Início da procissão da descida do monte, em agosto de 2009
Foto: Francisco Carballa, enviada a Novo Milênio em 8/2009
Festa de Nossa Senhora do Monte Serrat
Dia 8 de setembro
Desde o famoso milagre [01] de 1614 - quando os piratas foram postos para correr da Vila de Santos pela intercessão da Virgem Maria aos mais desamparados -, o povo considerou Nossa Senhora do Monte Serrat protetora da região, sendo
esse o motivo da romaria por parte dos cristãos ao cimo de seu monte, todos os anos.
A festa sempre se limitou a dar a volta ao redor da capelinha, segundo algumas raras fotos que temos, bem ao estilo europeu, e também por ser o espaço disponível. Com o tempo e a grande afluência de fiéis, foi preciso sair daquele local - motivo
pela qual saía de sua capela no cimo do Monte Serrat até as ruas da cidade.
Segundo os registros que temos, antes isso ocorria apenas em ocasiões especiais, como no ano de 1887, quando deram uma repintada
na imagem [02], ou quando (ao colocarem a cruz da cúpula da Catedral) veio a procissão até a frente da igreja, em 8 de
dezembro de 1917; em 7 de setembro de 1945 por ocasião do final da Grande Guerra e o retorno ao Brasil dos pracinhas sobreviventes; e ainda quando a coroaram em 1955, quando começou a procissão de descida.
Os festejos - desde que a devoção ali foi instalada pela fé de dom Francisco de Souza [03] ocorriam
sempre no alto do Monte Serrat, depois do famoso milagre em memória do que ocorreu a população escalava por três dias o monte.
Seguindo antiga tradição [04], assim ocorria um tríduo preparatório para o dia 8 de setembro quando se comemora o natalício de Nossa Senhora. Havia missa festiva e procissão com o andor da Virgem Maria seguido pelo crucifixo do Senhor do
Bom Fim, dando a volta anti-horária à capela, ficando o dia para piquenique e confraternização entre as pessoas. Como o número de participantes aumentava junto com a população e os mais velhos não conseguiam atingir o cimo do monte, teve início a
descida da padroeira.
Desde 1955, quando se decidiu coroar a Virgem Santa como a padroeira oficial da cidade, teve início a descida da antiga efígie de 1602, saindo de seu trono do Monte Serrat até a Catedral em procissão.
Os festejos começavam no dia 4 de setembro às 20h00, com o toque festivo dos sinos anunciando a saída simples do andor enfeitado com muitas rosas cor-de-rosa bem claras, levado por quatro andoristas irmãos da Congregação Mariana de
Santos [05] com os seus ternos azuis, acompanhados pelos demais membros com a bandeira dos Congregados e pelas Filhas
de Maria.
Esse cortejo, com centenas de velas, seguia pela escadaria do Caminho Monsenhor Moreira, chegava ao sopé do monte, contornava
pelo lado direito o Colégio Barnabé e seguia pela Avenida São Francisco (de Paula) [06], até a Rua Braz Cubas, onde se
recolhia ao toque de sinos na Catedral.
Para a entrada, além do toque festivo dos sete sinos da torre maior, era tangido também o único sino que havia na torre pequena
enquanto o andor entrava na igreja, e nós, no coral regido pela irmã Clarice, da Congregação das Irmãs Canossianas, cantávamos os três hinos que havíamos ensaiado um tempo antes [07].
Para atender as pessoas na Catedral durante todo o período existe uma agremiação de voluntários devotos que atendem os fiéis, montam guarda diante do trono (que hoje é um baldaquino de metal, recebendo o andor inteiro, sem ser retirada dele a
antiga efígie da Virgem Maria). As senhoras recebem as flores trazidas pelos devotos e oferecem a fita que está debaixo do andor para as pessoas beijarem. Outras pessoas tomam conta do veleiro, retirando as velas que já queimaram até o fim e seus
restos; outras vendem velas e lembranças - que nesse período são muito procuradas, para oferta a amigos distantes ou impossibilitados.
O destino da maioria das flores colocadas ao pé do andor é proporcionar a tradicional chuva de flores ou pétalas que acontece na Prefeitura de Santos.
Procissão de retorno ao Monte Serrat
Até o ano de 1978 a procissão de retorno no dia 8 de setembro [08] tinha início às 16h00, seguindo
pela Rua Amador Bueno até a Rua Dom Pedro II, contornando a Praça Mauá e subindo pela rampa esquerda no Paço Municipal, onde era celebrada a Santa Missa e a consagração da cidade à proteção de Deus e de sua mãe.
Era essa procissão muito grandiosa, atraindo assim fiéis de toda região, ficando a Praça Mauá, ruas adjacentes e Rua Dom Pedro II lotadas de fiéis
que para cá convergiam devido ao horário ser propenso para isso. A procissão chegava à capela cerca das 19h00, em outros anos às 20h00, pois ia bem lentamente. Também em 1978 foi transferido o local da missa para as escadarias do fórum, pois até
então ela era celebrada nas escadarias da Prefeitura.
Era comum vermos janelas e sacadas enfeitadas para a passagem da procissão, costume que foi desaparecendo junto com os moradores das vias por onde passa ainda a procissão, pois o comércio ocupou essas moradias. Na escadaria do Monte havia até um
concurso para escolher os melhores enfeites, registrando-se o caso curioso de uma senhora idosa que gritava, na passagem da procissão em frente à sua casa: "Viva Nossa Senhora do Monte Serrado...." e com o nome trocado várias vezes ela gritava e
assim era acompanhada pelo povo que falava o nome de forma certa. Sabia-se que ela era do Norte e mandava para sua terra o dinheiro para se fazer uma grande bandeira, que seria hasteada na festa do lugar, para a Virgem das Dores.
