Cidades portuárias têm
sempre uma vida cultural e política ativa, justamente por conta do intercâmbio maior com o que vem de fora, tanto nas idéias quanto nas tendências.
Liverpool é a mais conhecida delas. Terra natal de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, serviu de berço para os Beatles, a
maior banda de todos os tempos. Só para comprovar a tese, foi em outra cidade portuária que o quarteto começou a fazer sucesso: Hamburgo, na
Alemanha.
Santos não foge à regra: é impressionante a quantidade de bandas, de todos os gêneros,
que disputa os poucos espaços disponíveis. E o cenário aqui é forte há várias décadas. Já teve seus templos, como a Heavy Metal (a primeira
danceteria do Brasil) e a Alta Tensão, além de estabelecimentos mais recentes como o Torto e os já fechados Bar da Praia e Praia Sport Bar.
Especialista no assunto, Chico Marques reforça essa relação do Porto com o pioneirismo
de Santos na área musical. "Com certeza, houve uma relação muito próxima das bandas locais com o Porto nas décadas de 60 e 70, quando a antiga
boca funcionava a todo vapor e empregava a maior parte dos músicos da cidade. Na época, os discos lançados lá fora
demoravam muito para chegar até aqui, e era comum o pessoal que tocava na boca conhecer Jimi Hendrix e Cream, por exemplo, muito antes dos
músicos de São Paulo. Isso graças ao intercâmbio de informações que havia com quem trabalhava em navios e que desembarcava por aqui. A maioria
estava sempre de passagem e trocava figurinhas com os que tocavam nas boates".
Chico conta que, a partir dos anos 80, com o fim da boca, essa troca de
informações foi esfriando, e muitos músicos que atuavam aqui subiram a Serra ou mudaram de ramo. "As bandas novas que apareceram de lá para cá
pareciam ter mais a ver com a explosão de rock nacional e com a Heavy Metal, do Toninho Campos, que abria espaço para essa gente tocar, fazendo
escada para bandas de fora, que também estavam começando. A relação com o Porto foi desaparecendo aos poucos".
O maior fenômeno é, claro, a banda Charlie Brown Jr., que nasceu em Santos, há 16
anos, e ganhou espaço no cenário nacional com seu hardcore (N.E.: núcleo)
que mistura uma infinidade de ritmos, incluindo reggae, hip hop, punk rock californiano e, principalmente, letras de forte
identidade com os adolescentes, suas angústias e sua própria realidade. Isso tudo tornou o grupo um dos principais ícones - e a grande voz - da
juventude brasileira.
A vocalista Ana Luiza Pimentel, da Drosóphila, não credita ao Porto a grande
quantidade de bandas da Cidade. "A vida aqui é mais confortável, o padrão é classe média. Grande parcela dos jovens não precisa trabalhar muito
cedo. E, por conta disso, acho que Santos é um bom berço para o ócio criativo. Meu passatempo favorito, quando adolescente, era pegar um walkman
e sair andando pela orla da praia, sentar na grama do jardim, tocar violão com os amigos. Parece coisa de riponga, mas esse tempo livre em um
lugar bonito abre brecha para a música, para a criação. Ninguém faz idéia de como a inquietação gerada pelo tédio pode ser inspiradora".
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"Ninguém faz idéia de como a inquietação gerada
pelo tédio
pode ser inspiradora" |
Ana Luiza Pimentel,
vocalista da Drosóphila |
Dedicação total - Outra banda que se destaca neste cenário é a Elektra, na
estrada há quase nove anos com uma identidade muito própria e uma proposta de som que a difere da maioria dos grupos santistas. Neste tempo de
estrada, gravou dois DVDs (com participação de gente como Cláudio Zoli), foi responsável pela trilha de abertura de programas de tevê e já abriu
shows do Jota Quest.
O som da Elektra é bem diferenciado, juntando elementos de techno, dance,
techno bossa, drum'n bass, rock e MPB. Essa mistura rende um show dançante. Mas o diferencial está, mesmo, no formato e
no repertório. As apresentações da Elecktra contam com um DJ no palco, que fica responsável pela parte eletrônica, com samples e sons únicos,
somados aos outros instrumentos acústicos e eletrônicos.
