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Passado de orgulho e cultura
Sempre reverenciando suas histórias e raízes, sem deixar de lado a boa gastronomia, é assim
que vive Pablo, agora em Santos
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
O primeiro contato indireto que Pablo Mejía Turatti teve com o
Brasil foi aos 16 anos, pelas fotos de jogadores de futebol brasileiros decorando as paredes de bares e restaurantes da cidade de Guadalajara,
capital do estado de Jalisco, no planalto mexicano. A cidade, a casa do Brasil na mítica Copa do Mundo de
1970 – e depois, também na de 1986 – transformou-se em uma espécie de consulado honorário brasileiro, ponto de convergência mediado por uma
bola bem redonda. Pois do Brasil, os mexicanos sabem o que o mundo inteiro conhece: o samba, o carnaval e o futebol – este último, com uma
intimidade quase única no mundo, ostentada com orgulho.
Hoje em dia, esse primeiro encontro com o Brasil só é lembrado, pois Pablo jamais imaginou, aos 41 anos de idade, que estaria casado com uma
brasileira e morando já há nove anos em Santos, a casa de Pelé. Proprietário de um delivery de comida mexicana, chamado Don Pablo, ele
faz questão de colocar tacos e burritos em seu devido lugar.
"A comida mexicana é bem variada, mas
predomina mesmo a parte indígena". Em relação a isso, duas informações dizem tudo: o milho era
o alimento básico, considerado sagrado entre os antigos maias; e o chocolate foi indiretamente inventado pelos astecas. Não é de se estranhar
que os mexicanos tenham o mole, um molho para acompanhar, por exemplo, frango, feito à base de chili e de cacau e com mais de outros 30
diferentes temperos. "Foi criado por acidente, em Puebla
(estado), de uma mistura de ingredientes".
Reza a lenda, em um convento na época do México colonial, as freiras souberam em cima da hora que o
arcebispo estava a caminho para o almoço. Desesperadas, misturaram tudo o que tinham à mão: chili, pão velho, amendoim, sementes e chocolate;
disso prepararam um molho. Mataram um peru que ciscava pelo pátio e colocaram o molho escuro por cima. O arcebispo adorou. Com o correr dos séculos,
todo o México também. Tanto que a saudade maior da cozinha de seu país, para o romântico Pablo, chama-se mole.
Romântico? Pois é, eis uma característica que ele descreve em seus compatriotas masculinos, para
derrubar de uma vez por todas uma certa aura de machismo que cerca o homem latino em geral e o mexicano, em particular. "É
uma cultura conhecida no mundo pelos filmes, a imagem da revolução mexicana, de sombrero e bigodão. Mas não é assim".
Pelo contrário. Pablo explica, é muito comum, especialmente na região central do México, as namoradas e esposas serem agraciadas pelos maridos e
namorados com uma serenata de Mariachis à janela, no dia de seu aniversário. Um romantismo pra macho nenhum botar defeito.
Orgulho antepassado e Estados Unidos - À parte a indústria turística, os mexicanos têm orgulho das raízes pré-colombianas, sobretudo de maias
e astecas, cujas origens remontam a 1.500 anos antes de Cristo. Em tempos mais recentes, nos séculos 19 e 20, a história do país teve momentos
conturbados, como a revolução de 1910, contra os grandes latifúndios, que incrustou na História nomes como os dos revolucionários Emiliano Zapata e
Francisco Pancho Villa. E também a guerra contra os Estados Unidos, em 1846, que terminou com a perda
de quase a metade do então território mexicano.
Aliás, a relação com os vizinhos do Norte, segundo Pablo, é pautada ao mesmo tempo pelo amor e pelo
ódio. "A proximidade ajudou um pouco o desenvolvimento, na parte econômica. Mas também trouxe
uma dependência muito grande, a maioria das exportações vai pra lá".
Hoje em dia, ao menos na fronteira, os dois vizinhos travam uma espécie de guerra da tortilla, uma massa feita a partir de farinha de trigo
ou de milho. As tortillas são extremamente populares no México. Pablo dá a medida: "Como
o brasileiro vai na padaria comprar o pão, o mexicano vai na tortilleria".
Assim, não é de se estranhar que seja a vedete de muitos pratos típicos mexicanos. Os principais: o
burrito e o taco, certo? Errado. O taco, de massa crocante, seria uma invenção totalmente norte-americana, segundo Pablo. "Não
tem nada a ver. Não existe taco crocante. Desse jeito foi popularizado pela Taco Bell, uma cadeia como o Burger King".
Já o burrito, uma massa de farinha de trigo mole, seria genuinamente mexicano. A
história dá conta de um homem que preparava almoços para vender aos trabalhadores: tortillas e o respectivo recheio, de frango, porco ou boi,
como é de praxe. Quando o negócio cresceu, os pedidos de almoço vinham de longe. Então ele começou a enrolar o recheio na tortilla, para
mantê-lo aquecido. Em seguida, colocava tudo em cima da sua mula e partia pelos povoados. "Quando
viam ele chegando, diziam, 'lá vem o burrito', e o nome pegou".
No Brasil, ao que consta, nunca houve burritos do tipo. Mesmo assim, Pablo celebra as similaridades entre os povos brasileiro e mexicano – "são
festeiros, alegres" – para justificar a adaptação rápida. O que também não lhe tirou o gosto de
determinadas surpresas diante do novo. O trânsito, por exemplo. Por incrível que pareça, ele considera o tráfego no Brasil muito melhor do que no
México. "O brasileiro é bem educado",
resume.
