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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES - 2012
Os imigrantes - 2012 [9 - Franceses]

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Trinta anos depois da primeira série de matérias, o jornal A Tribuna iniciou em agosto de 2012 uma nova série Os Imigrantes, abordando em páginas semanais as principais colônias de migrantes estrangeiros estabelecidas em Santos. Esta matéria foi publicada no dia 15 de outubro de 2012, na página A-8:


Imagem publicada com a matéria

Saudade com sotaque francês

Dos queijos aos pães, a França fica na mente e no coração de quem vem ao Brasil. Mas o calor humano conquista.

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

A saudade pode se travestir de acaso e nem deixar pistas de sua presença. Blasé, ela vai mencionar apenas os queijos Brie e Roqueford como a sua face material – no Brasil, eles são muito caros.Mas que acaso levaria um francês longe de sua terra a marcar uma entrevista no terraço de um café?

Pois foi isso o que fez Thierry Ogier, de 46 anos, há 15 no Brasil. Claro que o café, na Ponta da Praia, é ligeiramente diferente daqueles dos grandes bulevares parisienses. Mesmo assim, e ainda que inconscientemente, talvez Thierry tenha expressado uma ponta da inevitável saudade de seu país, apesar de voluntariamente ter escolhido o Brasil – e Santos – para morar.

"Sempre gostei daqui, admirei a música, a cultura. Quando você nasce nos Alpes, no meio das montanhas, (o Brasil) é exótico". Por 'no meio das montanhas' entenda-se Grenoble, no Sudeste do país, próximo às fronteiras com Itália e Suíça. A distância que separa Grenoble de Santos foi ficando menor via Londres, Inglaterra, no começo dos anos 90. Jornalista, foi em suas férias na BBC, onde trabalhava, que Thierry pôs os pés pela primeira vez no Brasil de seus sonhos. Do Rio de Janeiro, lembra até hoje de um episódio, tão curioso para si quanto emblemático, da época conturbada em que o País estava mergulhado no pré-Plano Real.
"Fui pagar uma pizza, dei uma nota, recebi do garçom um monte de notas diferentes. Era muito confuso". Realmente, era muito confuso: Thierry e, quiçá, a maioria dos brasileiros, já nem consegue mais se lembrar da moeda – ou moedas – em circulação na época. Por ironia, o jornalista francês hoje trabalha como correspondente brasileiro do diário Los Echos, especializado justamente em Economia. Mas o tempo da miríade de moedas ficou para trás. Muita coisa mudou, na sua vida e no Brasil. "Mudei para cá no auge do Plano Real, com todo mundo achando que daria certo, mas em um período de crises: e 1998, na Ásia; em 1999, a desvalorização cambial; em 2000 e 2001, o apagão; em 2002, o pânico da eleição (com o Lula). Foi um aprendizado, de como um grande país estava conseguindo se estabilizar".

À parte a curiosidade e o apreço prévios, o que o trouxe de vez foi o amor: Thierry conheceu uma mulher brasileira, casou e hoje tem dois filhos, com 7 e 4 anos.

Pão francês não existe na França –Um exemplar de Le Petit Prince (O Pequeno Príncipe) está sobre a mesa do café. Para Thierry, a obra de Antoine de Saint-Exupéry reflete traços franceses que aprecia bastante: o imaginativo e o poético. Por outro lado, também sente o francês como negativista e 'reclamão'. No brasileiro, encontrou uma gente com alegria de viver, apesar das dificuldades. Mas notou que essa alegria é incompatível com o relógio: a falta de pontualidade crônica dos brasileiros é algo que incomoda Thierry profundamente. "Nunca vou me acostumar", confessa. O recorde de atraso vivido por ele pertence ao então ministro da Fazenda do governo Lula, Antonio Palocci. Em 2003, com uma entrevista marcada para a manhã de uma segunda-feira, ele só foi recebido 48 horas depois.

"Fiquei esperando a manhã toda no Ministério. Chegou a hora do almoço, e nada. Aí, disseram que eu podia almoçar lá, me serviram e o tempo foi pasasndo. Só depois vieram dizer que ele teve um compromisso e era para voltar no dia seguinte. Como a entrevista era importante, voltei. Mas na terça também não deu. Na quarta, enfim, a espera foi só de meia hora", sorri.

Os pais de Thierry já o visitaram em Santos. Depois de tanto tempo aqui, os olhos do filho aprenderam a ver um pouco diferente dos olhos dos pais. Se a riqueza de cheiros e cores da feira-livre brasileira já é corriqueira ao primeiro, foi uma descoberta aos outros, dois franceses de meia-idade. Das frutas e legumes às carnes, a fartura das churrascarias brasileiras os deixou extasiados – a carne de boi é cara em sua terra. Já outra descoberta dos pais de Thierry, um tanto mais engraçada, é que o pão francês nosso de cada dia não existe na França. "Eles perguntaram 'o que é isso?'. A massa é a mesma, mas não o formato".

Difícil voltar – Thierry compara: a ligação dos filhos com os pais é mais forte no Brasil. "O jovem sai de casa com 20 anos, lá". Mas muitos parâmetros e usos caem por terra, quando se está separado do ninho por um vasto oceano. Pai de família, ele confessa que essa divisão dói. Até mesmo dentro de casa, ao falar com os filhos em francês e só receber respostas em português. Por isso, não raro se sente "um bicho estranho, que fala esquisito", como diz.

