Imagem publicada com a matéria
A dor e a delícia de uma saudade
O mundo ia aos EUA, mas alguns misters vinham para o Brasil. Aqui, vive-se com o pé
em duas realidades: lá e cá
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
Os
nachos – tortilhas de milho crocantes -, com queijo cheddar apimentado, da rede Seven Eleven, carregam o sabor da saudade para Darrell
Champlin, em sua saga brasileira. Ele está com 47 anos, chegou dos Estados Unidos em definitivo em 1988, e sua história de imigração difere daquela
da maioria de seus compatriotas por aqui, como se verá.
Historicamente, na origem das duas nações, Brasil e Estados Unidos foram antes receptadores
do que exportadores de pessoas. Depois, como se sabe, o cenário mudou. Durante a maior parte do século 20, brasileiros foram ganhar a vida em
toda parte por esse mundo de Deus. Enquanto isso, os norte-americanos chegavam com a pompa de verdadeiros misters (senhores). Eram enviados
das matrizes para trabalhar nas filiais brasileiras de suas empresas, geralmente em altos cargos. Esse foi o perfil da imigração norte-americana no
Brasil.
Mas voltemos aos nachos de Darrell, "que não tem igual em lugar algum do mundo", como ele
diz. Nem poderia. Esses nachos há muito mudaram do estômago à alma do antropólogo, professor da Universidade Santa Cecília e consultor de
empresas, cujo primeiro contato com o Brasil se deu através da família. Originário do estado de Utah, no centro-oeste norte-americano, chegou no
Brasil após o pai, também professor, aceitar o desafio de ministrar aulas de Filosofia e Inglês na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em
Guaratinguetá. De lá, Darrell morou na Capital, onde trabalhou no jornal Folha de S. Paulo. Depois, conheceu a mulher, uma brasileira de
Minas Gerais, já radicada em Santos. O amor fez o resto e ele se mudou para cá, há 22 anos.
Darrell Champlin
Foto: Cláudio Vitor Vaz, publicada com a matéria
Conveniência, xenofobia e generosidade – "Depois de horas de voo, a primeira coisa que você
vê quando chega em Guarulhos é uma favela. Para um estrangeiro que não espera por isso, é um choque".
Começou assim a dor e a delícia de um imigrante cujo adeus ao país de origem não se deu pela
necessidade. Na balança dos prós e contras, aprende-se pela perda, ganha-se ao abrir mão. De tal forma, que os nachos de outrora poderão um
dia juntar-se à feijoada, por exemplo – que Darrell já adora. "Nos Estados Unidos, come-se muito enlatado", reconhece.
É um constante caminhar em um fio de navalha. Ao mesmo tempo em que percebe uma certa conveniência
em ser norte-americano – "Abre portas. As pessoas têm admiração" -, considera a lei brasileira xenófoba. "Tem uma série de coisas que não posso
fazer. Por exemplo, prestar concurso para uma universidade pública. Estou excluído de fazer aquilo que faço muito bem (dar aula)", diz ele,
referindo-se à Lei 8.112/90, que veda a estrangeiros a investidura em cargos públicos por meio de concurso.
No meio desse deserto de extremos, está o oásis da generosidade brasileira. E uma dor de garganta
lhe revelou isso. Foi em Minas, em um sábado à tarde: o médico da família de sua mulher saiu de onde estava só para atendê-lo – algo mais difícil de
ocorrer nos Estados Unidos. "Lá, morei anos e anos em um prédio e não sabia o nome do meu vizinho".
Darrell e a fivela, típica do Oeste norte-americano: símbolo dos rodeios, infiltrou-se em outras
instâncias sociais. No caso, a fivela é da Universidade de Utah. O objeto confere uma marca de identificação e status e é usado em ocasiões
especiais
Foto: Cláudio Vitor Vaz, publicada com a matéria
A experiência santista – Darrell é da capital de Utah, Salt Lake City. A cidade foi fundada
pelos mórmons, em 1847. Na área metropolitana, tem cerca de 1,2 milhão de habitantes. E um único arranha-céu, com 15 andares. Nesse aspecto, a
Santos que adotou se parece mais com Nova Iorque – mas as semelhanças param por aí, segundo ele.
"Sinto saudade de acesso a bens culturais, salas de música, museus, bibliotecas de qualidade. Uma
cidade do tamanho de Santos teria vários recintos com esse tipo de atividade e a preços acessíveis: lá você consegue ingressos para uma temporada
inteira de música clássica ao preço que se paga por uma noite na Sala São Paulo", desabafa.
A balança dos prós e contras não para de inverter o ponteiro. Pois Darrell considera Santos uma
cidade muito boa, se comparada a outras. Mas então vem o calor excessivo e lhe faz ansiar por temperaturas mais amenas, em paragens diversas. E o
crime – "que não é desprezível, meu vizinho foi assaltado duas vezes" -, bem como o caos no trânsito, são "tendências modernas" que também o
incomodam.
Se os "apesares" são tantos, por que Darrell permanece? "O seu coração está onde está o seu
dinheiro. Você vai ficando, vai criando a sua rede. De repente, você está e não vê necessidade de ir embora". E conclui: "A gente vai se adaptando
com a vida". Eis o fiel da balança.