No playlist dos shows estão, além de canções próprias, composições de
artistas como Fergie, Vanessa da Mata, Pink, Kid Abelha, Dani Carlos, Seal e Fugees. A banda toca em casas noturnas da Baixada (como Chopp Santista,
Lucky Scope e Moby) e também na Capital (Urbano, Happy News e Salinas).
As razões do sucesso da Elektra vão muito além, entretanto, de sua qualidade musical.
A vocalista Prix defende a tese de que, para fazer uma banda dar certo, especialmente em meio a um cenário tão prolífico quanto o santista, é
preciso encarar o trabalho com seriedade e profissionalismo. "Minha profissão é a música e a empresa em que trabalho é a Elektra. Montar uma banda é
a coisa mais fácil do mundo, o difícil é conseguir transformar a música em algo além do hobby".
Não basta, diz Prix, tocar na noite. "Isso requer um outro olhar sobre a questão. É
preciso ter reuniões de pauta com os integrantes da banda, com os proprietários das casas onde vamos tocar e para preparar as composições próprias,
além de uma equipe grande, uma estrutura de verdade para suportar o dia-a-dia do trabalho".
No caso da Elektra, essa infra inclui um cuidado muito grande com performance,
cenografia, cobertura fotográfica dos shows, assessoria de imprensa e marketing, entre outros itens. Quem quiser conhecer um pouco
mais do trabalho e da agenda de apresentações da Elektra pode entrar no site www.bandaelektra.com.br.
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"Montar uma banda é a coisa mais fácil do mundo, o difícil é conseguir transformar a
música em algo além do hobby" |
Prix,
vocalista da Elektra |
Resgate histórico - A história do rock santista foi resgatada pelos
jornalistas Lucas Krempel e Marcelo Malanconi, que em breve se tornará livro (a dupla já concluiu o trabalho e está, no momento, procurando uma
editora). Lucas conta que o tema sempre chamou sua atenção: "Meu pai freqüentava os shows na famosa boca de luxo dos anos 60 e
trabalhou com o pessoal do Blow Up. Meu irmão tem uma banda, o The Bombers, e eu já tive uma, também".
A identidade da Cidade com o rock vem de longa data. "A beatlemania
chegou pelo Porto de Santos. Nos anos 80, na época da danceteria Heavy Metal, o Toninho Campos trouxe muita coisa boa de Londres também. Então,
nossa história com o rock começou pelo Porto e depois criamos um vínculo forte".
Lucas ressalta os anos 60, nos quais a juventude se dividiu entre os beatlemaníacos
(que freqüentavam shows nos clubes da Ponta da Praia) e os dos shows mais underground, da boca.
"Era algo como stonemaníacos/beatlemaníacos".
No livro, uma das fontes dos autores é o roqueiro Bardhal, que fala justamente desta
diversidade de estilos. "Certa vez, pude vivenciar estas grandes diferenças num raríssimo encontro entre o bem e o mal: no
Vasco da Gama, numa domingueira, duelaram Blow Up e Union Beat. Ali, pelo menos para mim, ficaram claríssimas as grandes
diferenças, não só a partir do repertório de cada uma das bandas, como também do comportamento de seus componentes".
Bardhal lembra do jeito esculhambado e sarcástico do Union Beat em sua apresentação,
onde roupas e cabelos agrediam os olhos, e os músicos gesticulavam, falavam audíveis palavrões, fumavam e cuspiam no palco. "Isto não se verificava
no Blow Up, cujos componentes eram visivelmente asseados, comportados e de gestos elegantes. Eram meninos de boa família, enquanto os outros,
cães-sem-dono vindos não sei de onde, se encontraram nas bocas, apenas atraídos pelo rock and roll. Não houve vencedor porque,
indiscutivelmente, ambos eram excelentes".
Lucas Krempel não encontra paralelos, em Santos, com o fenômeno Charlie Brown Jr., mas
destaca outros grupos de qualidade no cenário. "A Garage Fuzz, por exemplo, é considerada por muitos críticos a melhor banda independente do Brasil.
O Blow Up gravou, nos anos 70, uma música que virou tema de novela da Globo. Entre outras que tiveram repercussão até no exterior, apareceram na MTV
e foram bem comentadas no circuito indie brasileiro estão o White Frogs, Vulcano, Harry e Mig-19 (que tocou no antigo programa Perdidos na
Noite, que o Faustão fazia antes de ir para a Globo)".
Fotos de Patrícia Cruz e divulgação, publicadas com a matéria