Mas tudo tem dois lados. A união dos pais dos colegas de escola de seus filhos, bem típica do Brasil, é uma compensação agradável. Juntos, saem para jantar e fazer outros passeios. Na França isso não aconteceria. Claro que esse é apenas um detalhe na decisão de Thierry de permanecer no Brasil e em Santos.
"Fiz uma escolha de vida. É tarde demais para voltar. Entre estrangeiros, fala-se que, uma vez fora por tanto tempo, é difícil voltar".


O queijo Roquefort, da saudade; o Pequeno Príncipe, do espírito; a bandeira francesa, da identidade; e o croissant, estilo brasileiro, em ligeiro descompasso com o formato que o nomeia: a palavra em si quer dizer 'crescente'. Por isso, a forma da massa costuma evocar a da lua crescente
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria

AUTODESCOBERTA – Pode-se dizer que Laurent Clair, de 34 anos, é um imigrante duplo. Francês, após uma jornada por meia dúzia de nações, deixou seu país para morar em Belo Horizonte, há 9 anos. "Sou mineiro por adoção", brinca. E há pouco mais de seis meses 'imigrou' novamente, desta vez para Santos.

E, aqui, vai se apropriando de um recomeço e harmonizando em si a limpeza das ruas de sua cidade natal – Bourg-en-Bresse, na região Rhône-Alpes – com o coco de cachorro nas calçadas de Santos – que ele considera um absurdo. Mas, se tem de desviar dos dejetos caninos, pelo menos o faz de chinelo e camiseta – sem ter de afundar os pés no 1,5 metro de neve que já enfrentou ou passar cinco dias sem água, pois os canos congelaram.

Vem aprendendo a lidar com a saudade dos queijos e dos vinhos da região do Cotê'Rhone, todos muito caros no Brasil. Em compensação, adotou a goiaba como a sua fruta por excelência.

Já a saudade de esquiar nos Alpes, tão próximos de sua casa, tenta driblar com a prática do bodyboarding. Mas é quando lhe apertam as exigências diárias, que a maior saudade de todas se avoluma: a da falta de preocupação do francês com as coisas básicas da vida. "Só fui pensar em questões de segurança, educação e saúde, aqui". Por outro lado, fez algumas descobertas a respeito de si mesmo.

Sommelier por formação, no Brasil, viu-se um professor e montou um curso de francês pela internet (www.cultfrancesa.blogspot.com.br).

Outra descoberta surgiu-lhe com um quê de ironia: aqui conheceu a vida e a obra de um compatriota, Hippolyte Léon Denizard Rivalil, famoso sob o pseudônimo de Allan Kardec. "Ele é um desconhecido na França". O Espiritismo lhe abriu as portas da extrema - e, a seu ver, positiva – religiosidade do brasileiro.

ARROZ E FEIJÃO – A Nouvelle Cuisine extrapolou os restaurantes para a casa dos franceses. Laurent afirma que na maioria dos lares se pratica um menu com três pratos, cotidianamente – e isso, apesar de não existir uma figura como a da 'dona de casa', já que praticamente todas as mulheres trabalham fora. De entrada, pode ser uma salada de cenoura ralada e alface; uma carne, com mais frequência de frango ou de porco (a de boi é mais cara), e de sobremesa, pode ser um iogurte ou frutas. "E tem sempre um lugar para o queijo, no meio disso", diz. No Brasil, gosta de arroz e feijão, mas não consegue comer todo dia.

O GALO FRANCÊS – Foi adotado pela semelhança entre o nome latino galus e o do povo que habitava o território da atual França, na época romana, o gaulês (em francês, galois). Símbolo da vigilância e valentia (desperta todos e é bom em rinhas), o galo foi muito evocado durante a Revolução Francesa, em 1789. Depois disso, até na camisa da seleção de futebol está estampado (é o emblema da federação local).

IMIGRAÇÃO FRANCESA – Os primeiros contatos franceses no Brasil foram pouco pacíficos: em duas oportunidades no século 16 (1555 e 1594), invadiram o Rio de Janeiro e o Maranhão, respectivamente. Foram defenestrados pelos portugueses. Quando dom João VI transferiu a corte para cá, em 1808, patrocinou uma famosa Missão Artística, que trouxe ao País franceses como os pintores Jean Baptiste Debret e Nicolas-Antoine Taunay. Na segunda metade do século 19, começaram a chegar imigrantes de fato: na maioria, agricultores, em busca de melhores oportunidades. Os primeiros se instalaram na colônia de Benevides, próximo a Belém, no Pará. Muitos também se instalaram no Sul e no Sudeste.


Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria

República Francesa (République Française)
Capital – Paris
População – 65.447.374 (2010)
Língua oficial – Francês.
PIB – US$ 2,8 trilhões (nominal, 2011)
Renda per Capita – US$ 44.400.
IDH - 0,884 (2011) (muito elevado)
Datas nacionais - 14 de julho (Queda da Bastilha).
Colônia na região – No litoral paulista são cerca de 200 famílias (700 pessoas), segundo cadastro dos últimos três anos. A informação é do cônsul honorário da França em Santos, Cláudio Loureiro. Ele salienta que esses números são bastante flutuantes, já que muitas pessoas podem permanecer sem registro e outras podem ir embora, sem dar baixa no cadastro.

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