HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
OS IMIGRANTES
A colônia sino-coreana (2)
Beth Capelache de Carvalho (texto)
Rafael Dias Herrera, Anésio Borges e Ademir Henrique (fotos)
Chung, o lojista
Para o chinês que chega ao Brasil, tudo é diferente.
Desde a arquitetura até a comida, passando pelos costumes sociais, o sistema de ensino, o relacionamento entre patrões e empregados. Sem contar a
língua, que representa a barreira mais difícil, sem a qual é impossível enfrentar as outras.
Antes de mais nada, é preciso encontrar um amigo, um compatriota. Ajuda, crédito, orientação, só um chinês pode
dar ao outro que chegou depois.
Foi isso que sentiu o engenheiro Chung, segundo chinês do grupo de Formosa
a chegar a Santos. O primeiro foi seu cunhado, Chiou, também engenheiro. Foi ele que apoiou Chung nos momentos mais difíceis, e foi ele quem aconselhou:
"Se você quiser viver no Brasil, entre para o comércio".
A experiência de Chung foi agravada pela situação do Brasil na época em que imigrou. Em 1963 havia muita greve,
muita confusão e nenhum emprego para um engenheiro civil que não falava português. Por isso, seguiu a sugestão do cunhado mais experiente. Veio para
Santos, mais sossegada do que a Capital, com um povo mais aberto. E depois de alguma luta conseguiu montar a loja (Chung Presentes, na Floriano
Peixoto), onde pôde manter contato direto com pessoas e travar amizades em curto espaço de tempo.
O começo foi duro, e ele mesmo já não sabe onde foi buscar coragem para enfrentar tudo. Voltar à
China não seria uma boa política, pois quem sai para procurar outro país é visto com maus olhos quando volta de
mãos vazias. Por isso, teve de se adaptar. Ainda hoje, Chung acha sua vida "meio seca", e lembra: "A gente só faz dormir e trabalhar. Mas para os filhos
isso é mais fácil, pois estudam em escolas brasileiras, aprendem a falar sem sotaque e fazem amigos com mais facilidade". Ele tem quatro filhos, um dos
quais já se formou engenheiro e está trabalhando na África.
"O imigrante é como uma flor enxertada. Ele mesmo se sente estranho, mas cria raízes e dá folhas e frutos". Por
isso, é comum entre os imigrantes a preocupação de suprir os filhos de todos os recursos que podem tornar a vida mais fácil, principalmente o estudo.
Chung conseguiu tudo isso. Estabilizou-se e não deixa faltar nada à família. Mais do que isso, tornou-se uma
espécie de padrinho de todo patrício que vai chegando em Santos. Por isso, entre as dez famílias que formam o grupo de
Formosa, pelo menos sete têm lojas, como ele. Chung serve de fiador, apresenta fornecedores, acode nisso e
naquilo, faz as vezes de um líder.
Os chineses de Formosa seguem o confucionismo, conhecido na
China como ju-chaio (os ensinamentos dos sábios), que é mais uma filosofia ou
sistema ético do que uma religião. Seu conceito central é o jen, que indica o cultivo do amor e da bondade, pois considera o homem bom, e a
virtude a maior recompensa do livre arbítrio. O saber, a sinceridade, o cultivo da vida interior, a harmonia na vida familiar e nas relações sociais são
os objetivos básicos do confucionismo, que dispensa igrejas, cleros ou dogmas. Na casa de cada adepto há uma espécie de altar, onde são venerados os
antepassados.
Sem um templo ou uma associação que os reúna, as famílias de Formosa
costumam visitar-se. Quando algum parente chega em Santos, o presente mais apreciado é a comida, pois a culinária é uma coisa muito especial em toda a
China.
Restaurante Hong-Kong Palace, na Avenida Conselheiro Nébias
Luo, o cozinheiro
Culinária chinesa é a especialidade de Jorge Luo
Tsoung Jyh, que chegou ao Brasil há 12 anos, e depois mandou chamar a mulher, os filhos e os pais. No começo havia poucos chineses em São Paulo, onde
Luo, que na China era administrador de empresas e professor, foi trabalhar numa firma. Mas sua função de
administrador era atrapalhada pela língua: os funcionários não o entendiam, a comunicação era muito difícil.
"Quando uma coisa não dá certo, o chinês logo procura outra", explica Luo. Aconselhado por um amigo mais velho e
há mais tempo no Brasil, ele decidiu que seria dono de um restaurante, como seu pai. Mas começou do princípio: foi ser ajudante de cozinha, num
restaurante chinês, onde o cozinheiro, muito zeloso, não dava colher de chá. Luo ia olhando tudo e tomando nota.
Em São Paulo, quando adquiriu experiência e já tinha algum dinheiro, ele procurou criteriosamente um ponto onde
seu restaurante pudesse dar lucro certo. Mas não encontrou nada na Capital, e acabou comprando um ponto em Mogi das Cruzes, onde ficou três dias sem
nenhum freguês. Depois desse pequeno susto, o negócio começou a progredir, tudo contadinho, cruzeiro por cruzeiro.
Quando resolveu comprar o Hong Kong, em Santos (Av. Conselheiro Nébias), pediu auxílio a dois amigos mais velhos
e ao pai, que passou cinco dias no local, observando o movimento, o trabalho dos empregados, fazendo contas. No fim, o sinal verde: Luo podia comprar o
restaurante, e com algumas modificações no sistema, o lucro seria certo.
E foi assim que aconteceu. Com os filhos já em idade de ajudá-lo, e com a esposa disposta a colaborar, Luo fez
com que a própria família tomasse conta do atendimento aos fregueses e dos serviços de retaguarda. Como dizia o seu pai, um freguês satisfeito sempre
volta. Hoje, o Restaurante Hong Kong tem freqüência certa, e recebe pessoas importantes, como o cônsul do Japão, o ex-ministro Uheki, o cônsul chinês,
Pelé, vários artistas e empresários.
A única queixa dos fregueses está acima das possibilidades de Luo: é a fila para o estacionamento do
supermercado ao lado, que sempre fecha a sua entrada para carros, às vezes até em fila dupla, apesar da presença de um guarda de trânsito nas
proximidades. Mas quem já experimentou a comida de Luo não deixa que o trânsito estrague seu apetite.
Desde os pratos mais exóticos, como o bêche-de-mer (um crustáceo feito à moda chinesa), até o shop
suey (prato inventado pelos soldados japoneses, durante a guerra - shop suey quer dizer mistura), o sachini (peixe cru) e os rolinhos
fritos, a comida é bem apreciada pelos fregueses. Os chineses já preferem os frutos-do-mar e se aventuram pelo cardápio muito mais do que os
brasileiros, que geralmente pedem o frango xadrez.
Luo acha o Brasil muito bom. Só não se adapta é ao tipo de relacionamento entre os patrões e os empregados, que
considera muito injusto. "Na China, o patrão é responsável pelo empregado, que o respeita como a um pai. Aqui, os
empregados são preguiçosos, faltam, não têm vergonha de serem repreendidos nem de perderem o emprego. Fazem tudo errado e ainda vão reclamar no
Ministério, que sempre dá razão ao empregado, nunca ao patrão que foi lesado. Qualquer coisa é motivo para um atestado médico".
No Restaurante Hong Kong, a família Luo atende pessoalmente os fregueses
Veja a parte [1] desta matéria
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