira passada no Clube do Leme, em Santos, durante o Jantar das Recordações, que homenageou antigos membros da comunidade marítima
local e teve até o flautista Carlos Poyares e seu conjunto, lançando o LP "Seresta à moda antiga".
Dez pessoas de destacada atuação no setor e hoje aposentadas ou atuando em setores
correlatos foram homenageadas com troféus e - por iniciativa de Irênio Jácomo de Araújo - convidadas a se tornarem sócios vitalícios do clube,
participando automaticamente de todas as promoções que forem realizadas pela entidade.
Os quatro séculos (na verdade, 422 anos) compreendem a soma dos períodos de atividade dos
homenageados na área marítima: Naimo Aun, da Fepasa, 31 anos; Edmundo Valente, da Mormack e Netumar, 47 anos; Alberto Rebouças, da Delta Line, 55
anos; José Campinho, da Serrana, 37 anos; Charles Edwards, da Dickinson, 49 anos; Achiles Greca, da Delta Line, 62 anos; José de Menezes Berenguer,
da Cia. Docas de Santos, 53 anos; Antonio Juliano, da Delta Line, 42 anos; Paschoal Manzioni, da Expresso Federal, 43 anos; e James Patrick Conway,
da Grieg e Conway & Ashby, 41 anos.
CDS e Fepasa - Convidados a falar sobre as atividades, os homenageados em alguns
casos preferiram omitir-se, enquanto outros contaram casos curiosos e pitorescos, animando assim o jantar.
Dois dos homenageados não pertenceram diretamente à classe dos agentes marítimos, mas em
atividades coligadas contribuíram para o seu desenvolvimento, como é o caso de Naimo Aun, da Fepasa, e de José de Menezes Berenguer, da Cia. Docas
de Santos.
Naimo contou ter começado como estudante em 1948 na então Estrada de
Ferro Sorocabana, atuando como engenheiro ferroviário durante 31 anos, 18 dos quais em Santos como superintendente regional da hoje denominada
Ferrovias Paulistas S.A. (Fepasa), e terminou sua carreira como diretor comercial e de operações da empresa em 1979, quando houve a transição de
governo. Hoje trabalha como consultor técnico da DNS Consultores S.A. "Prefiro falar das amizades que consegui no passar dos anos", lembrou todavia.
José de Menezes Berenguer contou rapidamente sua história, omitindo as inúmeras
condecorações recebidas, entre outros detalhes: "Sou baiano, e não esperava vir a este porto, mas um belo dia recebi um convite de um antigo colega,
que aqui trabalhava, na seção de eletricidade da CDS, e que me chamava para ser seu auxiliar direto".
"Aqui chegando - continuou -, bebi água da Biquinha de Itororó (que dizem que quem bebia não
deixa a cidade jamais) e deu que enquanto vivi 17 anos na Bahia, já estou aqui em Santos há 53 anos. Fui subindo de cargo, e durante 26 anos assumi
o comando do porto. Tenho agora tanto saudade do trabalho que fiz como do convívio com todos. Agora que estou aposentado, em casa, é que vejo
quantos amigos criei. Foi uma satisfação muito grande participar desta reunião".
James Conway divertiu os participantes do jantar,
contando como antigamente era mais fácil ganhar dinheiro
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Oito histórias - Charles Edwards
contou diversos casos de sua vida, que representa em parte a própria evolução da representatividade dos agentes de navegação santistas através de
entidades especializadas: "Comecei em 27 de julho de 1927 e me aposentei após 49 anos de função, na Dickinson. Tivemos muita luta, principalmente na
época antes da revolução (de 1964). As greves eram constantes, inclusive havia aquela organização que abrangia todos os
sindicatos (o Fórum Sindical), parava-se o porto de Santos por completo".
"Numa dessas greves, tinha um vapor no porto, e nele uma senhora doente precisava de
remédio, e nas farmácias não era encontrado, foi difícil consegui-lo".
"O Centro de Navegação Transatlântica de Santos foi o primeiro que conseguiu sua sede
própria, levamos dois anos para comprá-la, com muita luta e sacrifício. Era um centro muito ativo e agressivo, lutou muitos anos e, com a ajuda do
dr. Neiva e do dr. Boulhosa (assessores jurídicos), conseguiu alguns resultados favoráveis que nem o Rio de Janeiro conseguiu".
"O projeto 850 foi o mais batalhado - dava o direito de entidade estivadora para os
sindicatos. Fomos contra o projeto, tivemos reunião com o então governador de São Paulo, Carvalho Pinto, com o presidente do Supremo Tribunal
Federal, com Tancredo Neves, e vendo a possibilidade das agências perderem esse direito, fundamos com grande sacrifício a Associação Profissional
das Entidades Estivadoras de Santos (Apees)".
