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Um povo sem medo do trabalho
Eles enfrentam longas jornadas diárias, para construir sua independência e serem donos de
seu nariz
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
"Tu podes até derramar o teu sangue. Mas nunca derrames uma
lágrima". Sonia Li Yu Yan, de 39 anos, jamais esqueceu as palavras do avô, Em família, essas palavras se resumem a um conselho. Mas a ideia por trás
das frases transcende as paredes dos lares chineses e se incrusta na própria sociedade, especialmente entre os homens.
Assim, o que era um conselho se transforma quase no libelo de uma nação - até inconscientemente.
Talvez venha daí a resiliência e a grande disposição do chinês para o trabalho. Dona de uma padaria no Centro de Santos que já foi de seu avô e de
seu pai, Sonia abre as portas de segunda a sábado, das seis da manhã até o último cliente, caso ele insista em tomar uma última cerveja. Só abdicou
de abrir aos domingos depois de ir morar com seu companheiro. "Tenho que cuidar do marido. Se não cuidar, o marido manda embora", sorri.
A família de Sonia veio da província do Cantão, quando ela tinha onze anos. O motivo é o mesmo de
tantos outros chineses: tentar uma vida melhor. A imigração dos Li já foi tardia, nos anos 80. O grande fluxo aconteceu entre os anos 40 e 50,
quando o país estava devastado, após sucessivas dominações estrangeiras, conflitos internos e guerras contra o
Japão, que intentava anexar a China ao seu império.
Vem dessa rixa histórica uma coisa que incomoda muito um chinês no Brasil, como confessa Sonia:
chamá-lo de japonês. "Mas eu sei que, às vezes, o cara não sabe que eu sou chinesa", diz, complacente. E fica difícil mesmo saber, com um prenome
tão brasileiro quanto Sonia. Mas, para isso, há explicação: quando se naturalizou brasileira, foi esse o nome escolhido. Já o Li é o seu sobrenome
familiar - na China, é o que vem primeiro na composição do nome. Já os ideogramas Yu Yan querem dizer, respectivamente, jade e andorinha.
"O sentido que meu pai deu era a de uma andorinha de jade preciosa para ele", explica.
Sonia Li Yu Yan, de 39 anos, na padaria que já foi de seu avô e de seu pai, no Centro de Santos.
Ela abre de manhã e só fecha quando o último cliente vai embora: acostumada ao trabalho
Foto: Bruno Miani, publicada com a matéria
O Ano-Novo, a luta contra Nian, o devorador de homens - Quando chegou ao Brasil, Sonia não
falava uma palavra em português. E continuaria assim, não fosse a tenacidade do avô: em casa não podiam ver filmes ou ler livros em chinês. "Ele
dizia, como você vai viver nesse país, se não souber a língua?".
Ou seja, o avô de Sonia fez exatamente o oposto do que costuma fazer a maioria dos imigrantes, que
tendem a fomentar a própria língua e cultura. Com isso, revelou um outro traço da alma chinesa. "O chinês não olha para trás. Só pra frente", define
Sonia. E, segundo ela, bem para frente, ao futuro - "chinês pensa muito na família, em como manter a família" - por isso, e porque na China o
casamento ainda é envolvido por uma aura sacra que tende a perpetuá-lo, é natural que se pondere muito antes de juntar os trapos. Pensando nisso,
quando Sonia anunciou que iria morar com um brasileiro, a princípio sua mãe foi contra. E se não desse certo?
Mas está dando certo, embora ela não tenha se casado à moda chinesa: de vestido vermelho, que
simboliza amor, prosperidade e sorte, com as núpcias realizadas por um ancião, escolhido pela noiva, em uma data acertada a partir da astrologia
chinesa, em um horário cujos ponteiros do relógio estejam para cima (exemplo: 11 horas). O pedido de proteção às divindades também não pode faltar:
o destino dos homens, em grande parte, está em suas mãos.
