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No meio do caminho, um abacate
Fruto evidencia uma das poucas diferenças entre Venezuela e Brasil, países sul-americanos tão
semelhantes em sua essência
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
Os tortuosos caminhos históricos que levam à
solidificação de uma unidade nacional, bem como características da terra e da alma, quando carregados de orgulho, geralmente acabam impressos na
bandeira de qualquer país nascente.
Assim, as três cores do pendão venezuelano, o amarelo, o azul e o vermelho, refletem, respectivamente, a riqueza do solo, o profundo do céu e do mar
e o sangue derramado pelos guerreiros da independência. As estrelas, por sua vez, indicam as nações libertadas do jugo espanhol por Simon Bolívar –
daí o nome de República Bolivariana. Ou seja, a Venezuela não foge à regra dos países latino-americanos no que tange a seu passado.
Há a tradicional colonização, que opôs europeus e indígenas autóctones (Caribes, Aruaques e Cumanagatos), seguida por vastos períodos de portas
abertas, em que recebeu imigrantes do Velho Mundo – Oriente Médio incluído – esperançosos de melhores condições de vida.
A família de Ana Maria Jardim Gonçalves Costa se inclui neste último rol. Por seu nome, já é possível deduzir que ela descende de portugueses – uma
das maiores comunidades de estrangeiros presentes na Venezuela, ao lado de italianos, sírio-libaneses, alemães e, claro, espanhóis. Quando ela
contava 14 anos, sua família se mudou para o Brasil – hoje, Ana tem 46.
Para ela, a similitude entre os dois países é muito grande, apenas com pequenos
ajustes temporais. A violência, por exemplo. Se no Brasil roubos e furtos foram se transformando em acontecimentos endêmicos ao longo das últimas
três décadas, Ana garante que há 30 anos, em Caracas, já era temerário andar com uma aliança de ouro na rua. Hoje em dia, existem estabelecimentos
comerciais no subúrbio, onde o cliente faz o pedido através de uma grade, sem ter acesso ao interior da loja. "Ou
você é pobre bem pobre ou muito rico".
Essa discrepância social, em um país riquíssimo de recursos naturais (é um dos maiores produtores de petróleo do mundo), segue o roteiro de tantas
outras nações do continente e pode ser considerada a responsável pela longa lista de caudilhos, cujo exemplo local, repaginado e atualíssimo, amado
por uns e odiados por outros, é Hugo Chávez.
Da religião do poder ao poder da religião, os venezuelanos são católicos fervorosos,
mais aplicados do que os brasileiros, segundo Ana. Ela própria tem em casa uma verdadeira coleção de imagens de santos, anjos e nossas senhoras,
cuja representante maior é a padroeira da Venezuela, Nuestra Señora de Coromoto.
Marión e Emília, filha e mãe carregam no coração as lembranças
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria
Um abacate entre os países - Se tantas são as semelhanças, ao menos há um abacate de
diferença entre os dois países. Parece piada, mas não é: o fruto, tão comum lá quanto cá, é o detalhe que traça uma fronteira entre as duas
culturas. Na Venezuela, ele é degustado com sal, na salada de alface e tomate. "Nunca tinha
comido abacate doce, muito menos com leite", diz Ana.
Os abacates não lhe fariam tanta falta quanto a farinha de milho para preparar as suas arepas:
é mais fina, diferente da que se produz no Brasil. Quanto à arepa, é uma massa de água e farinha. Pode ser frita, assada ou cozida. Com ou
sem recheio. No Natal, da mesma farinha se fazem as hallacas, cozidas, enroladas em trouxinhas na folha da banana da terra. "Quem
não tem no Natal, é como se não tivesse o peru no Brasil", compara.
Já a mãe Emilia Trillo de Ponte, de 48 anos, e a filha Marión, de 19, recordam o pabellón, arroz, feijão preto, banana da terra frita, ovo
frito e carne desfiada. Um prato que resvala em tudo o que um brasileiro típico costuma comer cotidianamente.
E na casa dos venezuelanos não falta o guayoyo. O que é isso? Nada mais do que café, preparado mais fraquinho do que aqui. E o que Marión
mais sente quando põe os pés em Caracas, de onde vieram, é a chichá, vendida nas ruas, em carrinho: leite, arroz, açúcar e canela; tudo
batido e servido gelado.
A imigração da família se deu pelo pai de Marión ser brasileiro. Quando chegaram aqui, elas se espantaram com a liberdade das mulheres – na
Venezuela, dizem, o recato é maior.
Afora isso, já sabiam muito do Brasil em sua terra: as novelas e o futebol são um sucesso. Na Copa de 70, a Venezuela ficou verde a amarela. Por
essa época, nasceram por lá muitos Jairzinhos, Gérsons, Carlos Albertos e Edsons Arantes – os pais davam os nomes dos craques brasileiros aos
filhos.