Charles Edwards recordou também o trabalho de Jorge Figueiredo, primeiro presidente da Apees,
e acrescentou: "Fundamos o nosso sindicato, e conseguimos também da Apees a questão dos limites de contribuição, sendo o resto devolvido às
agências. Após a revolução, passou-se um período de paz e sossego, não houve mais tumultos, paralisações. Tenho notado entretanto que algumas das
reivindicações dos sindicatos estão voltando neste ano. Nossas exportações aumentaram, com navios sofisticados, requerendo mais técnica por parte da
nova geração, à qual rendo meus parabéns".
James Patrick Conway, com muito bom humor, começou: "Fugi do
colégio aos 14 anos, porque meu pai havia falecido, e achei que devia ajudar minha mãe. Fui procurar um emprego, comecei atendendo telefone. O
número do telefone era 174 (palpite para amanhã). Tinha uma coleção de selos e moedas que meu pai me deu. Trabalhando com um inglês, ele me
deu uma máquina de escrever, aprendi a escrever à máquina. Fui convidado a ir para o LLoyd's Register, fazer certificados de vistoria. O inglês me
dava 10, eu fazia 20. Aos 21 anos, fiquei chefe do Lloyd's, e fui encarregado de navegação.
"Um belo dia, um grande amigo nosso, pai do Alex Grieg, pôs anúncio no jornal. Eu me
candidatei, pedi para falar com ele. Era em 1937, e havia uma reunião no Centro de Navegação Transatlântica, em Santos, em cima do Café Carioca. Lá
conheci o Grieg. Conclusão: fiquei secretário particular de Alex Grieg, o pai. Hoje estou felicíssimo, por rever velhos e novos amigos.
"No porto, antes era tudo tão fácil, hoje é tudo tão difícil. Hoje se ganha um dinheiro
suado, antigamente era mais fácil. Tenho pena de vocês: são uns sofredores".
James Conway deixou a Grieg no início da década de 1960, formando a empresa Conway & Ashby,
com Vernon Sharp Ashby, também saído da Grieg e hoje em agência marítima própria, além de Pedro Porto de Oliveira. Em 1978 se desligou, formando as
empresas Miller Conway & Cia. Ltda., comissária de despachos, e Tradutec Traduções Técnicas e Comerciais S/C Ltda.
Achiles Greca, nascido em São Paulo, e atualmente freqüentador
do Clube de Pesca de Santos, conta ter começado na Delta Line em 1926. "Parei com os estudos à noite no Ginásio Santista. Permaneci na Delta Line
até 1978, foram 52 anos só nessa empresa. Quando comecei, o nome da agência era America Steamship Line, passou para Delta Line mais ou menos em
1942/1943. A America Steamship Lines atendia como agência duas linhas: a America Republic Line, ou Linha do Atlântico, absorvida pela Monson Line,
hoje Moore McCormack; e a Gulf Brazil River Plate Line, que se transformou em America Delta Line, cujo armador era America Steamship Line. A vida na
navegação comercial nos proporciona as coisas mais extraordinárias, todos os dias. Me sinto muito honrado de estar presente nesta reunião, com
vocês, jovens".
Alberto Dias Rebouças começou na navegação em 1922, na
cabotagem, na Modesto & Cia., passando em 1924 para a Delta Line, onde permaneceu, aposentando nessa empresa em 1977. O troféu do Clube do Leme foi
o segundo que recebeu em sua vida: o primeiro foi no tamboréu, como conta.
Convidado a falar na reunião, disse apenas: "Neste ambiente marítimo, não vejo ondas,
dúvidas, nada. Apenas queria dizer que encontrei aqui velhos amigos, velhos companheiros de lutas, estou satisfeito, e espero continuar participando
dessas festas. Aos novos, peço licença para contar que um gerente meu, quando encontrava alguma coisa errada, dizia: "A primeira coisa a fazer é
consertar, para depois saber quem errou".
Antonio Juliano fez de público apenas um agradecimento, mas
depois contou ter começado em 1936, aposentando-se em abril de 1977, após mais de 40 anos de navegação. Começou, entretanto, na área de frutas da
Fischer & Cia. Como falava inglês, foi em 1936 para a Delta Line, onde permaneceu até aposentar-se. Seu serviço era praticamente de cais, de
tráfego, e como procurador - "o homem que trabalhava na sombra".
