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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES - 2012/13
Os imigrantes - 2013 [29 - Bolivianos]

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Trinta anos depois da primeira série de matérias, o jornal A Tribuna iniciou em agosto de 2012 uma nova série Os Imigrantes, abordando em páginas semanais as principais colônias de migrantes estrangeiros estabelecidas em Santos. Esta matéria foi publicada no dia 4 de março de 2013, na página A-8:


Imagem publicada com a matéria

Desigualdade, sonhos e cultura

Carmen é como tantos compatriotas que deixaram seu país para viver melhor, mas tem saudade dos costumes de sua terra

Ronaldo Abreu Vaio

Da Redação

Logo depois que chegou ao Brasil, o que mais chamou a atenção de Carmen Alicia Mercado, de 50 anos, foi que ninguém parava no meio da tarde para tomar o tradicional café a que estava acostumada, e tampouco as padarias ofereciam algum pãozinho diferente nessa parte geralmente mais modorrenta do dia.

Difícil não sentir saudades da Avenida El Cristo, na sua Santa Cruz de La Sierra natal, recheada de bares e cafés, onde se costuma encontrar os amigos para cumprir o ritual de comer, por exemplo, o cuñapé – espécie de pão de queijo –, tradicional nos cafés da tarde de que tanto sente falta.

Há 25 anos no Brasil – 15 deles na Baixada Santista –, ela primeiro chegou como muitos de seus compatriotas: para estudar. "
Nos anos 80, era costume sair, quem tinha possibilidade. Os destinos principais (dos bolivianos) eram Chile, Argentina, Peru e Brasil".

Aqui, cursou Ciências Sociais, na Unicamp. Na universidade, criativamente, sobreviveu à impertinência dos estereótipos. Quando se cansou de todos os outros estudantes troçando, querendo saber se traria a cocaína – afinal, era isso o que se pensava dos bolivianos, naquela época –, Carmen se uniu a outros compatriotas que estudavam na Unicamp e, na primeira festa, levou a cocaína: uma mistura de maisena, talco e farinha. "
Cheiraram aquilo e ficaram doidões. Quando nós dissemos o que era, começaram a ficar cabisbaixos e nunca mais mexeram com a gente", sorri.

As desigualdades e uma vida melhor - Como todos os países andinos, a Bolívia é dividida em dois: a parte alta (os altiplanos) e a parte baixa – Santa Cruz de La Sierra, por exemplo, fica a apenas 416 metros acima do nível do mar; nada, se comparado à capital La Paz, em seus 3.640 metros de altitude.

O departamento (estado), homônimo de onde fica a cidade em que Carmen nasceu, é também um arrimo da nação: em Santa Cruz está concentrada a maior parte das reservas de gás natural – a principal fonte de divisas da Bolívia. E com mais de 15 instituições de ensino superior, também é o principal polo de educação de um país que ainda guarda muitas desigualdades entre suas 37 etnias indígenas.

E é essa desigualdade que trouxe a maior parte dos 300 mil bolivianos morando no Brasil – 250 mil apenas no Estado de São Paulo. Mas por que o Brasil e não a Europa? "O Brasil tem a imagem de que está muito bem", diz. "(E as pessoas que vem para cá) Não têm nem condição de pagar uma viagem internacional de avião".

No Brasil, as condições de trabalho e de vida desses bolivianos são as piores possíveis. Geralmente, são recrutados pela indústria têxtil paulistana, em especial as dos bairros Brás, Pari e Bom Retiro. Não são raras as denúncias de condições de trabalho análogas à da escravidão.

Tudo começa na Bolívia. Em busca de melhores condições, segundo Carmen, essas pessoas são aliciadas com promessas de salários entre R$ 3 mil e R$ 5 mil por mês. Essa situação é consequência direta das desigualdades. "Nunca houve políticas sociais sérias de como administrar isso", analisa.

A ascensão de Evo Morales é uma consequência dessa situação histórica. E, embora contestado, o seu governo tomou uma decisão que simboliza o início de um resgate, ao menos na semântica – literalmente: desde 2009, as três principais línguas indígenas do país são ensinadas nas escolas, ao lado do castelhano.


Carmen e a arte indígena de seu país. Oriundos da região serrana, fria, o painel e o lenço são feitos de lã
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria

Brasileiros, muito simpáticos - Carmen é professora de espanhol e organiza grupos para cursos intensivos na Espanha (www.espanholcomcultura.com.br). Ela fala de seus conterrâneos com carinho. "Eles são muito alegres", diz dos bolivianos, um espelho de si mesma. Sua principal característica? Ela para e pensa: a paciência. E também são festeiros. Em alguns momentos, até mais do que os brasileiros. Não regateiam ante uma chance de dançar.

Certa vez, recém-chegada ao Brasil, foi convidada para uma festa de aniversário. Estranhou todo mundo sentado, comendo e conversando – e nada de dança. "
Eu achei que estavam de luto, que tinha morrido algum parente", brinca. Na Bolívia, em algumas festas do tipo, até uma banda tocando ao vivo haveria.

E que saudade da salteña nos cafés da manhã. Espécie de pastel de forno, no recheio vão carne, frango, porco, ovo, uva passa, batata. Batata? De imediato, lembra do chuño – as milenares batatas desidratadas dos incas, que usavam essa técnica para melhor conservar os alimentos.

