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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES - 2012
Os imigrantes - 2012 [10-Egípcios/Palestinos]

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Trinta anos depois da primeira série de matérias, o jornal A Tribuna iniciou em agosto de 2012 uma nova série Os Imigrantes, abordando em páginas semanais as principais colônias de migrantes estrangeiros estabelecidas em Santos. Esta matéria foi publicada no dia 22 de outubro de 2012, na página A-8:


Imagem publicada com a matéria

Mudanças dos novos tempos

A perspectiva de oportunidades em um Brasil exportador de carne chegou como bons ares ao Oriente Médio

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

Medicina Veterinária, Exército, carnes de boi e de frango. A mistura rendeu um imigrante, o egípcio Islam Said Zaid, há sete anos no Brasil e desde 2007 em Santos. Sua história de mudança de terra e de vida é clássica, mas com o frescor dos tempos modernos. Da incerteza romântica de trazer na bagagem apenas um dicionário de português e um sonho de sucesso, aos contatos prévios com instituições no Brasil, via internet –que lhe renderam a mulher, como se verá -, Islam resume o que é ser um imigrante de um lugar e de uma cultura tão distantes, nos anos 2000.

Tudo começou quando ele servia ao Exército egípcio e cursava Veterinária, no Cairo. Enquanto na faculdade, ouvia apenas sobre o gado holandês, norte-americano e alemão; mas o Exército lhe apresentou a vida real: as tropas eram alimentadas com carne e frango comprados do Brasil, o maior fornecedor do Oriente Médio.

Acendeu a lâmpada: ora, em um país com tanta produção, as oportunidades para um veterinário deviam ser maiores do que em sua pátria, onde a competitividade andava tão acirrada. Curioso, começou a buscar informações sobre o Brasil. E o que encontrou, o animou ainda mais. "Vi que é um país multicultural; os estrangeiros não sofrem preconceito".

O próximo passo foi validar o diploma egípcio aqui. Nesse processo, acabou em contato com a União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo (Uniesp). Ou melhor, acabou em contato com uma secretária da Uniesp. O contato estreitou-se e hoje ela é sua mulher, com quem tem uma filha de 5 anos.
Mas, antes da mudança ao Brasil, Islam retornou a Tanta, cidade onde nasceu e a quinta maior do Egito, na região do delta do Rio Nilo, para uma missão delicada: pedir ao seu pai a permissão para partir. "Não sairia do país se ele não aprovasse". A conduta é fruto de um forte traço cultural árabe: o respeito ao patriarca.

Impacto – No Brasil, o primeiro impacto foi a visão dos shortinhos das meninas – peça até então obscura a Islam, acostumado ao pudor religioso das mulheres muçulmanas. "Quando você não está acostumado, sofre", brinca.

Ao chegar, fixou-se em Presidente Epitácio, no interior de São Paulo, por causa de sua mulher. Estranhou a cor amarronzada da terra – no Delta do Nilo, ela é preta – e as chuvas persistentes: em sua cidade natal, água só cai do céu por dois ou três dias por ano.

Foi em Presidente Epitácio que começou a trabalhar na Central Islâmica Brasileira de Alimentos Halal (Cibal Halal), responsável por verificar se os produtos exportados a países muçulmanos atendem aos preceitos religiosos do Alcorão. A Islam coube fiscalizar justamente a procedência das carnes. E a mudança para Santos se deu por conta disso: no Porto, é ele quem dá o aval ao que será exportado ao Egito.

Embora esse trabalho tenha tudo e mais um pouco a ver com sua cultura e origens, os ritmos são diferentes. O horário de trabalho egípcio termina por volta de 15h30. "Não me acostumei ainda com as duas horas de almoço aqui", lamenta.

Por falar em comida, ele bem que gostaria, mas não pode comer feijoada – a carne de porco é vedada aos muçulmanos. Até o próprio feijão, que aprendeu a gostar, evita comer por aí: pode ter sido temperado com caldo de bacon. Sente falta do sabor dos pratos, do cominho e da pimenta-do-reino. No exílio, os temperos e o jeito de preparar comidas tão típicas, como o charuto de folha de parreira recheado com carne ou arroz, são diferentes; o que era doce, fica amargo.

A saudade pode ser um estimulante poderoso. É ela que o move à preparação de uma viagem dos pais ao Brasil, ainda sem data definida. Mas também não esquece dos que hoje estão mais perto: a família que construiu aqui. Certa vez, trouxe do Egito, em garrafas de plástico, quatro litros de água do Nilo, porque a sua sogra queria regar as plantas com o precioso líquido do afamado rio.

Islam sabe que seus laços com o Brasil estão selados para sempre, de um jeito ou de outro. "Meu desejo é um dia montar algum negócio que me permita ficar indo e vindo".


Islam Said Zaid segura a bandeira do seu país. O sonho é montar um negócio que possibilite ficar indo e vindo do Egito, uma forma de amenizar as saudades
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria

SETE DIAS POR SEMANA – Em Jerusalém, localizada entre Israel e a Palestina, o comércio abre de domingo a domingo. Ou de sábado a sábado. Ou, ainda, de sexta a sexta – tudo depende da religião.

