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Pequenos, apenas no território
Nossos vizinhos ostentam um grande orgulho de sua nação, da religiosidade e das manifestações
culturais ainda preservadas
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
A garrafa térmica com o tereré sobre a bancada da
bicicletaria em Praia Grande revela: esta é uma casa paraguaia, com certeza. O tereré, ou chimarrão, é um dos
hábitos partilhados entre (alguns) brasileiros e paraguaios. Só que a garrafa térmica, no caso, é para manter o chimarrão gelado. Ao contrário dos
gaúchos, que o tomam pelando, no Paraguai ele é quase um refresco amargo – mas adorado. E a erva, embora a mesma, é triturada de forma a ficar mais
grossa do que no Rio Grande do Sul.
"Chegar em uma casa paraguaia e não ter o tereré,
é como chegar no Brasil e não ter café", resume Auro Pucheta, de 46 anos, dos quais 40 no Brasil. Mesmo
já há tanto por aqui, não esquece as tradições de seus familiares – nem ele, nem seus nove irmãos – e é fundador e presidente da Associação Cultural
Brasil-Paraguai, com sede em Praia Grande.
Auro é da pequena cidade de Concepción, que mal toca nos 80 mil habitantes e fica a 150 quilômetros de Ponta Porã, em Mato Grosso, do lado
brasileiro. É ele mesmo quem firma a posição geográfica, dando a entender o gigantismo do Brasil para o Paraguai. Afinal, com 70% de fronteira em
comum, e pela diferença de tamanho, a sensação no mapa é a de que o Paraguai é uma criança olhando para um adulto.
Essa proximidade geográfica cria um partilhar de costumes naquela região nebulosa em que as
culturas se entrelaçam – como são todas as regiões entre fronteiras. Mas o denominador cultural em comum entre Brasil e Paraguai pode ser resumido
em uma palavra: guarani. Ao contrário do que acontece nos países andinos, os guaranis são a única etnia autóctone (natural daquela região) presente
no Paraguai e a maior na porção Centro-Sul do Brasil. "Em Assunção, fala-se só o castelhano.
Mas, no interior, os campesinos falam também o guarani", explica.
O próprio Auro confessa conversar em guarani com seus irmãos, quando é conveniente não ser compreendido. Certa vez, em um torneio de truco, a
artimanha levou a dupla de irmãos até a final – o detalhe é que o parceiro de Auro não sabia jogar. "Ele
me dizia as cartas que tinha não mão e eu dizia o que ele devia fazer".
Assim, não é à toa que as guarânias, tão identificadas no Sul e no Sudeste brasileiros como o ritmo
da alma paraguaia por excelência, têm esse nome: vêm direto da raiz indígena. Mas como Auro frisa, as guarânias, de origem mais recente, são apenas
um dos ritmos de seu país. Outro deles é a polca paraguaia, também chamada Danza Paraguaya, conhecida já no século 19, que guarda semelhanças
com as modas de viola brasileiras.
Auro e o tereré (chimarrão): ao contrário do Rio Grande do Sul, em que é degustado quente,
no Paraguai, é gelado
Foto: Davi Ribeiro, publicada com a matéria
Brasil é visto como mais desenvolvido -
Dizem que o homem é pego pelo estômago. O imigrante, também. Embora a irmã de Auro – e até a sua mulher, brasileiríssima – consigam reproduzir boa
parte dos quitutes locais, o compasso diário da alimentação brasileira obedece a um ritmo diverso do paraguaio e contribui, assim, com um bom
quinhão no fardo da saudade.
É o caso do arroz, com ou sem queijo por cima, e uma carne assada ao mandióguisado (molho de
mandioca), que se estende da mesa do jantar ao desjejum – algo pouco usual no Brasil. O que sobra da noite é guardado na geladeira e, de manhã,
aquecido, com ovos fritos acrescidos por cima. A justificativa para o café da manhã robusto é o tererê: é preciso uma boa forração de
estômago para receber a erva, por natureza muito forte. "A partir das nove, dez horas, já
começamos a tomar".
Auro traduz o olhar paraguaio em relação ao vizinho gigante. Segundo ele, o Brasil é visto como mais desenvolvido, à frente em quase tudo. Tira da
cartola o exemplo de seu tio, que mora no Paraguai. Até há bem pouco o tio não tinha uma televisão. "Aqui,
em qualquer lugar que você vai, tem água encanada, luz, esgoto. Lá, é como há 50 anos, aqui".