Também é graças aos pêssegos desidratados que o mocochinche existe: em um copo com água bem gelada e canela, coloca-se uma bolota de pêssego seco. A bebida é vendida na rua, em carrinhos tais como os de suco de abacaxi e de laranja, comuns por aqui.

O brasileiro, considera-o "
muito simpático", mas um tanto desconfiado. E relata: "ele diz 'passa lá em casa', mas nunca dá o endereço". É: talvez o melhor adjetivo, nesse caso, não seja desconfiado. Mas a palavra baila em seus lábios. A desconfiança acaba sendo fruto da violência de todos os tipos.

O pior: as relações descartáveis. "As pessoas não ligam umas para as outras. Eu pergunto para minha amiga 'como está fulana?', ela responde que não sabe, e eu, 'mas como? Por que você não liga para ela?'. Quando eu faço isso aqui no Brasil, as pessoas me mandam e-mails agradecendo", diz. E Carmen não teria como fazer diferente: reflete a saudade dos muitos amigos que deixou em sua terra natal. "O que eu mais sinto falta é de encontrá-los".


Foto: publicada com a matéria

Tiahuanaco - Foi a capital administrativa e ritualística de uma civilização considerada atualmente a mais importante precursora dos Incas. Há indícios de que, em 1.500 a.C., a área em torno à cidade, no sudeste das margens do Lago Titicaca, já abrigava uma pequena vila agrícola. Em seu auge, entre 300 a.C. e 300 d.C., a cidade teve uma extensão máxima de seis quilômetros e cerca de 40 mil habitantes.

Os cortes nas pedras que compunham o templo central – parcialmente imerso na areia – são de uma precisão que ainda intriga especialistas. Nas artes, possuíam trabalhos em cerâmica policrômicos. O principal monumento é a Porta do Sol: três blocos de pedra, dispostos como um portal, medindo três metros de altura e cinco de largura, com um peso total de dez toneladas.

Salar de Uyuni - É a maior planície salgada do mundo, no sudoeste do país, a mais de 3.500 metros de altitude. Tem 12 mil m² – maior que o Lago Titicaca. A estimativa é de que contenha dez bilhões de toneladas de sal, sendo que apenas 25 mil são extraídas por ano. Há cerca de 40 mil anos, a planície era parte do lago Michin, de água salgada. Quando ele secou, estava criado o Uyuni.

Carnaval de Oruro - Celebrado na cidade de Oruro, considerada a capital cultural boliviana, baseia-se na invocação de Pacha Mama (Mãe Terra), das tradições indígenas, e de Tio Supay, o deus da morte. Trazendo-os para um cenário católico cristão, representariam a Virgem Maria e o Demônio.

Numa procissão dançante, que chega a reunir quase 30 mil pessoas fantasiadas, 10 mil músicos, em 150 bandas, percorre quatro quilômetros até a Sanctuaria del Solavón, uma igreja dedicada à virgem. Em 2001, o Carnaval de Oruro foi considerado Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela Unesco.

A coca - Originária da Bolívia e do Peru, das folhas são extraídos 14 alcaloides, dentre eles a cocaína. Mas a folha de coca é muito maior do que isso: ela é um componente da cultura andina há séculos. Recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu o direito de se mastigar a folha – a acullita, prática comum entre os índios.

O nome - Bolívia vem de Simón Bolívar, o Libertador. Ele foi um dos principais líderes que levaram à independência cinco atuais países latino-americanos: Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia. A princípio, o país foi chamado República Bolívar, uma alusão direta ao libertador. Posteriormente, o deputado por Potosí, Manuel Martin Cruz, propôs a mudança, com o seguinte argumento: "
Se de Rômulo, Roma; de Bolívar, Bolívia".


Foto: publicada com a matéria

Titicaca - Comercialmente navegável – ele tem 8.300 km² –, o lago é o mais alto do mundo: está 3.821 metros acima do nível do mar, na fronteira com o Peru. Mais de 25 rios deságuam no Titicaca, que possui 41 ilhas.

Bruxo Ekeko - Diz a lenda, Ekeko era um curandeiro índio que visitava as casas andinas para aliviar os males das pessoas. Como eram muito pobres, pagavam com o que possuíam. Assim, de casa em casa, ao final do dia o bruxo estava carregado dos mais variados e esdrúxulos objetos.

A partir dessa história, Ekeko se converteu no deus da fortuna: na moderna Bolívia, ele é retratado por um pequeno boneco de uns 30 centímetros de altura, em que se colocam, em miniatura, todos os objetos representando os desejos que se almeja realizar no ano em questão. Por exemplo, uma maleta, se o objetivo for viajar; um carro, uma casa ou qualquer outra coisa. O dia das festividades em homenagem a Ekeko é 24 de janeiro.

Estado Plurinacional da Bolívia
Estado Plurinacional de Bolivia
(espanhol)
Buliwya Mama Ilaqta (quíchua)
Wuliwya Suyu (aimará)

Capital - La Paz
População - 10.426.160 (2010)
Línguas oficiais - espanhol, quíchua, aimará e guarani
PIB - US$ 50,904 bilhões (2010)
Renda per capita - US$ 4.882 (2010)
IDH - 0,643 (2010, médio)
Datas nacionais - 6 de agosto (Independência da Espanha, 1825)
A colônia - Sem informações

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