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Mudanças de vida e personalidade
Clima diferente, mais cordialidade, palavras diferentes: para quem deixou o Chile, são
características brasileiras
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
Na cidade de San Pedro de Valdivia o clima é tão seco que
nunca chove. Tanto que a Prefeitura precisa constantemente regar as poucas plantas dos espaços públicos, para evitar que morram. Assim, não é uma
surpresa que Sonia Rivera Flores, de 70 anos, tenha usado um guarda-chuva pela primeira vez apenas aos 35, quando chegou a Santos.
"Ao descer a serra, a umidade e aquele verde todo me impressionaram". San Pedro de Valdivia fica em pleno
Deserto de Atacama, a região mais seca do mundo, no Norte do Chile. O índice pluviométrico médio da área é de desconcertante um milímetro – ao
ano. Com a falta de chuva, os telhados das casas não têm calhas e são retos. Já a temperatura é uma gangorra bipolar: vai de algo entre 38 e 40
graus, durante o dia, a meros cinco graus, à noite.
Sonia é descendente de índios mapuches, apesar de, historicamente, esse povo habitar a porção centro-sul chilena – ou seja, do outro lado de onde
nasceu. Como diz, mudou-se para Santos por causa da "flecha do cupido, que me pegou". Cabeleireira, hoje trabalha com o fruto da flechada, o filho,
em um salão próximo à Avenida Pinheiro Machado (Canal 1).
Nos primeiros dias explorando a Cidade, estranhou ao ver a placa Borracharia: um lugar só para bêbados (em espanhol, borracho quer dizer
ébrio)? Acabou entendendo tudo ao ver a profusão de pneus espalhados pela tal borracharia.
De modo geral, não passou por maiores incidentes no Brasil. Graças à personalidade dos brasileiros, calorosos, amigáveis e hospitaleiros. Um pouco
diferente dos chilenos, segundo ela. "Se você pede uma informação, ele pode saber que está do lado, mas é capaz de dizer que não sabe onde é". E
cita um dito popular, que exemplifica um certo individualismo chileno: "Cada um mata o seu touro".
Lá, mal se olham - Embora Alejandro Bañados, de 39 anos,tenha nascido em
Santiago, a capital do Chile, a quase 1.800 quilômetros de distância de Sonia, ele concorda em que o povo
chileno é mais individualista e não se interessa tanto "por seu vizinho", como o brasileiro. "Morando aqui, no prédio, as pessoas se saúdam. Em
Santiago, nos elevadores, elas nem se olham".
Curiosamente, ele acredita que, nos anos de chumbo da ditadura de Augusto Pinochet, entre 1973 e
1990, os chilenos eram mais solidários, apesar da mordaça que envolvia a nação. Era uma época de grave crise econômica (entre 1973 e 1987, a renda
per capita chilena caiu 6,4%). "Éramos mais organizados. Sonhávamos com um país unido, que viria com a democracia. Mas não veio".
Com a pujança de hoje em dia (o Chile tem um dos melhores indicadores econômico-sociais da América Latina), vieram a indiferença e o consumismo
desenfreados. "Se você compra uma tevê de 49 polegadas, o seu vizinho vê e quer uma maior. É uma competição", comenta, citando um exemplo já bem
gasto por aqui também. Mesmo assim, ele não vê os brasileiros tão consumistas como seus compatriotas.
Mas nos vê um pouco mais dissimulados em algumas situações. Por exemplo, o relacionamento no
trabalho: Fulano não se dá com Sicrano e confessa furiosamente com Beltrano o desconforto. Mas, quando Fulano encontra Sicrano, afoga-se num mar de
cordialidades. "No Chile, não aconteceria dessa forma. Se você tem um problema com alguém, não se consegue esconder. Em algum momento, vem à tona".
Tanto em relação às idiossincrasias de lá quanto às de cá, por serem manifestações culturais, não
se há de rotulá-las de esquisitas, nem de exquisitas. Assim mesmo, com x. E por que não? Afinal, tudo depende apenas do ponto de vista, se em
português ou em espanhol. Alejandro aprendeu isso na prática. Certa vez, em um restaurante, em Santos, perguntaram-lhe se a comida lhe agradava. E
ele encheu a boca para dizer que estava "muy exquisita". "Ficou um silêncio na mesa, até que perguntaram se eu queria trocar o prato", sorri.
Em tempo: o exquisito espanhol, com x, quer dizer muito bom.