Mas, basicamente, a diferença seria uma questão de cabresto. Embora o cinto de segurança seja
obrigatório também lá, poucos o usam, pois quase não existe fiscalização. Da mesma forma, não há radares e, consequentemente, o respeito geral é
menor. "Dirijo com muito cuidado (para não
ser pego)", diz ele, como um bom brasileiro.
Pablo e a reprodução, em madeira, de um dos círculos de pedra originais, com exemplares da escrita
maia, cujo calendário angariou fama pela previsão – totalmente infundada – do fim do mundo em 2012
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
Astronomia e Matemática - O conceito de zero, introduzido no Velho Mundo pelos árabes, na
Idade Média, já era usado há milhares de anos pelos maias; assim como a precisão das observações dos movimentos celestes era superior à de outros
povos que não possuíam telescópios.
Guerra Mexicano-Americana - O conflito durou dois anos, entre 1846 e 1848, e culminou com a perda, por parte do México, de metade de seu
território até então. Os atuais estados norte-americanos de Utah,
Nevada, Califórnia, Novo México e
Texas, mais partes do que hoje são Arizona,
Wyoming e Colorado, perfaziam terras mexicanas.
O pontapé da guerra foi a teoria do Destino Manifesto, termo cunhado pelo
jornalista nova-iorquino John O'Sullivan, que reflete a crença de que os Estados Unidos foram escolhidos por Deus para comandar o mundo. Dessa
forma, consideravam o expansionismo algo natural. Na guerra, 8 mil pessoas morreram, a maioria de origem hispânica.
Chocolate - O chocolate, a palavra, deriva de xocolatl, a denominação de uma bebida amarga de cacau, muito apreciada pelos astecas
mexicanos. Essa bebida foi levada pelos espanhóis para a Europa, transformando-se depois no chocolate que conhecemos. Já a palavra xocol quer
dizer amargo e atl, água – uma aproximação curiosa com o grego Atlas, o nome do titã que carregava o mundo nas costas e que
teria originado o nome do oceano que banha o Brasil – o Atlântico.
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Tequila e mescal - A tequila é um destilado da planta desértica algave-azul, muito comum no
estado mexicano de Jalisco, onde fica a cidade de Tequila, de onde provém a bebida. Aliás, pelas leis mexicanas, a tequila só pode ser produzida
nesse estado. O mescal também é uma bebida destilada a partir do sumo do algave. A diferença da tequila é ser mais rústica: enquanto aquela é
destilada às vezes triplamente, a mescal é apenas uma.
Ao contrário do que se pensa, tradicionalmente, a larva da borboleta gusano é introduzida em
algumas garrafas de mescal – e não de tequila. Muito mais do que uma extravagância, a larva tem uma função de controlar o teor alcoólico: abaixo de
determinado limite, ela se desintegraria.
Pré-colombianos - Os maias estão na moda, mas quando Cristóvão Colombo chegou já haviam
caído em franca decadência. A civilização que mais florescia por volta de 1.500 era a dos astecas, que também tinha boa parte de seu território no
atual México (estendia-se até a Guatemala). Aliás, a Cidade do México, capital atual do país, é a antiga
capital do Império Asteca, então chamada Tenochtitlán. Os astecas também eram chamados de mexicas – daí o México. Foram conquistados e
exterminados em apenas dois anos, pelas tropas de Fernando Cortez, em 1521.
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Maias e o calendário - O que é um calendário, para a única civilização do Novo Mundo
possuidora de um sistema de língua escrita que conseguia representar o idioma falado tão bem quanto as línguas europeias da época? Ou que possuía
avançadíssimos sistemas arquitetônicos, matemáticos e astronômicos? Pois bem, o calendário era tudo. Simplesmente porque os maias eram obcecados
pela marcação e contagem do tempo. A princípio, acredita-se, o interesse maia pelo tempo tenha se originado como em toda civilização antiga:
conhecendo o ciclo das estações, otimiza-se a agricultura.
Mas, com o desenvolvimento da civilização – o auge foi entre 250 a.C e 900 d.C. –, a mera sobrevivência deu lugar a uma sadia obsessão, que incluía
a sua própria essência religiosa – a mitologia maia creditava ao deus Itzamna a transmissão dos conhecimentos sobre a escrita e o calendário, em um
passado remoto.
Seja como for, os maias eram exímios astrônomos e, na verdade, mantinham várias contagens de tempo complementares – e bastante intrincadas –
baseadas em ciclos celestes distintos. Havia um calendário para marcar a passagem dos dias, outro para determinar as festas sagradas e um terceiro
para organizar grandes períodos de tempo – todos sincronizados.
Foi a partir deste último, chamado de Contagem Longa, que a febre do fim do mundo se alastrou. Por esse calendário, o tempo transcorre em baktuns,
cada um com 394 anos solares. O grande ciclo é composto por 13 baktuns (5.126 anos solares), contados do início do mundo na mitologia maia:
13 de agosto de 3.114 a.C. A partir dessa data, somando-se 5.126 anos, têm-se o 21 de dezembro de 2012. Ou seja, a única coisa que o calendário maia
indica é o início de um novo grande ciclo de 5.126 anos.
Estados Unidos Mexicanos
Capital - Cidade do México
População - 116.901.761 (2012, censo)
Línguas oficiais - Espanhol e 364 variações linguísticas indígenas
PIB - US$ 1,04 trilhões (2011)
Renda per capita - US$ 9.489 (2011)
IDH - 0,770 (2011, elevado)
Data nacional - 16 de setembro (Independência, 1810)
A colônia - não há informações |
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