Começaram as mudanças fomentadas pelo mal interpretado Concílio em terras brasileiras, e 1979 foi o primeiro ano em que o traslado da Virgem Puríssima para o monte no dia 8 começou a ser feito pela manhã: assim as pessoas teriam o dia mais livre,
por não ser feriado em muitas localidades. Essa situação afetou os que queriam participar dos festejos.
Após a missa, como sempre ocorreu a procissão seguindo pela Rua Dom Pedro II até a Avenida de São Francisco (de Paula),
contornando mais uma vez a Escola Barnabé e chegando às escadarias de onde no começo o bispo abençoava o povo, para que os que não subiriam o monte voltassem abençoados para suas casas [09], como se faz até os dias de hoje.
Dali a procissão seguia até a capela, onde o andor da Virgem Maria entrava de costas para o sacrário,
num gesto de saudação aos fiéis [10]. Por isso, dizia o povo que na descida eram os moradores que traziam a patrona e
na subida era a cidade que a levava de volta para seu santuário [11], motivo pelo qual existiriam os dois lampadários
dentro do templo.
Até 1986, a procissão que marcava o início dos festejos no dia 4 de setembro saia do monte às 20h00, mas a partir de 1987 a procissão começou a ser feita dias antes, para haver o tempo de uma novena. Assim, nesse ano saiu no dia
29 de agosto às 16h00, modificando a antiga tradição de vigília e tríduo [12].
Desde 1984, começaram a participar da procissão os estandartes das paróquias de Santos e da Diocese. As faixas das igrejas que eram levadas no dia começaram a cair em desuso, pois parecia mais um protesto do que o início de uma procissão religiosa.
Logo tomou parte na abertura do cortejo o Apostolado da Oração, com suas insígnias de forma semelhante à que ocorre com o padroeiro do Rio de Janeiro. Vale recordar que assim seria na antiga festa de Corpus Christi, restando a festa da padroeira
para reunir todos esses movimentos piedosos e seus integrantes.
No ano de 1996 sendo o dia 8 de setembro um domingo, ao passar a procissão da padroeira pela Rua General Câmara justamente pelos fundos do Convento do Carmo, pedia-me frei Rafael que bimbalhassem os sinos na torre do convento. Ocorre que a
procissão passou exatamente no final da Santa Missa e conforme o trato que havia feito com ele, corri para a igreja.
Ao me ver, fez sinal para ir para a torre, convidou a assembleia a um momento de silêncio e oração no final da comunhão (que já havia ocorrido), e
assim se manteve a igreja durante o toque de sinos que anunciavam festivamente Nossa Senhora, saudando a passagem da procissão.
Ao cessar o barulho, ele finalizou a Santa Missa abençoando o povo que ficou junto com ele em perfeita oração e junto ao povo foi para as
escadarias da prefeitura renovar a consagração junto à população santista; assim era o frade carmelita devoto, mas logo depois o percurso foi mudado para a Rua João Pessoa e - com o falecimento do frade, em 1998 - esse ato devocional festivo
acabou.
Curiosidades sobre o Monte Serrat
Em 1980, quando Nossa Senhora do Monte Serrat completou 25 anos como padroeira da cidade, o bispo Dom David Picão decidiu levar a imagem por todas as Paróquias de Santos. Por isso, a procissão ocorreu mais cedo naquele ano, indo para a igreja de
Santo António do Valongo e de lá para a Zona Noroeste, para a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, igrejinha da Sagrada Família que ainda era de madeira, saindo a procissão em um domingo de tarde para a Igreja de Santa Margarida, e à noite para a
Igreja de São João o Batista da Nova Cintra.
Assim, de noite subimos pelo lado do Engenho dos Erasmos e fomos recebidos na altura da Escola Alzira Lichti pelo povo com velas acesas. Pela
manhã, a imagem foi para a Igreja Jesus Crucificado, passou pela Santa Casa, São Judas Tadeu, Pompéia, Senhor dos Passos, Embaré, Sagrado Coração de Jesus, Navegantes, Carmo da Ponta da Praia, Aparecida, São Benedito, São Jorge, São José do Macuco,
Sagrado Coração de Maria, Santa Cruz e finalmente em procissão fomos para a Catedral de Santos, dando início as cerimônias costumeiras.
A imagem da Virgem Maria, nos casos em que a procissão era motorizada, ia dentro de uma caminhonete toda enfeitada com flores de seda azuis claras
e brancas. Na maioria das vezes, era levada pelo povo nos ombros.
Lembro que o pároco da igreja São José do Macuco desfez a procissão terrestre da Igreja de São Jorge para sua paróquia por achar "mais moderno o
uso de carros", o que causou a revolta de muitos devotos que, não possuindo veículos, foram andando e rezando para lá; chegando, questionaram o pároco por seu erro, e os jornais não contaram a verdadeira história. Muitas igrejas e capelas de ordens
receberam a Virgem do Monte em uma divisão dos dias da visita, conforme o que cada uma organizou segundo as possibilidades.
Os mais velhos sempre associaram a mudança de tempo nos dias de decida da padroeira ao entendimento de que a própria Virgem Maria estaria dando um sinal do poder divino. Os dias da festa, que no passado eram três de sua permanência na Catedral,
quase sempre tinham chuva, de onde saiu essa observação popular, mas, com o aumento da presença da imagem na igreja-mãe, isso caiu no esquecimento.
Outro costume interessante era dos estudantes subirem o Monte Serrat rezando e, depois da visita ao Santuário, pegarem como lembrança uma folha de um arbusto que nasce em grande quantidade pelas encostas. Uma vez seca, essa folha era uma recordação
e uma promessa de empenho dos estudos, que a Virgem Maria auxiliaria. Eu mesmo guardo uma dessas folhas, desde 1974.
