HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Greves até no futebol
Até a Revolução de 1964, que ampliou o significado da
doutrina de Segurança Nacional para impor maior controle à região portuária santista (que teve seu prefeito cassado e substituído por interventores nas
duas décadas seguintes) e ao parque industrial de Cubatão, Santos tinha grande participação nos movimentos políticos nacionais e
internacionais. Amordaçada e amedrontada pelo regime militar, a cidade nem de longe pareceria nos anos seguintes com a que
fervilhava com a movimentação sindical pré-1964.
São das vésperas da Revolução estas notícias, que dão uma idéia do que acontecia então na "terra de Braz Cubas".
A primeira é do Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, em 27 de janeiro de 1964:
MAIS DE 40 GREVES
TEVE SANTOS EM 63
SANTOS (Sucursal) - A baixada santista, em 1963, sofreu em média 3,4 greves por
mês, contando-se entre elas 2 gerais, de solidariedade. Até juízes de futebol paralisaram suas atividades, alegando baixa taxa de pagamento e falta
de garantias. Os dias mais agitados, porém, vividos nesta região paulista registraram-se em junho e agosto, quando se sucederam os movimentos
grevistas dos "bagrinhos" e enfermeiros, respectivamente. Nas duas ocasiões, a cidade se transformou em praça de guerra, com a presença de tropas
federais - primeiro, para garantir a execução da sentença que mandava sindicalizar 275 matriculados na estiva e, depois, para assegurar a ordem,
principalmente na faixa portuária, refinaria e oleoduto. |
A outra notícia é do Diário da Noite, da capital paulista, em 30 de agosto de 1963:
A partir da meia-noite do próximo domingo
GREVE GERAL EM SANTOS!
40 entidades reunidas apóiam a decisão do Fórum Sindical de Debates
Santos, 29 (de Athaide Alves Franco e Antônio Rodrigues, enviados especiais) -
Foi decretada greve geral em Santos. A decisão foi tomada às 22,20 horas pelo Fórum Sindical de Debates. O movimento eclodirá a partir da meia-noite
de domingo, devendo paralisar todas as atividades da baixada santista. No momento em que redigíamos esta nota os membros do FSD deixavam o Sindicato
dos Operários Portuários para um encontro com o Prefeito de Santos e diretores de estabelecimentos hospitalares. Contudo informações chegadas ao
conhecimento dos membros do Fórum Sindical de Debates davam conta de que a Santa Casa continua no seu firme propósito: não atenderá aos grevistas.
Há poucos minutos o diretor do Departamento Nacional do Trabalho e o ministro do Trabalho, respectivamente Lúcio Gusmão e Amaury Silva, telefonaram
para Santos a fim de se colocar a par da situação. Documentos de posse dos grevistas dão conta de que no período compreendido entre outubro último e
agosto corrente os hospitais elevaram suas taxas em 95 por cento. Inúmeras listas estão sendo corridas na cidade organizando fundos para auxílio dos
grevistas.
A decisão do Fórum Sindical de Debates foi tomada por unanimidade, estando presentes à
reunião representantes de 40 entidades sindicais. O movimento poderá ser antecipado para qualquer momento no caso de se registrarem arbitrariedades
contra os grevistas.
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Sobre as greves santistas, em 1990 a publicação especial "O porto
de Santos a caminho do seu 1º centenário", uma das Edições D.O. Urgente, do Diário Oficial de Santos, registrou:
"Desde a greve pela conquista das oito horas de
trabalho diário, em 1908, ou o boicote ao general Francisco Franco, em 1949, os portuários santistas mostraram disposições de luta. Reuniões
improvisadas nas portas dos sindicatos e a presença de fuzileiros navais na orla marítima são imagens que marcam a atuação dos trabalhadores ao
longo da história deste porto. Esses movimentos têm sido feitos de forma pacífica e organizada."
(N.E.: legenda original dessas fotos na publicação especial do Diário Oficial)
Sindicalismo atuante
O porto de Santos representou também um papel importante no nascimento do movimento
sindicalista do país, na defesa das reivindicações trabalhistas. Em outubro de 1897, os trabalhadores paralisavam as atividades por 15 dias,
protestando contra a falta de segurança no serviço, quando um acidente a bordo de um cargueiro provocou a morte de um operário e vários feridos. O
movimento só terminou quando os fuzileiros ocuparam o porto, trazidos pelo cruzador Timbyra.
Os movimentos trabalhistas prosseguiram ao longo dos anos. Apesar da constante
repressão do governo, os portuários ganhavam cada vez mais união e força, por intermédio do início de sua organização em entidades sindicais. Em
1908, por exemplo, a reivindicação básica passou a ser a introdução do período de oito horas de trabalho, regime já implantado em diversos portos do
mundo mas não respeitado aqui.
Outro movimento de destaque foi o boicote dos portuários, em 1949, aos navios
espanhóis, em protesto contra a ditadura fascista do general Francisco Franco. Com o golpe militar de 1964 no Brasil, a estrutura sindical foi
duramente atingida, com a intervenção nos sindicatos portuários, cassação ou prisão dos seus líderes.
O movimento sindical, no entanto, iria aos poucos se reorganizando e em março de 1980,
ainda em plena vigência do regime militar, o porto ficou paralisado por cinco dias, só voltando a operar quando a Docas concordou em pagar 13,7% a
título de produtividade.
A mais recente greve ocorreu no final de maio de 1990, durando oito dias e tendo como
principal motivo a ameaça de demissão de 3.850 doqueiros e extinção das categorias de avulsos, com o fim da Portobrás e dentro do plano do Governo
Federal de diminuir drasticamente o número de funcionários das estatais. A volta ao serviço só aconteceu depois que o Tribunal Regional do Trabalho
concedeu 30% de reajuste salarial e o programa de demissões foi suspenso.
"A Praça Mauá e as escadarias da Prefeitura, em maio de 1990, voltaram a ser palco
de grande concentração de trabalhadores, reunidos desta vez
contra a ameaça de demissão de 3.850 companheiros da Codesp
e extinção das categorias de avulsos do porto, o que deixou de ocorrer."
(N.E.: legenda original dessas fotos na publicação especial do Diário Oficial)
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Na seção A Tribuna nos anos 60, publicada em 5 de setembro de 2004 no jornal
santista A Tribuna, e relembrando os acontecimentos de 5/9/1963, o jornalista Hamleto Rosato registrou:
A TRIBUNA NOS ANOS 60
SANTOS, 5 DE SETEMBRO DE 1963 (QUINTA-FEIRA)
Polícia Marítima acionada pela greve
O País todo estava atravessando fase política bem
difícil. Greves eram declaradas por qualquer motivo, ou sem motivo algum. Os movimentos paredistas estavam perturbando a Cidade e o povo sofria com
isso. As autoridades procuravam evitar o pior. O prefeito de Santos, José Gomes, e outros homens públicos, tudo faziam para a harmonização.
Como a situação se agravava, com falta de respeito ao poder constituído, e tudo
chegando quase à baderna, a Polícia Marítima foi acionada. Seus elementos foram para o cais, centro da Cidade e impuseram respeito. O povo ficou
mais tranqüilo. Numerosos insufladores de greve foram presos e a situação começou a melhorar.
Polícia Marítima impunha ordem e respeito
(o local mostrado é a esquina das ruas Frei Gaspar e Gal.Câmara,
vista da Praça Rui Barbosa)
Foto: reprodução, publicada com a matéria
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