E é sobre isso que versa o Ano-Novo, a maior festividade da China. Reza a lenda, a origem das
celebrações está na luta contra um monstro chamado Nian (Ano, em chinês), que sempre vinha devorar os homens. Para se proteger, as pessoas soltavam
fogos de artifício- Nian teria medo disso - e colocavam alimentos na porta de casa - acreditavam que, se satisfeito, deixaria os homens em paz.
"Comemoramos com um banquete, para reunir o maior número de familiares. É muita comida. Tem de
haver sobra. Isso significa que não vai faltar no novo ano", conta Lee Chi Kin. Peixe, porco e pato são as vedetes da mesa. E as guiozas
(trouxinhas recheadas) também são itens indispensáveis. A data é comemorada sempre no primeiro dia do primeiro mês do calendário lunar - por isso,
varia de ano a ano.
Para ser dono do próprio nariz - Lee é proprietário de um bar e restaurante no Centro de
Santos. Chegou aqui com 15 anos, oriundo de Hong Kong, onde nasceu. Mas seus pais e irmãos também são do
Cantão. De pequenos proprietários de terra, a família de Lee foi desapropriada após a Revolução Maoísta, de 1949, e se refugiou na então colônia
britânica. Embora formado em Matemática no Brasil e já tendo trabalhado na área de informática, Lee conseguiu no bar "ser o dono do próprio nariz",
como diz.
E considera o Brasil melhor para o trabalho e para o sucesso. "Lá, ou você tem que ser muito bom
ou muito rico para dar certo", avalia. Caso contrário, restam os salários ainda muito baixos, que fizeram com que, no maior país comunista do mundo,
os 10% mais ricos ganhem 23 vezes mais do que os 10% mais pobres - um contrassenso político-ideológico.
Tanto Lee quanto Sonia já viveram muito tempo fora da China, estão à margem de tudo isso. E, como
todo chinês que se preze, nenhuma saudade é tão grande, que lhes faça olhar para trás.
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A muralha - Impressionante obra com fins militares, a Grande Muralha da China é, na
verdade, um conjunto de várias muralhas, construídas durante várias dinastias e quase dois milênios.
O início se deu em 221 AC, quando o imperador Qin Shihuang (dinastia Chin) começou a unificar as
pequenas muralhas já existentes. O objetivo era proteger o império.
O término da construção aconteceu apenas 16 séculos depois,nos anos 1600, durante o período Ming.
O comprimento da muralha é de 8.850 quilômetros e ela possui sete metros de altura, em seus pontos mais altos.
Documentos - Para entrar na China é necessário apenas requerer um visto de turista, que
pode ser obtido sem grandes dificuldades. Quem vai ao país também deve contratar uma assistência de viagem, para garantir que nenhum imprevisto
atrapalhe o passeio. Afinal, um simples mal-estar ou uma perda de bagagens pode acarretar grandes inconvenientes, agravados pela dificuldade de
compreensão do idioma e pelo sistema de saúde muitas vezes precário e que assusta quem está acostumado aos padrões de higiene ocidentais.
Para evitar esse tipo de situação, a Travel Ace Assistance, uma das empresas nacionais em
assistência de viagem na América Latina, oferece produtos para todos os perfis de turistas: famílias, casais, estudantes e até gestantes, com planos
a partir de US$ 38 para uma viagem de cinco dias, ou seja, pouco mais de R$ 13 por dia para viajar completamente protegido.
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Horóscopo - O horóscopo chinês deriva do calendário e está acoplado a ele. Reza a lenda,
Buda convidou todos os animais da criação para uma festa de Ano-Novo em que cada um teria uma surpresa. Só compareceram 12, que ganharam um ano,
de acordo com a ordem de chegada: Rato, Boi, Tigre, Coelho, Dragão, Serpente, Cavalo, Cabra, Macaco, Galo, Cão e Porco.