O percurso do dia de descida permanece o mesmo, mas o do retorno, ou seja, dia 8 de setembro, teve alterações com o passar dos anos. No início dos anos 1990, quando pela última vez seguiu pela Rua Amador Bueno, por algum motivo passou pela Rua
Vasconcelos Tavares, enquanto nos outros anos passou a seguir pela Rua General Câmara para chegar até a Praça Mauá. No final dessa década passou a seguir pela Rua João Pessoa, dando a volta na Praça Rui Barbosa, seguindo para a Praça Mauá e assim
chegando à Prefeitura, de lá seguindo o caminho costumeiro ao Monte.
Toda imagem de Nossa Senhora tem um manto; assim, teve nossa padroeira um manto oficial, feito em 1955 com veludo cristal, com muitos adornos dourados, os brasões da cidade de Santos e de São Paulo seguindo a regra
[13]. Existiam no manto muitas pedras semipreciosas encastoadas em ouro e presas ao manto de forma a formar uma obra muita
bonita e de bom gosto, adequada à imagem barroca de 1602. Por algum motivo, depois de renovado, deixou de ser usado. A Santíssima Virgem também recebia vários mantos ofertados por promessas ou devoção e assim a cada ano usava um diferente, sendo os
mais velhos retalhados em pedacinhos e colocados em santinhos ou medalhas, servindo como relíquia para os devotos que as compravam por preços módicos.
Outro item importante associado a uma rainha ou rei é a coroa; assim, as de Nossa Senhora e do Menino Jesus, de ouro com pedrarias, foram confeccionadas em 1955 para substituir as antigas de prata [14]. Em uma ocasião, quando ladrões invadiram a Catedral, contava dona Iraides à sacristã, os malfeitores foram ao cofre, pegaram as coroas e
simplesmente as jogaram de lado, pensando que fossem de bijuterias, ao contrário do que havia ocorrido com os adornos da capela do Santíssimo Sacramento no final dos anos 1970, quando roubaram o solar que contorna o sacrário, imaginando ser ouro o
que era apenas bronze banhado e que foi rapidamente substituído.
Tinha a Virgem do Monte uma comenda que passava por trás do manto esculpido no barro e pendia sobre seu peito. Nada sabemos dessa joia ou qual era seu objetivo, mas ainda existem santinhos que a mostram claramente, tratando-se de
uma cruz com o Divino Espírito Santo, talvez um ex-voto como o coração de prata que pendia na Sala das Promessas, com outros objetos, sendo mais numerosos os retratos e os vestidos de noiva [15].
O caminho do Monte ainda é iluminado por milhares de lâmpadas em carreira, que no passado terminava na grande estrela de cinco pontas de cor verde que iluminava no alto da torre, até que a irmã, pelos incômodos
[16] mandou retirá-la para a lateral do monte e depois foi desmontada. Os santistas podiam vê-la de toda cidade e de
alto mar [17].
Essa sequência de lâmpadas era colocada na metade do mês de agosto pelo senhor Edson [18], que o
fazia com gosto e devoção com a sua equipe de funcionários da Prefeitura de Santos. O objetivo era iluminar o caminho de noite para a população que acudia ao cimo do monte - o que antes era feito com velas ou lanternas a luz de vela ou querosene.
Temos alguns relatos do início do século XX do que pela lógica seria um costume do século XVII, de pessoas que faziam uso dos carregadores para subir o morro. Eles aproveitavam para ganhar algum dinheiro nos dias de festa. Mesmo com a instalação do
funicular em 1927, muita gente ainda usava os carregadores. Hoje, quem leva peregrinos, moradores e mercadorias é o funicular, a preço módico como dizem seus usuários. Há alguns anos, meninos moradores do monte oferecem esse serviço, mas no passado
eram os negros do quilombo do Quintino que cumpriam tal tarefa e assim conseguiam dinheiro honesto para comprar coisas e comida segundo sua necessidade. Também existiram, no início do século XX, liteiras ou cadeiras adaptadas para transportas
pessoas.
Quando fizeram o novo altar [19] em 1906, durante as reformas que tiraram o piso de madeira (que há
muito estava esburacado pelos cupins), a igreja ficou diferente e ganhou a característica de Santuário, onde o fiel passa por detrás do nicho onde está a relíquia, que neste caso era a imagem antiga, testemunha do milagre aqui ocorrido.
Pude ver em uma foto antiga, hoje desaparecida do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, que o altar de Santos era muito semelhante ao da
capela da Conceição de Itanhaém no alto do outeiro, sendo que o crucificado ficava acima do nicho principal e Nossa Senhora do Monte em um trono acima do sacrário, ao fundo notava-se a luz entrando pela janelinha que ainda permanece no presbitério.
Estavam entre as devoções da igreja uma imagem de São Francisco de Assis com habito negro e uma caveira aos pés de um lado, e a de São Bento
Abade, sendo ainda mantidos no lugar em devoção. Depois, por determinação do bispo, essas imagens foram levadas para o Museu de Arte Sacra de Santos.
Já o batistério, em data posterior aos anos 50, foi transformado em banheiro, inclusive com a profanação da piscina sagrada (compartimento que
recebe as águas do batismo), e passou a ter encanamento de esgoto. Com as reformas recentes, o batistério foi refeito, mas o painel de azulejos que fora colocado no lugar do São João Batista foi retirado da parede que o deixava em forma de
cubículo. No lugar da pequena imagem de São João o Batista menino, que tem significado relacionado com o local, foi colocada uma imagem de Santa Ana Mestra em pé.