Naquele dia, Alejandro provou uma moqueca de peixe. No Chile, do mar à mesa, o caminho é bastante curto. Por incrível que pareça, mesmo em Santos,
uma cidade litorânea, ele não consegue encontrar a variedade de frutos de mar que diz existir em seu país. "Aqui se come muito camarão". Lá,
comem-se lagostas, lagostins, caracóis do mar e, ainda, o picoroco – um crustáceo parecido com as ostras, só que maior, geralmente preparado
no vapor, com especiarias, como a pimenta aji.
Mas a saudade que mais carrega é a do cheiro de levedura do pão quente chamado marraqueta –
um pão francês em formato de bumbum que se come especialmente na hora da once, ou a hora do chá, entre as 17 e as 21 horas. O chá é a versão
mais comportada dessa tradição antiga que começou com os trabalhadores das minas de salitre espalhadas pelo país. Nos intervalos do trabalho duro,
buscava-se alívio em uns goles de aguardente. Como bebida e trabalho nunca combinaram, não seria uma boa ideia ao andamento da labuta que algum
encarregado descobrisse a atitude folgazã. Assim, se referiam à bebida apenas por once, em referência às onze letras da palavra
aguardiente.
Alejandro já está há muito tempo longe de casa. Morou oito anos na Argentina, antes de chegar ao Brasil, em fevereiro – como Sonia, também pela
porta do amor. Trabalha em São Paulo, em uma empresa que fornece aromas para as indústrias alimentícia e de perfumes. Acredita que, no Brasil,
encontrou o seu destino. "Quero que aqui seja minha última parada. Gosto muito desta cidade. Acho que o chileno tem essa capacidade de se adaptar a
outros países".
Sonia e as cores do seu país, nos esmaltes no salão em que trabalha: cabeleireira, veio ao Brasil
pela flecha do “cupido”
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
O mais longo - Com mais de 4 mil quilômetros de extensão e apenas 175 de largura, em média,
o território do Chile é uma tripa, na porção ocidental da América do Sul. Mas também é o mais longo do mundo.
E com todo esse comprimento, o clima do país varia drasticamente: começa com o deserto mais seco
do planeta, o de Atacama, ao Norte, passa por um clima mais ameno, próximo ao do Mediterrâneo, ao centro, até desembocar em um clima alpino, com
neve e tudo, ao Sul.
Poucos estrangeiros - À exceção de espanhóis colonizadores e de índios mapuches, a presença de imigrantes no Chile é irrisória, se comparada
à do Brasil, por exemplo. Lá, a população estrangeira nunca passou de 4% do total.
Vale Central - Essa é a porção do país que concentra a maior parte das vinícolas. O Chile é o quinto maior exportador de vinho do mundo.
Foto publicada com a
matéria Moais - São formações de pedra (foto) na
Ilha de Páscoa, que está no Oceano Pacífico, a mais de 3 mil quilômetros da costa, mas faz parte do
território chileno.
A maioria são imensos rostos com traços dos povos dos mares do sul, talhados a partir de
pedras vulcânicas por povos polinésios, que teriam chegado à ilha nos primeiros séculos depois de Cristo.
Os moais estão por toda a ilha, dispostos lado a lado ou em semicírculo, como em santuários a
céu aberto. O maior deles, Paro, tem 23 metros de altura. |
Mapuches - A palavra se origina da fusão de mapu, que quer dizer terra, e che,
que quer dizer gente. Essa gente da terra teria surgido na região centro-sul do Chile pelo menos cinco séculos antes de Cristo. Dos 15 milhões de
chilenos, segundo o censo de 2002, 604 mil, ou 4%, se declararam da etnia.
País dos poetas - Os chilenos chamam assim a sua terra. Gabriela Mistral venceu o Prêmio
Nobel de Literatura, em 1946. E Pablo Neruda (foto) foi o vencedor de 1971. Só para lembrar: o Brasil não tem nenhum Nobel em área alguma.
Foto publicada com a matéria
República de Chile (República
do Chile) Capital - Santiago
População - 17.248.450 (estimativa, 2011)
Língua oficial - Espanhol
PIB - US$ 385,049 bilhões (estimativa, 2012)
Renda per Capita - US$ 21.271
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) - 0,805 (muito elevado)
Datas nacionais - 18 de setembro (independência, 1810)
Colônia na região - O Consulado Geral do Chile em São Paulo informa que não possui nenhuma estimativa
sobre o número de chilenos vivendo em Santos ou na Baixada Santista
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