Ao contrário do que acontece no horóscopo adotado no Ocidente, o ciclo zodiacal chinês não
começa e termina em um ano, mas em um período de 12 anos. |
O calendário - Xia Li, o calendário chinês, é o mais antigo registro de marcação do tempo da
História. E também é bastante peculiar: ele se vale tanto dos ciclos do sol, quanto da lua, por isso é chamado de lunissolar. Cada ano possui doze
lunações, perfazendo 354 dias solares. Para não perder a sincronia com o ano solar, de 365,25 dias, a cada oito anos, 90 dias são acrescidos ao
calendário. Por seu calendário, a China tem 4.710 anos.
O céu é o limite - Como muitos povos antigos, os chineses eram obcecados pelo céul. Tanto
que sua terra era chamada Reino do Meio Celeste e o imperador considerado o Filho dos Céus, que sabia, através de seus astrólogos, o caminho das
estrelas e os dias de mudança das estações. Com tudo isso,não é de se espantar que eles tenham sido os primeiros a observar o cometa Halley, em 240
a.C.; e que tenham dividido o ano nos 365,25 dias, em 444 a.C.
Invenções - As quatro grandes invenções humanas modernas, o papel, a pólvora, a impressão
woodblock (N. E.: em blocos de madeira)
e a bússola, são chinesas.
Cobras e escorpiões - A China continental mudou muito desde que Lee Ying Ha a deixou, 40
anos atrás. Sua família, fugindo da Revolução Maoísta, refugiou-se em Hong Kong, então um protetorado britânico. Mas as reminiscências de um país em
que as mulheres esperavam, de pé, os homens terminarem de comer - e, enquanto isso, serviam-nos - para só depois tomarem a refeição, ainda vivem com
ela. Porém, o tempo para recordações é curto: ela trabalha em um bar no centro de Santos, que abre todos os dias, cedo, e fecha tarde da noite,
confirmando que os chineses são verdadeiros monstros do trabalho.
Mas também são mais fechados do que os brasileiros - ela reconhece isso. E conta um caso que
aconteceu quando viajou para visitar o seu país. Na ocasião, alugou um apartamento, cuja maçaneta ficava automaticamente trancada pelo lado de
dentro, ao fechar a porta. Certa vez, esqueceu a chave do lado de fora. A porta bateu e ela ficou presa. "Pedia para as pessoas me abrirem a porta,
mas elas diziam que estavam atrasadas e passavam reto". Só muito tempo depois, alguém acudiu. "No Brasil, juntaria gente pra ajudar". Disso, Lee se
ressente.
Mas da sopa de carne de cobra que seu pai um dia preparou - na China, há restaurantes finos
especializados na iguaria -, carrega um tanto de saudade. Não da iguaria em si, mas do pai, do ambiente, da vida, em volta disso. Diz que parece
frango, só que bem mais tenra, a carne; se frita, parece frango à passarinho.
Mas o que não tem comparação são os espetinhos de escorpiões fritos. Alguns ainda balançam as
perninhas quando escolhidos pelos clientes em feirinhas de algumas regiões chinesas. Da culinária chinesa, porém o que lhe dá mais saudade é
o que chama de lanchinhos, pãezinhos recheados, assados. "Se come no café da manhã. Gosto muito".
República Popular da China
(Zhonghuá
Rénmín Gònghéguó)
Capital - Pequim
População - 1.339.724.852 (2010)
Línguas - chinês (oficial). Algumas línguas regionais reconhecidas são mongol, tibetano, uyghur e zhuang
PIB - US$ 7.298 trilhões (2011)
Renda per capita - US$ 5.413 (2011)
IDH - 0,633 (desenvolvimento médio)
Datas nacionais - ano novo (a cada ano, em uma data distinta, pelas diferenças no calendário)
A colônia - A Tribuna tentou contatos por telefone e e-mail com o Consulado Geral em São
Paulo, sem sucesso.
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