Imagem publicada com a matéria
Diferenças até nas semelhanças
Longe de seu país, os peruanos mantêm o recato com o corpo, a paixão pelo pisco e o respeito
à miscigenação
Ronaldo Abreu Vaio
Da Redação
Línguas espanhola e portuguesa. Tem muito brasileiro que bate
no peito e diz que "é tudo a mesma coisa". Há mais de uma década no Brasil, os irmãos peruanos Tony e Jhon Herrera, respectivamente de 33 e 31 anos,
tiram da manga uma bela lição de que até as semelhanças guardam cruciais diferenças. Aconteceu após um mês da chegada de Tony. Em um bar, ao seu
lado, alguém pediu "uma dose de pinga forte". Primeiro, Tony achou que tinha ouvido errado. Mas como os pedidos se sucediam um depois do outro,
começou a ficar acabrunhado. Tudo porque pinga, em boa gíria peruana, quer dizer pênis. "Se viajar para lá, nunca peça uma pinga",
deixa o sábio conselho.
Em visita ao seu país, depois de alguns anos no Brasil, a sensação de ser um estranho no ninho começou justamente pela língua, ainda no aeroporto.
"Você desce do avião em Lima e ainda tem gente falando português, você tenta falar, continua influenciado. Ao ponto de lá me perguntarem de onde eu
era", recorda-se Tony.
Mas foi só entrar novamente em uma cebicheria para ter certeza de onde era. Nas populares
cebicherias é servido o ceviche, peixe cru, geralmente de carne branca – linguado é um deles – marinado com sal, azeite, limão,
cebola e pimenta. Ao contrário do que possa parecer, a origem é espanhola, sem qualquer inspiração japonesa, apesar de o Peru ser o segundo país da
América Latina com maior presença nipônica (só perde para o Brasil). Inclusive, os japoneses chegaram antes ao Peru: em 1899.
Os irmãos Tony e Jhon Herrera e alguns ícones peruanos: a garrafa de pisco, o chullo, gorro
típico dos Andes, e, ao fundo, a foto da cidade de Machu Picchu. Sem esquecer, é claro, da camisa da seleção peruana, usada por Jhon
Foto: Davi Ribeiro, publicada com a matéria
Os cholos e o preconceito - Abrigar uma grande colônia japonesa não é a única
semelhança entre Peru e Brasil. Tony e Jhon reconhecem outras marcas comuns às duas nações: a miscigenação e o preconceito. "No Peru, não é contra
os negros. Você chama alguém de negro numa boa; no Brasil parece ofensa. Lá, é contra os indígenas". Os indígenas, chamados de cholos, são
oriundos dos Andes e descendem principalmente dos avançados incas, subjugados pelos espanhóis a partir do século 16. A histórica cidade de Machu
Picchu, um dos ícones turísticos do Peru, é um remanescente desse império.
Segundo Tony e Jhon, um grave e recorrente ressentimento local é que todos os créditos com a exploração turística andina vão parar em Lima, a
capital. "Naquela região, não tem uma universidade pública. Só os ricos estudam", conta Jhon. E traçam um panorama muito parecido com o que se
observou no Brasil, nos ciclos de migração do Nordeste para o Sul e Sudeste.
Os indígenas, para tentar uma vida melhor, mudavam-se para Lima. Lá, estigmatizados e sem instrução, encontravam uma realidade bem diferente da que
a esperança lhes incutia. "Mesmo hoje, são marginalizados. Em casas noturnas, por exemplo. Pode acontecer de o segurança dizer que está lotada. Mas,
logo depois, vem outra pessoa diferente e entra".
Eles também consideram os peruanos mais conservadores do que os brasileiros, em muitos aspectos.
Um deles, na hora de mostrar o corpo. Ou melhor: na hora de não mostrar o corpo. "A mulher dificilmente usaria os shorts curtos que se usam
aqui". Tampouco a maioria dos homens, na praia, usa sungas; a prevalência é de shorts.
Dentro de casa, os peruanos prezam uma mesa de jantar bem grande para reunir toda a família em datas especiais, como o Dia da Independência, em 28
de julho, quando as casas são decoradas com motivos e cores patrióticos. Também apreciam uma sopa no jantar, geralmente canja, e toda casa peruana
que se preze tem à disposição pelo menos uma garrafa de pisco – aguardente feita à base de uvas – a 51 deles. Aliás, uma garrafa de pinga, ou
melhor, de cachaça 51, no Peru, chega a custar US$ 80. "É uma bebida considerada fina. Quando vou visitar, levo para todo mundo", sorri Tony.