Monsenhor Nelson de Paula tinha por costume (e com a devida autorização do bispo dom David), na noite do dia 7 de setembro, ao fechar as portas da Catedral de Santos, pegar uma condução e levar a imagem para o Convento das Carmelitas do Marapé onde
as freirinhas permaneciam a noite em prece, e antes de amanhecer ele a levava de volta para a Catedral.
Um caso mais trágico ocorreu na década de 1970 quando a imagem era retirada do andor e colocada em uma espécie de trono preparado pelas Irmãs Canossianas da Catedral. Ao recolocar a imagem no andor, o sacristão a deixou cair,
causando-lhe danos e perdendo a ponteira do trono que foi substituída. Chamaram um restaurador às pressas [20], e com
esses reparos provisórios foi aconselhado que não subissem as escadarias. Contrariando o costume, esse foi o motivo pelo qual o andor foi levado pelo bondinho naquele ano.
Outro costume que era mantido pelas donas de casa era justamente apanhar as taquaras usadas na construção das barracas e compridas bancadas e mesas, montadas dias antes bem detrás da capela, onde ocorria a quermesse. Para tanto, os barraqueiros
desciam as encostas do monte tanto pela parte de trás quanto pela parte da metade da escadaria (onde havia um grande bambuzal), e cortavam os bambus mais velhos e resistentes, que seriam usados nas construções.
Ocorre que no domingo mais próximo do dia 8 de setembro, já na festa do Senhor do Bom Fim, essas barracas estavam sendo
desmontadas e assim as donas de casa, como dona Matilde das Neves (falecida em 1999), faziam questão de pegar uma taquara para usar no varal das casas, suspendendo as roupas a secar, motivo pelo qual as taquaras eram tão procuradas. Descia as
escadas com duas, uma para dona Matilde, residente na Rua da Constituição nº 195, e outra para sua irmã, dona Ermelinda das Neves (falecida em 1999), entregue na Rua Dr. Cunha Moreira nº 53, e somente com o passamento das duas senhoras é que parei
de levar as taquaras. Depois, começaram a montar as barracas com caneletas de ferro [21], o que acabou com a antiga
forma de construção.
Ficava exposta na capela do São Vicente de Paula uma imagem réplica da Virgem do Monte Serrat de Santos [22]. Os velhinhos a entronizavam com uma procissão por dentro do asilo no sábado anterior ao dia da descida oficial, às 16h00. No domingo mais próximo após o dia 8, às 09h30, antes da missa das 10h00, havia outra pequena procissão pelo
adro da igreja, que tinha suas portas abertas para isso. Os velhinhos e fiéis faziam o pequeno percurso ao som de sinos, levando o estandarte e o andor com a imagem da Virgem.
Era muita gente que afluía à capela do asilo onde a Santa acabava recebendo por oferta e devoção muitas flores. Dona Mirabel,
que cuidava da assistência aos internos, rezava com eles o terço dentro da capela, diante do andor, nesse período. Essa devoção ocorreu de 1983 até 2000 [23] quando deixou de ser realizada a procissão e apenas entronizada a imagem até 2010 - quando a mesma, devidamente restaurada, ficou em exposição permanente na capela da Universidade Santa Cecília de Santos em
custódia do senhor Marcelo Teixeira, que é seu grande devoto.
Estandartes de Nossa Senhora do Monte Serrat de Santos
São os estandartes de procissão de uso muito antigo da igreja, significando um brasão que identifica quem está sendo homenageado no caso nas procissões, mas no passado também os havia para pessoas importantes, sendo levados diante
delas em cortejos [24]. Isso caiu em desuso, ficando só para os santos e as procissões. Por isso, seria lógico que
nossa padroeira tivesse o seu levado nas procissões, por devotos e por promessas. Os estandartes processionais de Nossa Senhora do Monte Serrat foram cinco até o momento:
1º - O estandarte mais antigo - segundo o disseram os mais velhos e pela descrição que me deram - foi quando o senhor, Miguel que era da Legião de Maria, passou a usar um estandarte dessa associação em 1973, pintado sobre uma cartela de
madeira com o símbolo dessa conhecida agremiação religiosa, da Virgem Maria com os braços estendidos e sobre ela o Divino Espírito Santo. Possivelmente seria então semelhante ao antigo esculpido em madeira com a forma de uma cartela barroca, nela
pintada ou esculpida a figura da Senhora do Monte. Para ter desaparecido, é possível que estivesse danificado em 1906, quando os cupins infestaram o Santuário, sendo então substituído posteriormente por outro.
Vale ressaltar que ainda existe no Museu de Arte Sacra de Santos um estandarte pequeno dessa forma dedicado a Nossa Senhora da Boa Morte, sendo
uma devoção antiga dos Beneditinos de Santos e sendo assim, se foi feito por eles para a própria capela, também fariam um para o Monte Serrat, por cuja capela eram os responsáveis. Porém, se esta peça sobreviveu, foi levada com eles para Vinhedo:
levaram até uma imagem do século XVIII em estilo rococó da Virgem do Monte, que antes ficava num nicho cheio de estrelas prateadas pintadas e que ainda existe naquela sacristia.
2º - Sendo um dos mais antigos, dataria possivelmente dos anos 1920 quando se fizera para a cidade, sendo bem grande e feito em veludo azul claro, tendo a parte interna de saco forrado por cetim na parte de trás, e na frente a figura da
Senhora, com característica santista, pintada em uma chapa muito dura que ficava fixada no tecido, rodeada entre as flores de bordados. Ficou sem uso após o Concílio e foi levado para o Museu de Arte Sacra de Santos em 1981, mas infelizmente estava
muito danificado e sobrou somente a pintura que ainda ali se mantinha nos anos 1990.