Esse aparente descompasso histórico, Auro indiretamente vê como um subproduto da ditadura de
Alfredo Stroessner (1912-2006), que se estendeu durante infindáveis 35 anos, de 1954 a 1989 – a mais longa da América do Sul. "Se
tivesse democracia antes... mas parou no tempo".
Se algumas benesses do conforto ainda rareiam, por outro lado, qualquer sítio modesto terá as suas galinhas, a sua meia dúzia de porcos, as suas
verduras e legumes, enfim, conhecerá a sua porção de fartura, segundo afirma.
O paraguaio é mais humilde - E se de fato for uma casa paraguaia, também não faltará, além do tererê já mencionado, a mandioca. No
churrasco, por exemplo: ao invés de pão, o acompanhamento é a própria, assada. "Pão com carne, só fui
conhecer aqui". E a mandioca também é servida cozida, ao molho, frita, junto com sopas, como a locro,
feita da perna do boi.
Auro fala com orgulho e saudade de seu país, da sua gente, que avalia como mais humilde do que a
brasileira. Isso pode ser consequência da grande religiosidade no país vizinho, cuja tônica segue a da maioria dos países latinos – de um
catolicismo arraigado.
Seja como for, um exemplo dessa humildade é o respeito pelos mais velhos da família. Até hoje, de
joelhos, os filhos pedem a bênção aos pais, os netos, aos avós, e os sobrinhos, aos tios. "O
brasileiro é mais extrovertido, se relaciona com todos. O paraguaio, mais retraído. E também, mais patriota. Tem mais paixão, se emociona mais pelo
seu país".
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Guaranis - São um conjunto de povos indígenas que está presente nos territórios nacionais de
cindo países da América do Sul, Bolívia, Paraguai,
Argentina, Uruguai e parte do Brasil.
A população é dividida em vários subgrupos étnicos: os caiouás, os embiás, os nhandevas, os ava-xiriguanos, os guaraios, os izozeños e os tapietés,
cada um deles com especificidades linguísticas e cosmogônicas. O primeiro contato desses povos com os conquistadores espanhóis e portugueses se deu
pela Companhia de Jesus, ainda no século 16.
Guarânias e a polca - A polca é um ritmo binário, nascido na Boêmia, no início do século 19. Ainda nesse século, foi exportada por imigrantes
austríacos e alemães. No Paraguai, readaptou-se e se tornou um ritmo bastante popular, ainda no século 19.
Já a guarânia tem certidão de nascimento bem delineada: foi criada em 1925, em Assunção, pelo
músico José Asunción Flores. O que ele fez? Simplesmente pegou as polcas, mais agitadas, e diminuiu o andamento, deixando-as mais lentas,
melancólicas, geralmente compostas em tons menores. As primeiras composições eram de exaltação à natureza heroica dos paraguaios. Com o tempo, a
temática incluiu canções de amor e o novo ritmo se tornou o maior fenômeno musical do Paraguai no século 20. Afinal, quem não conhece Índia,
de Cascatinha e Inhana, por exemplo?
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Perla - É o nome artístico de Ermelinda Pedroso Rodríguez D’Almeida, nascida na cidade
Caacupé, mas radicada em Santos, desde a década de 1990.
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Sopa paraguaia e chipa - A sopa, na verdade, é o que se chamaria no Brasil de torta,
feita à base de milho branco. Já chipa é como se fosse um pão de queijo, mas com ovos e polvilho.
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Guerra do Paraguai - Foi o maior conflito armado da América do Sul. Reuniu Brasil, Argentina
e Uruguai (a Tríplice Aliança) contra o Paraguai.
A guerra começou com a invasão da então província do Mato Grosso, brasileira, pelas tropas paraguaias, sob as ordens do presidente Francisco Solano
López. Como o Brasil já tinha interferido na guerra civil uruguaia, López temia que o Império Brasileiro e a República Argentina se tornassem uma
ameaça aos países menores do Cone Sul. A guerra durou de 1864 a 1870 e teve perdas de quase 400 mil homens, de todos os lados. Mas só de paraguaios,
foram 300 mil mortes.
A consequência histórica mais dramática foi mesmo para o Paraguai: as baixas foram tantas, a população reduziu-se muito, o país teve de pagar
pesadas taxas de guerra (ao Brasil, o pagamento estendeu-se até a época da Segunda Guerra Mundial) e perdeu 40% de seu território, para Argentina e
Brasil.
Quebracho - São árvores típicas da região do Chaco, ricas em taninos, polifenóis vegetais que inibem o ataque de pragas nas plantações, mas
que também são empregados na fabricação de remédios e vinhos. O Paraguai exporta tanino para os mercados norte-americano e europeu.
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