Os estabelecimentos cujos proprietários são cristãos fecham aos domingos, o dia santo do Cristianismo. Os sábados, quem guarda são os judeus, e as sextas-feiras, os muçulmanos. Assim, todo dia alguém trabalha – e garante o abastecimento dos outros dois grupos.

TERRA DOS FARAÓS – O Egito é famoso principalmente pelo Rio Nilo, o mais longo do planeta (.088 km de extensão) e pelas três pirâmides do planalto de Gizé (Queóps, Quefrén e Miquerinos).

Mas em todo o país há um total de 138 pirâmides, além de outras relíquias do tempo dos faraós (3.150 aC – 343 aC), como o templo de Luxor e a esfinge. Sobre a herança dessa época no Egito atual, Islam é categórico: "só restaram os monumentos".


Foto publicada com a matéria

DA PALESTINA – Em 1970, aos 15 anos de idade, Louftl Moubarec chegou ao paraíso. Ao menos, foi isso o que sentiu em meio ao assombro de ver a imensa carreata de buzinaços e batucadas, pela conquista do tricampeonato mundial de futebol. "Na minha cabeça, o brasileiro festejava o ano inteiro".

Mais de 40 anos depois, casado, com quatro filhos e morando em Santos, aquela primeira impressão já foi há muito desfeita. Mas, quando chegou, fazia todo o sentido: para alguém que passara a infância em meio a toques de recolher e tendo de se refugiar em cavernas para não morrer, Loufti chegara mesmo ao paraíso.

Era uma época tensa na sua Palestina natal. A Guerra dos Seis Dias (1967) impusera a dominação de Israel e a incerteza que todo conflito carrega. "Eles (os israelenses) iam atrás dos jovens. Quem quisesse ir embora, tinha a saída facilitada". Loufti aproveitou a brecha e chegou sozinho a Goiás, três dias antes do jogo decisivo da Copa, contra a Itália. Lá, ficou três anos, sem que as coisas dessem muito certo.

Em 1973, veio de carona para São Paulo. Mas foi o próprio motorista do caminhão, que o trouxe à Capital, quem lhe deu a dica: em Santos, havia pria e dava para sobreviver vendendo pipoca na areia.

Realmente, Loufti sobreviveu na praia: passou 16 noites dormindo ao relento, antes de um patrício o socorrer e o introduzir na venda de porta em porta – o famoso "mascatear". "Passei 26 anos assim", conta.

Hoje, com a mulher,Kadija Yassin Moubarec, brasileira de ascendência palestina, tem uma loja de móveis, no Centro, e um coração dividido. "Em casa, é 70% de comida árabe. Mas adoro arroz e feijão. Quando fui à Palestina 9em 1995), senti uma falta danada".

Sentir falta parece ser uma sina da imigração. Pois seus olhos chegam a marejar quando lembra do vendedor de suco de Kharoub – similar ao chá mate gelado, feito com um fruto preto, alongado. Com uma espécie de garrafa térmica gigante amarrada às costas e castanholas nos dedos para chamar a atenção, o vendedor evoca uma das poucas tréguas da guerra que preencheu a sua infância.

Guerra, infância. Se algumas coisas inevitavelmente ficam para trás, outras, nunca. No computador da loja, um programa indica as horas das rezas. Das cinco orações diárias, três acontecem durante o expediente: a do meio-dia, a das 15 horas e a do entardecer (18 horas). E faz questão de "dar um jeito" e respeitá-las, apesar de ignoradas pelo mundo que o circunda. "A gente concilia por causa de Deus".


Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria

República Árabe do Egito
Capital – Cairo
População – 82.079.636 (2010)
Língua oficial – árabe
PIB – US$ 518,97 bilhões (2011)
Renda per Capita – US$ 6.539.
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – 0,644 (médio)
Datas nacionais – 28 de fevereiro (Independência do Reino Unido, em 1922) e 28 de junho (declaração da República, em 1953).
A colônia – Na Baixada Santista, segundo estimativa de Salah Mohamad Ali, da Sociedade Beneficente Islâmica do Litoral Paulista, há 15 egípcios, sendo 12 em Santos.

Palestina
É uma região do Oriente Médio criada, após a Primeira Guerra Mundial, por França e Inglaterra, com controle direto deste país. A área é reconhecida como um estado parcialmente soberano e está dividida em três partes: uma, integrante do Estado de Israel, e as outras duas (Cisjordânia e Faixa de Gaza), cuja população em sua maioria é árabe, deveriam integrar uma nação palestina autônoma, ainda não criada. Desde 1994 essas áreas vêm sendo administradas pela Autoridade Nacional Palestina, independente.
Capital – Gaza e Jerusalém Oriental
População – 4.225.710 (2011)
PIB – US$ 7,34 bilhões (2011)
Renda per Capita – US$ 1.736,98
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – 0,641 (médio)
Línguas – árabe, inglês e hebraico
A colônia – cerca de 100 pessoas na Baixada Santista, a metade em Santos.

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