3º - Feito por devoção e terminado em 1984, em cetim cristal azul claro, tinha a figura da Senhora pintada pelo artista plástico Vicente Ferreira Neto, um cabo dos bombeiros que se dedicava a esses trabalhos. Ele recebeu a encomenda por mim,
com a pintura da Virgem Maria sentada em seu trono celeste feito de nuvens, com um anjo negro, um branco e um oriental sendo fixados no tecido tendo galões ao redor. Era todo cravejado com 150 pedras de origem austríaca, tinha pinturas com flores e
legendas feitas pela artista plástica Tereza D'Paula, sendo a costureira dona Wilma Fontes, uma sobrinha do poeta Martins Fontes. O estandarte foi usado nas procissões até 1998. Foi levado por dona Carmen por muitos anos, até 1987, e passou a ser
levado por dona Maria Aparecida Pequeno, até 1990.
4º - Feito por devoção em 1998, substituiu o antigo que estava muito danificado pelo uso, sendo feito em veludo nacional, com a pintura da Senhora do Monte Serrat em estilo românico, tendo os anjos da etnia negra e branca segurando a serra
sobre o monte, além de um oriental, um indígena Carajá com os sinais característicos, um loiro e um indiano, pairando o Divino Espírito Santo sobre as figuras celestes. Tinha bordados portugueses de raminhos, ficando a Virgem entre 150 pedras de
cristal austríaco que foram retiradas do estandarte anterior e encastoadas no veludo. Foi levado por dona Maria do Carmo de 1990 até 2003, primeiro por promessa e depois por devoção, seguindo-se a vez do senhor Adalberto ficar responsável pelo
estandarte.
Essa bandeira cobriu o caixão de dona Maria Carballa Villar no dia 10 de julho de 2000, na igreja de San Xoan de Leiro (em Pontevedra, Espanha),
durante seu funeral, devido à sua grande devoção por Nossa Senhora (ela inclusive mandando donativos desde a Espanha para que se dessem esmolas e acendessem velas no santuário santista). Também o senhor Basile Honsy, ao falecer em 2002, teve seu
caixão coberto pelo estandarte da padroeira durante a missa de corpo presente que dom Davi Picão celebrou na capela de Nossa Senhora da Piedade, do cemitério da Filosofia de Santos.
5º - Feito em 2005, pelo artista plástico José Marques de Oliveira Neto e costurado por sua mãe, por encomenda de Adalberto de Oliveira, nesse estandarte confeccionado em cetim cristal está fixada a maior figura até o momento da Patrona.
Podemos ver a Senhora do Monte com as características santistas, mas abaixo aparecem os milagres de intercessão da Mãe de Deus a do navio Araguay de 1926 em alto mar, além do desabamento miraculoso do monte sobre os piratas. Esse estandarte
é atualmente conduzido em procissão.
Fica esclarecido que o cristão ou a cristã responsável pelo estandarte fica com ele sob sua guarda, devendo preservá-lo e levá-lo para as festas.
Hinos de Nossa Senhora do Monte Serrat de Santos
Por ser a padroeira de Santos, através dos anos Nossa Senhora teve muitos hinos que pouco a pouco foram deixados para permanecer somente o de 1955, que ainda é usado na novena e na procissão.
O hino "Virgem do Monte" era cantado até o final dos anos 1960, quando deixou de ser usado; temos dele a letra e uma gravação
pelo Coral da Santa Casa de Santos regido pela irmã Brígida.
Já o "Ave a Senhora do Monte" ainda era cantado até a metade da década de 1970; o hino "Ave do Monte" figura num livreto de
1962 que compraram para presentear minha mãe, mas nunca o ouvi ser entoado.
Participando do coral da Catedral de Santos de 1971 até 1975, éramos regidos pela irmã Clarice, a qual fazia questão de que cantássemos vários
hinos festivos, entre eles os da padroeira por ocasião dos festejos.
Nossa Senhora do Monte (1955)
1
Nossa Senhora do Monte;
Que estás no monte a rezar;
Pedi por nós vossos filhos;
Que não vos cessam de amar.
Aos vossos pés suplicando;
Erguemos a humilde voz;
Nossa Senhora do Monte;
Rogai a Jesus por nós.
2
A vossa ermida tão clara.
Como uma hóstia de luz;
Recorda vossa presença;
Celeste mãe de Jesus.
Aos vossos pés suplicando;...
3
Nas horas mansas e boas;
Nas horas tristes e más;
Mandai-nos vosso sorriso.
E as vossas bênçãos de paz.
Aos vossos pés suplicando;...
4
Sois nossa mãe e rainha;
Sentimos rezando a voz.
O céu mais perto da terra;
Pois sempre estás junto a nós,
Aos vossos pés suplicando;...
5
Nossa Senhora do Monte.
Que estás no monte a rezar;
Descei até vossos filhos;
Vinde conosco ficar,
Aos vossos pés suplicando;...
6
Ficai conosco Senhora;
Ficai conosco também;
Agora e na hora da morte;
Nas horas todas, amém,
Aos vossos pés suplicando;...
Ave do Monte ou Louvores a Nossa Senhora do Monte Serrat
1
Ó Virgem Sagrada;
De Jerusalém;
À Espanha vieste;
Ao Brasil também.
Ave, Ave, Ave Maria,
Ave, Ave, Ave Maria.
2
Na Espanha tu reinas;
Sobre enorme serra;
Pequena colina;
Te dá nossa terra.
Ave, Ave, Ave Maria...
3
O grande poder;
Que mostras na Espanha;
Ao monte de Santos;
Também te acompanha.
Ave, Ave, Ave Maria...
4
Se o monte é pequeno;
Não menor reluz;
Pois tens em teu colo;
O menino Jesus.
Ave, Ave, Ave Maria...
5
Subindo o invasor;
Ao monte sagrado;
Por terras do monte;
Se vê soterrado.
Ave, Ave, Ave Maria...