"Estive nos EUA em 1966, no vapor Del Sud, numa viagem de 45 dias, visitando todos
aqueles portos, e sendo sempre bem recebido, graças às amizades que havia feito. Nasci em 1911 na Itália, embora meus pais tenham casado no Brasil.
Vim de lá com oito meses de idade. Durante a II Guerra, porém - e apesar de por coincidência ser italiano - nunca tive problemas, devido à confiança
que tinham em mim. Toda minha família é brasileira. Hoje sou violinista, é meu hobby".
Edmundo Valente também contou sua história: "Comecei em
navegação exatamente em 20 de março de 1929, e tenho agora o grande prazer de ter presente neste jantar o meu primeiro chefe, Paschoal Manzioni.
Fiquei na Expresso Federal 10 anos, no tempo dos navios de guincho a vapor (era aquele barulho); quando os caminhões não entravam no costado
dos navios, e o café era o principal produto exportado (daí a expressão café de rua). Tive o prazer de conhecer Alex Grieg, que ajudou a
abrir a Moore McCormack, onde fiquei vários anos, em vários setores. Depois trabalhei na Agência Luma, dois anos, e na Agência Netumar (dois anos),
e após 47 anos e cinco meses larguei de vez.
"Fui do tempo em que não havia férias, sábado inglês, e várias vezes varava dia e noite
copiando manifestos na gelatina. Hoje existem processos modernos, fotocopiadora. Muita coisa consegui aprender, muito ainda tenho para aprender.
Ainda hoje leio colunas marítimas em jornal. Apenas não vou ao porto, só vejo navio de longe, da praia. Uma das paixões que tive foi a navegação,
realmente. Mas era hora de parar, dar lugar aos mais novos. Uma mensagem a eles: o negócio é trabalhar. Em navegação todo dia tem um problema, algo
mais para aprender, sempre uma novidade".
Paschoal Manzioni conta ter iniciado na navegação em 1924, na
Expresso Federal, sendo gerente da empresa durante 43 anos, além de presidente do Centro de Navegação Transatlântica de Santos, diretor da Apees e
de outras associações do setor, e o único dos presentes naquele jantar que esteve presente na Parada do Centenário, realizada a 7 de setembro de
1922 no Rio de Janeiro, quando Epitácio Pessoa era o presidente. Aposentou-se há 15 anos, em 1967, mas atualmente trabalha na Navegação Marvinave
S.A.
José Campinho trabalhou durante 37 anos: "Comecei em 1945, na
agência Serrana, onde permaneci até novembro de 1981, quando me aposentei. Nessa época, o nome da firma foi mudado, criando-se uma sucessora, a
Fertimport. Trabalhei com adubo a granel desde o início. Então, os controles de afretamento eram muito fáceis. Dava uma média de 800 a 1.000
toneladas por dia, e os maiores navios eram os de 15.000 toneladas. Hoje, navios de 30 a 40 mil toneladas são pequenos, há os com capacidade para
60, 70 mil toneladas de granéis, que nem vêm cheios porque não teriam calado no porto.
"A demurrage (sobreestadia) era antes de 500 a mil dólares/dia. Quando saí, o
afretamento já era de 3.000 dólares/dia e a demurrage de seis a oito mil dólares/dia. No início se perdia tempo fazendo uma descarga de 1.500
toneladas de granéis; hoje não se faz mais isso, pois até uma descarga de 40 mil toneladas já é considerada pequena. Naquela época, o fosfato vinha
do Marrocos, e o resto dos fertilizantes era proveniente dos EUA. Hoje, o fosfato não é mais importado, e o Brasil é suficiente na produção. A
tendência é de só o enxofre e o cloreto continuarem sendo importados no futuro".
A reunião-jantar do Clube do Leme foi organizada na sede do Sindicato dos Contabilistas de
Santos pela recém-eleita comissão administrativa, coordenada por Felício Agostinho da Purificação Souza e integrada também por Ricardo Smith,
Benedito Florentino Guerra, Waldir Pierri, Basílio de Carvalho e Panayote Haridimos Pappadakis. A intenção do grupo é promover nos próximos meses
encontros semelhantes, homenageando os que ingressaram na navegação em cada década passada. A próxima reunião será dia 29 de junho.
Capitão dos Portos do Estado de São Paulo, Sérgio Werneck (E),
é homenageado pela nova diretoria do Clube do Leme, presidida por Jaime Gonçalves Jr. (C),
em reunião realizada em 10/1987 nos salões do Santos Atlético Club (Clube dos Ingleses)
Foto publicada em Marinha Mercante/OESP em 20/10/1987
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