À parte exageros como esse, o custo de vida no Peru é mais baixo do que no Brasil e muito mais baixo do que em Santos. Segundo eles, um ótimo
apartamento, em área nobre de Lima, custaria algo como R$ 350 mil. Uma tevê de LED, de 46 polegadas, 600 soles – meros R$ 450,00.
Apesar de tudo isso e, claro, do coração peruano, os dois irmãos já estão estabelecidos aqui. Eles
têm um grupo musical, o Los Faites; além disso, Tony é professor de Espanhol e Jhon trabalha com informática. "A intenção era ficar um tempo e
voltar. Mas aqui é uma terra de trabalhadores. Quem quer, consegue".
Foto: Shutterstock, publicada com a matéria
Linhas de Nazca - São um conjunto de geoglifos (grande figura) desenhados no meio do
deserto de Nazca, ao sul do Peru. Partem de desenhos simples, até chegarem a intrincadas linhas formando macacos, beija-flores, aranhas, tubarões,
lhamas e lagartos.
O mais intrigante é que os desenhos, alguns com 200 metros de diâmetro, só podem ser vistos do alto. Acredita-se que tenham sido elaboradas pela
civilização de Nazca, entre 400 e 650 depois de Cristo. Já que são vistas apenas do ar, só foram descobertas em 1930, quando os primeiros voos
passaram pela região. Hoje, são Patrimônio da Humanidade, pela Unesco.
Japoneses no Peru - Há 90 mil japoneses no Peru – no Brasil, são 1,5 milhão. O ex-presidente Alberto Fujimori, que esteve no poder de 1990 a
2000, carrega no nome a sua origem nipônica.
Foto: Shutterstock, publicada com a matéria
Os incas - Os donos do único império da América pré-colombiana, a civilização inca chegou a
se estender de seu epicentro, o Peru, por Bolívia, Equador, Colômbia, até o Noroeste da Argentina e o Norte do Chile. A capital desse império, que
foi composta por 20 milhões de pessoas em seu auge, no século 14, era Cuzco, no atual território do Peru.
Da língua quíchua, a predominante entre os incas (havia mais de 700 idiomas, dos diversos povos
que compunham o império), a palavra Cuzco tem um significado condizente com o de uma capital: quer dizer umbigo do mundo.
Criaram sistemas de irrigação, baseados em uma avançada engenharia hidráulica, trabalharam com
metalurgia do cobre e do bronze e desenvolveram técnicas de construção com cortes de pedra tão precisos, que até hoje desafiam a Ciência. Do
império, a cidade mais famosa que resta, relativamente intacta, é Machu Picchu, a 2.400 metros de altitude.
Muito antes dos incas - Se os Incas já são bem famosos mundo afora, pouca gente conhece a civilização de Caral, no Vale do Supe. A cerca de
200 quilômetros de Lima, é uma das mais antigas do mundo, contemporânea do Egito, China, Índia e Mesopotâmia, tendo se organizado em uma
cidade-estado urbanizada por volta de 2.500 antes de Cristo. No resto da América, a urbanização só aconteceria mais de mil anos depois.
Foto: Shutterstock, publicada com a matéria
Inca Kola - É um refrigerante à base de limão verbena, motivo de orgulho peruano. Criada em
1935 por José Robinson Lindley, em todo o mundo a marca já é de propriedade da Coca Cola Company – menos no Peru. Lá, é de propriedade da
Corporación Inca Kola Perú S.A., uma joint venture entre a família do criador e a Coca-Cola.
Pisco Sour - Pode ser descrita como a caipirinha peruana. Embora as receitas variem um pouquinho, é um drinque feito à base de pisco, limão e
clara de ovo, batidos com açúcar e gelo.
República del Perú
Piruw Ripublika (quíchua)
/ Piruw Suyu (aimará)
República do Peru
Capital - Lima
População - 29.549.517 (estimativa 2012)
Línguas oficiais - espanhol, quíchua, aimará e outras línguas nativas
PIB - US$ 173,5 bilhões (2011)
Renda Per Capita - US$ 10.200 (2011)
IDH - 0,723 (elevado, 2010)
Data nacional - 28 de julho (Dia da Independência, da Espanha)
A colônia - cerca de mil pessoas na Baixada Santista, segundo o Consulado Geral do Peru em São Paulo
|
|