6
Lançando raízes;
No monte que é teu;
A todos proteges;
E levas ao céu.
Ave, Ave, Ave Maria...
|
Virgem do Monte
1
Do monte Serrat;
Nos vem uma luz;
É tua bondade;
Que a todos conduz.
Ó Virgem do monte;
Ó mãe de bondade;
Tu és a rainha;
Da nossa cidade.
2
Levanta os olhos;
Ó alma ferida;
Verás lá no monte;
A estrela da vida.
Ó Virgem do monte;...
3
O pobre doente;
Na hora da dor;
Encontra alívio;
Com teu santo amor.
Ó Virgem do monte;...
4
O ar é sereno;
Nos céus e na terá;
Por graça e bondade;
Da virgem da serra.
Ó Virgem do monte;...
5
No alto do monte;
Rebrilha uma luz;
Que aos homens do mar;
Ao porto conduz,
Ó Virgem do monte;...
6
A igreja de Cristo;
E ao nosso pastor;
A todos congrega
Com fé e amor.
Ó Virgem do monte;...
7
Defende a cidade.
De toda desgraça;
Cumula seus lares;
Da mais santa graça.
Ó Virgem do monte;...
8
Por tantos favores;
Provados na história;
Ergueu-te este povo;
Um trono de glória.
Ó Virgem do monte;...
Ave a Senhora do Monte
1
Subido a montanha;
Que leva a ermida;
O povo aclama;
A mãe tão querida.
Ave a Senhora do monte;
Dominando o horizonte;
Da terra querida.
Ave a Senhora do Monte;
Dominando o horizonte;
De nossas vidas.
Ave a Senhora do monte;...
2
A história de Santos;
A ela se prende;
E o povo devoto;
Homenagens lhe rende.
Ave a Senhora do monte;...
3
Bem no coração;
Da terra Santista;
Um trono se eleva;
A mãe tão querida.
Ave a Senhora do monte;...
4
A luz que ilumina;
Dos olhos provem;
Da Virgem Bendita;
Que a todos quer bem.
Ave a Senhora do monte;...
5
Nas horas difíceis
O povo confia;
Nas benções maternas;
Da Virgem Maria.
Ave a Senhora do monte;... |
Personagens da festa
Dona Virginia - ex-escrava brasileira, negra daomenã, que usava suas roupas características ainda no início do século XX; ao engravidar do padre da Matriz do Bom
Jesus de Iguape, onde era cozinheira, ganhou sua alforria e - vindo para Santos na tentativa de embarcar para o Daomé - acabou se casando com um português, assim ficando no Brasil. Passou a ser devota da Senhora do Monte Serrat, aonde ia com sua
família fazer piquenique e participar dos festejos.
Sua filha, dona Maria do Rosário, era (como a mãe) da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo da Catedral e herdeira da devoção que manteve com
respeito: rezava o terço enquanto a procissão passava em sua porta e colocava a colcha indiana com dois pavões.
Sua neta, Dona Paulina Freire, e seu bisneto, Clovis Benedito de Almeida, mantiveram a devoção: podíamos ver sempre enfeitada a sacada para a
passagem da procissão na frente de sua casa na Praça José Bonifácio nº 53, tanto por devoção quanto pela tradição santista.
Frei Rafael Maria Marinho (falecido em 1998) - por muitos anos, mesmo sofrendo de trombose, subiu as escadarias do Monte Serrat para celebrar missa na capela pela
manhã, ato que fez na Igreja do Rosário do Pretos para manter a igreja aberta. Muito devoto da Santíssima Virgem Jerusalamitana, pedia para bimbalhar os sinos do Convento durante a passagem da procissão.
Senhor Basile Homsy (falecido em 31/5/2002) - Sírio, nasceu em 8/8/1925 e com a família cristã milenar, em busca de paz, migrou para o Brasil e com o tempo instalou
a sapataria São Jorge, onde (todos os dias, às 18h00) fazia a prece da Ave-Maria e convidava as pessoas que estivessem presentes para essa devoção.
Conhecido pelo seu enorme megafone, comprado com seus próprios recursos, com o qual fazia as orações nas procissões do terço e cantava os hinos
anotados em umas folhas brancas das quais de vez em quando fazia uma pequena confusão, motivo pelo qual não cantava esta ou aquela estrofe. Volta e meia era alcunhado de "o turco" e se ofendia não pelo nome do país (Turquia), mas por entender que
"...árabe não é tudo igual!..." - erro cometido no Brasil inteiro. Durante as procissões. entre uma dezena do terço e uma exortação à fé, era comum o povo ouvir dele "...senhor maestro..." em relação a banda que poderia começar a tocar um hino.
Com seu fusca, ia para todos os lugares para prestar seu honrado serviço, do qual jamais pediu uma ajuda ou cobrou alguma coisa. Devido ao
seu problema de visão, uma vez retornávamos da festa da padroeira do Guarujá e a beata de quase 90 anos gritava na hora de ir para a balsa: "...Ai meu Deus, ai meu Deus, o árabe não enxerga..." levando o senhor Basílio a começar a rir, como todo
mundo no carro.
Dona Nésia barraqueira - Durante os festejos servia os bolinhos de carne com mandioca, ou de bacalhau, sendo uma antiga iguaria santista; para atender os peregrinos
ela fazia mesas grandes rústicas, de madeira e taquaras, onde podiam as pessoas se deliciar com seus quitutes caiçaras, devidamente acomodadas. Recorde-se que existiam mesas redondas de alvenaria, que desapareceram nos anos 1980, durante as
reformas ali efetuadas.