Imagem publicada com a matéria
Halloween – É celebrado em 31 de outubro. Muito além do Dia das Bruxas, a palavra
Halloween quer dizer Noite Sagrada (Hallow Evening), uma alusão ao Dia de Todos os Santos, católico,no dia seguinte. A origem das
comemorações nessa data, porém, é muito mais antiga – e pagã. Nesse caldo cultural, as bruxas teriam sido inseridas na Idade Média. A data foi
levada para os Estados Unidos pelos irlandeses, no século 19.
Thanksgiving (Dia de Ação de Graças) – É um dia de agradecimento a Deus pelas coisas boas
ocorridas durante o ano. Aos protestantes norte-americanos, a data tem importância tão grande quanto o Natal. É comemorado sempre na quarta
quinta-feira do mês de novembro (em 2012, será no dia 22). É um feriado de confraternização familiar e reverência religiosa. O prato principal da
data é o peru – por isso, a comemoração também é conhecida como o turkey day – dia do peru.
No século 19 – Se a presença norte-americana recente no Brasil foi antes um fenômeno
comercial do que humanitário, no século 19 a história foi bem outra. Logo após a Guerra da Secessão (1861-1865), que dividiu o país em dois lados
conflitantes, muitos dos perdedores, em sua maioria fazendeiros escravocratas do Sul, escolheram o Brasil para começar uma nova vida. Fixaram-se
principalmente no Estado de São Paulo. As cidades de Americana e Santa Bárbara D'Oeste foram fundadas por esses imigrantes.
1 DÓLAR – Com a águia americana, de 1881, no acervo de Tom Trierweiler.
Foto: Cláudio Vitor Vaz, publicada com a matéria
Nova imigração? – Na terra do Mickey Mouse e do glamour hollywoodiano, nem tudo é
fantasia. Na vida real, a insegurança quanto à situação econômica pesou na decisão de Márcia e Thomas Trierweiler de vir para o Brasil. Para ela,
foi um retorno. Nascida em Santos, mudou-se para os Estados Unidos quando tinha 6 anos – o pai foi chamado a trabalhar na área de marketing
da Coca-Cola, em Los Angeles. "Só levei uma boneca", relembra.
Conheceu tom em San Diego, nos anos 90. Os dois construíram juntos uma vida americana, com casa,
jardim, filhos, cachorro, halloween, thanksgiving e o patriotismo do 4 de julho. Mas nem tudo era idílio. "Os Estados Unidos estão em
guerra desde que fui pra lá", lamenta. Dos campos de batalha distantes, a imagem quem trouxe foi a tevê, ao vivo e em cores, mas a guerra de fato,
em preto e branco de tristeza, era vivida na porta de casa. Márcia lembra dos colegas de High School (Ensino Médio) mandados para o Vietnã, nos anos
70: ou dos pais que deixavam os filhos de manhã na escola da qual foi proprietária e partiam para o Iraque, já nos anos 2000. "Muitos vizinhos de
rua não voltaram. Os familiares pediam para rezar".
A crise imobiliária de 2008, em que milhares de norte-americanos perderam suas casas e o emprego,
acendeu em Márcia o sinal amarelo. Apesar de terem uma boa condição de vida material, o nível das despesas mensais era alto. E, invariavelmente, o
padrão cairia na velhice. Segundo Márcia, um aposentado recebe, em média, 600 dólares por mês. Uma casa para idosos custa 2 mil. A conta não fecha.
"Vi muita gente idosa no supermercado comprando uma banana, um tomate, pois não tinha dinheiro".
Os pais de Márcia, aposentados, voltaram para Santos. E ela, arquiteta, e Tom, fotógrafo, aos 55
anos, com dois filhos pequenos, resolveram dar a guinada, há quase dois anos. Porém, Márcia viveu mais tempo nos Estados Unidos do que no Brasil. As
batatas e o milho assados, o T-Bone (bife típico) dos churrascos de verão, os pedestres multados quando não atravessam na faixa, os
chocolates chip cookies, enfim, o seu coração ficou lá.
Para mitigar a saudade, ajudam os jantares temáticos em família. Podem ser à moda dos anos 50, com
Elvis no CD (se fechar os olhos, vira uma jukebox), hambúrgueres como prato principal. Tudo para lembrar um diner – restaurante típico
e informal. Já os Natais, a família comemora em julho, para aproveitar ao máximo a temperatura mais amena – próxima dos 15 graus médios, do inverno
de San Diego.
A árvore de Natal pode ser de plástico – ao contrário dos Estados Unidos, em que os pinheiros são
naturais -, mas os cookies de gengibre, verdadeiros, não podem faltar. Assim, a família vai vivendo, com um pé entre dois mundos, e uma única
certeza: "Meu sonho, na velhice, é chegar com filhos criados, inteligentes e de bom coração. Seja onde estiver".
Estados Unidos da América
(United
States of America)
População - 308.45.538 (2010)
Capital - Washington D.C.
Língua oficial - nenhuma (em âmbito federal)
PIB - US$ 15.065 trilhões (2011)
Renda per capita – US$ 48.147 (2011)
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – 0,910 (muito elevado)
Colônia em Santos – 600 pessoas, registradas no Consulado Geral de São Paulo
Datas nacionais – 4 de julho (Dia da Independência); quinta-feira, da quarta semana de novembro (Ação de
Graças) |
|