Ao contrário de Ana Maria, Emilia tem ascendência italiana. A maior saudade que carrega é a da família – tem cinco irmãos por lá. Marión, por outro
lado, carrega esse naco de Itália em um sangue amplamente dividido entre o Brasil e a Venezuela. Morando aqui
desde os 7 anos, muitas vezes esquece essa divisão e se sente totalmente brasileira. Mas há uma situação que faz seu sangue ferver pelo país onde
nasceu. "Me sinto mais venezuelana quando alguém fala algo negativo de lá".
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Pequena Veneza - Em 1499, as casas de palafita dos indígenas às margens do Lago Maracaibo
trouxeram ao explorador italiano Américo Vespúcio reminiscências de Veneza. Por isso, ele batizou a região de Veneziola que, em seu dialeto toscano,
queria dizer Pequena Veneza.
Primeiro independente - A Venezuela foi o primeiro país da América espanhola a conseguir a independência, em 1811. O artífice da liberdade
foi o general venezuelano Francisco de Miranda, inspirado nas ideias da Revolução Francesa e da Independência Americana – Miranda tinha participado
de ambas. Com isso, chegou a seu país e liderou a Guerra de Independência da Venezuela.
Mas a soberania definitiva só viria em 1821, quando Símon Bolívar, Jose Antonio Paéz e Antonio Jose de Sucre venceram a Batalha de
Carabobo e livraram de vez o país do jugo espanhol.
Salto Ángel - Com 979 metros de queda – sendo 807 ininterruptos – o Salto Ángel, ou Cataratas do Anjo, são as mais altas do mundo. Ficam no
estado de Bolívar, no sudoeste do país, próximas às fronteiras com o Brasil e a
Guiana. O nome da queda é uma homenagem a seu descobridor: o aviador norte-americano James Crawford Angel,
que a avistou pela primeira vez em 1933.
Petróleo - A Venezuela é o único país fora do Oriente Médio que participou da fundação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP), em 1960.
Desde os anos 20, a economia do país girava em torno do ouro negro. Hoje em dia, com quase 300 mil barris, a Venezuela é a líder mundial de reservas
de petróleo cru, comprovadas – aquelas que podem ser exploradas de imediato, com a tecnologia corrente.
Mais urbanizados... - A Venezuela é o oitavo país mais urbanizado da América Latina. Nada menos do que 87% da população moram em cidades,
especialmente no Norte e na capital, Caracas, que concentra quase 15% da população venezuelana.
...com mais florestas - Por outro lado, metade do território venezuelano é coberto por áreas verdes selvagens, segundo levantamento da
organização Global Forest Watch. Isso favorece a manutenção do país entre os 20 com maior biodiversidade nativa do planeta, no que tange a plantas,
pássaros, anfíbios e répteis. Por exemplo, das cerca de 21 mil espécies de plantas, nada menos do que 8 mil só ocorrem no país.
Viciados em beleza - O Miss Venezuela é o principal concurso de beleza do mundo. Foi criado em 1952, pela extinta companhia aérea
Panam. De lá pra cá, tornou-se uma empresa que, entre 1983 e 2003, colocou suas candidatas nas semifinais do Miss Universo, todos os anos. No total,
em sessenta anos de existência, as vencedoras do Miss Venezuela conseguiram 70 títulos internacionais.
Em grande parte, esse sucesso se deve à preparação espartana a que as moças são submetidas, assim
que alcançam as finais do seu concurso local. O treinamento, que pode durar seis meses, inclui maquiagem, oratória, modelagem, condicionamento
físico-estético e até consultas ao dentista e cirurgia plástica, conforme o caso, são recomendadas. As peças de vestuário das candidatas são todas
desenhadas por estilistas venezuelanos. No dia da competição, o país inteiro cola seus rostos na tevê e torce pela representante da sua região.
Na fronteira - O estado brasileiro de Roraima faz fronteira com a Venezuela. Nos quase 250 quilômetros que separam a capital, Boa Vista, de
Paracaima, última cidade antes do país vizinho, não há um posto de gasolina. O motivo? É só pular a fronteira para encher o tanque pagando algo
entre R$ 0,20 e R$ 0,50 o litro.
Um valor, aliás, que já pode ser considerado abusivo: segundo levantamento da empresa Air
Incorporation, o preço normal da gasolina venezuelana em 2012 era o menor, dentre 35 países pesquisados. Saía mais barato do que uma balinha no
Brasil: R$ 0,03 por litro.
República Bolivariana da
Venezuela Capital - Caracas
População - 28.047.938 (estimativa, 2012)
Língua - Espanhol
PIB - US$ 315,8 bilhões (2011)
Renda per Capita - US$ 12.700 (2011)
IDH - 0,735 (elevado, 2011)
Datas nacionais - 5 de julho (Dia da Independência, 1811)
A colônia - A Tribuna entrou em contato telefônico e por e-mail com o Consulado Geral da República Bolivariana da Venezuela em São
Paulo, mas não obteve uma resposta
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