Irmã Aldenora – Da Ordem das Servas de Jesus Sacerdote, era uma mulher baixa, de cabelos curtos como todas as de sua ordem, usando o medalhão característico; sendo
de origem nordestina, tinha o falar carregado de sotaque. Ficou à frente da igreja desde o final dos anos 1960 até o final dos anos 1990, sempre cuidando do local e dos ex-votos, limpando a igreja e administrando a lojinha de lembranças. Em dias de
festa, tocava os sinos - o que muitas vezes fizemos juntos -, com uma ressalva de que os dois sinos diante da escadaria eram dela e os dois laterais, do centro velho, eram meus. Assim fazíamos para indicar a saída da procissão ou - em raros casos -
na volta; não havia discussões quanto à posição de cada um na torre. Somente o gato de estimação, que ficava trancado na torre, disparava com tudo quando começava o som. Não sei se esse era o motivo (nunca perguntei) pelo qual, quando tocávamos os
sinos para sair a procissão, ela começava a rir muito alto.
Senhor Luiz andorista - Muito devoto da Virgem e congregado Mariano, homem de média estatura, branco forte e falar grave, fazia questão de levar com orgulho o andor,
inclusive parando para - com uns trincos que existem no mesmo - prender a base móvel de forma a que ficasse em posição apropriada para a descida. Como cristão convicto, a ele se deve o mérito e a iniciativa de não demolirem o trono da Virgem Maria
de 1906.
Dona Genoveva - foi grande devota, sendo da irmandade do Santíssimo Sacramento da Catedral. Caindo enferma, foi sua filha, Dona Maria do Carmo, que manteve a
devoção.
Dona Maria Del Carmen Marques - residente antiga no bairro do Paquetá desde 59 anos, levou o estandarte de Nossa Senhora do Monte desde 1985 até 1998, devoção
herdada de sua mãe Consuelo Guimarães (falecida em 1998) natural de Cuntis, Galícia. De família devota, sempre frequentaram a Catedral de Santos, em uma tradição de mais de 70 anos, desde que sua mãe emigrou da Espanha. É uma das mulheres atuantes
na capela do Santo Cristo do Paquetá.
Dona Olga Teixeira Oliveira (falecida em 1984) - Devota de Nossa Senhora, tendo em sua casa um oratório com sua imagem e velas acessas constantemente, sempre galgou
o monte para fazer suas preces, e era conhecida por benzer crianças no bairro do Macuco. Temos dela o relato de que, para ajudar "os pobres negrinhos", pagou por muitos anos os carregadores que subiam as pessoas ou mercadorias até o cimo do monte.
Seu filho Edson Marques de Oliveira (falecido em 1999), santista do bairro do Macuco, homem alto, de pele amorenada e falar grave, era funcionário
da Prefeitura de Santos, onde se aposentou (foi fiscal de instalações prediais e depois fiscal de obras, quando ocorreu uma reestruturação). Era ele que colocava as carreiras de lâmpadas, mais por devoção do que por obrigação, e era conhecido por
colocar os enfeites de Natal na cidade de Santos.
Dona Izabel Ana da Costa (falecida em 2000) - Mineira de origem, de família muito piedosa na fé cristã, em 1987 - cumprindo promessa por uma graça importante e
difícil - subiu de joelhos os degraus do Monte Serrat, colocando uma vela em cada degrau e rezando um Pai Nosso e uma Ave Maria junto com a vela que acendia, recusando-se a usar qualquer coisa nos joelhos; ao chegar ao cimo do monte seus joelhos
não haviam sofrido dano algum; quando subiu a procissão a vimos e quando pudemos descer igualmente a vimos cumprindo sua tarefa.
Dona Benedita - Senhora de seus 70 anos, meio encurvada, cabelos escuros, nariz avantajado, falar típico caipira e corpulenta, sempre disputando comigo para ver quem
chegava primeiro, no dia 4 de setembro, para a descida da procissão, e assim chegamos a subir o monte às 16h00. Essa senhora se mudou para Itatiba e continuou a vir tanto para o dia da descida quanto da subida, até que no final dos anos 1980 deixou
este mundo.
Dona Matilde das Neves (falecida em 1999) - Senhora de olhos verdes, cabelos tingidos de ruivo, encurvada, falar de idosa e muitos risos. Os saltos de seus sapatos
faziam barulho no chão e ela fazia questão de dizer que era o barulho do salto e que não precisava de uma rolha, como a velha da procissão (na anedota que contava). Fazia por ocasião da subida da patrona e da festa do Senhor do Bom Fim bolinhos de
mandioca e bacalhau, afirmando ser receita antiga de Santos, sempre me fazia trazer um bambu ou dois das barracas que estavam sendo desarmadas, pois os usava para o varal em casa; na hora da esmola fazia questão de dar uma moeda nem que fosse de um
centavo, contava piadas e rezava seu terço fervorosamente.
Uma vez, ao pegar o bondinho para ir ao cimo do monte durante a festa do Senhor do Bom Fim, sua bolsa caiu no fundo do local de embarque do
funicular, assim ela pediu para o funcionário que foi buscar a mesma e lhe entregou, naquela época o lugar era como um abismo, na visão de uma criança.
Apontava para um manto que às vezes era usado na descida e dizia que fora ofertado pelo seu irmão, o Alcides das Neves (falecido em 1992), quando
estivera preso no navio Raul Soares ao largo da Base Aérea de Santos, por ordem militar durante a ditadura. Ele se sentia ameaçado de morte, e prometeu dar um manto para a Virgem do Monte se de lá saísse vivo, o que
fez subindo o morro descalço com o manto nas mãos, que ofereceu como gratidão. Esse mesmo manto foi usado na imagem da Virgem da Piedade durante a procissão das Almas do Saboó, segundo o que se vê em fotos.
Dona Maria Carballa Villar (falecida em 2000) - Devota de Nossa Senhora do Monte, mesmo residindo na Espanha mandava dinheiro para esmolas, flores e velas que seriam
ofertadas na igreja. Em 1968, devido a uma graça alcançada, subiu o monte descalça e entrou de joelhos na capela, dando a volta ao altar, seguindo o costume galego de pagar promessas.
Senhor Chico eletricista – Francisco Fernandez era um homem esbelto, baixo, lusitano, de falar agudo, risonho, cabelos negros e olhos azuis bem claros; sempre estava
presente na festa da descida e na subida, até os anos 1990, quando faleceu. No morro de São Bento era conhecido por ser um dos primeiros moradores (cuja casa podia ser vista do Jabaquara) e por concertar geladeiras, donde vinha seu apelido. Uma
curiosidade era o número de sua casa, foi dado muitos anos depois dele morar no morro: era o nº 666. Depois ele mudou para outra residência.
Dona Lourdes de Paula - Nasceu em 1926, sendo atualmente uma senhora octogenária saudável. Segundo dizem seus familiares, nasceu por intervenção da Virgem do Monte,
estando ela e sua mãe em perigo de vida, por isso é devota da Senhora, mas sua idade não permite mais ir ao local das procissões.
Dona Encarnaçion - Senhora espanhola branca, corpulenta e com forte sotaque galego, frequentadora da Catedral, foi da Irmandade de Nossa Senhora de Fátima e também
trabalhava durante os dias da estadia da Virgem do Monte na Catedral.
Senhor Miguel - Português de olhos claros, esbelto e de falar carregado, com o famoso "ó krido" ou "ó krida" quando se referia as pessoas. Chegou,
depois de viúvo, a ser diácono permanente, e assim marcou sua vida entre a Legião de Maria - da qual fez um estandarte em madeira - e o culto divino.. Foi um dos fundadores da capela de São Tiago no bairro do Saboó.
Senhor Augusto Nunes - Casado com dona Maria Augusta Nunes, conhecidos e chamados pela população por "portugueses". Sua filha, dona Adelaide, em 9 de abril de 1947,
estando grávida, embarcou no bondinho para chegar ao cimo do monte quando o cabo se partiu e ela sofreu uma pancada na cabeça sendo medicada na Santa Casa, onde faleceu. Seu marido teria se casado com a enfermeira que cuidara de sua esposa - assim
o dizia sua irmã, dona Alzira Silva Sant’Anna (falecida em 9/9/2006).
Eram naturais da Ilha da Madeira e moravam próximo da capela, justamente na última estação da Via Sacra, onde vendiam velas e ex-votos de cera que
eles mesmos fabricavam, sendo ainda possível ver essa gente no início dos anos 1970, quando faziam questão de enfeitar a passagem da procissão na descida e no retorno.
Senhor Amary ou Perú - Assim apelidado devido à sua cor de pele, avermelhada e queimada do sol, e ao seu grande pomo-de-adão, era conhecido por repicar os
sinos da igreja deitado ao chão com uma corda em cada perna e braço.
Ainda me recordo de um senhorzinho de cabelos brancos, baixinho, usando terno azul, falar de caiçara bem carregado e sempre sorridente, que ficava vendendo por uma
esmola ou um cruzeiro os santinhos da Nossa Senhora da Conceição do Convento de Itanhaém (que eram na cor azul na foto da Virgem, tendo atrás a oração de sua devoção), de onde era natural. Assim era visto no sopé da escadaria onde havia a curva que
foi demolida pelo prefeito Oswaldo Justo quando o local passou a ser uma rampa com um enorme arco - que também foi demolido a pedido da população, pelos inconvenientes que causava.
[01] O milagre foi justamente uma das maiores
ameaças do monte. Ao subir uma turba de desordeiros prontos para atacar a capela e dizimar seus ocupantes, indefesos naquele momento difícil, velhos, crianças, mulheres indígenas livres ou escravos foram socorridos pelo desabamento que dizimou os
invasores, pondo-os em fuga.
Essa fuga ocorreu por muitas causas, entre elas a maior atenção a fatos aparentemente sobrenaturais, pelo conhecimento do maremoto que tragou São
Vicente de 1542 ou por conhecerem terremotos, talvez vissem os europeus um possível aviso de repetição dessa história e daqui fugiram.
Segundo o que diziam os mais antigos, o desmoronamento não causou tremores no monte, como seria natural em um desabamento, e os piratas que
sobreviveram fugiram e divulgaram pelos sete mares que estas paragens eram protegidas por uma santa poderosa - ou "demônio", segundo sua visão deturpada, sem o devido respeito a Jesus o filho de Nossa Senhora -, havendo assim muita resistência
contra os próximos ataques.
[02] A imagem, protagonista do milagre de 1614, é alvo de controvérsias por parte de pessoas que não
são especialistas ou não fizeram analises cientificas no barro que a compõe.
Afirma-se que teriam os beneditinos outra imagem dentro do mosteiro (no nicho da sacristia), que foi levada para Vinhedo, mas esta seria em estilo
rococó e portanto posterior ao ocorrido. Pela lógica, seria mantida a original, pela devoção do povo.
Tratando-se de uma obra do século XVII, teria o mesmo tipo de pintura própria da época que com o tempo seria muito desgastada; assim, ao ser
repintada, ganhou características das épocas em que a recuperaram, ainda sendo possível nos anos 70 ver pinguinhos de ouro semelhantes a pulseiras nas rendas pintadas das mangas, folhas d'água, estrelas e tudo o que está relacionado à Virgem Maria,
inclusive a cor escurecida do tempo dava um ar de veneração e sagrado na figura de 1602 da Senhora.
Porém, uma cristã devota da Catedral, a mando do pároco no final dos anos 1990, repintou a imagem com tinta do tipo Duco, assim aniquilando o
valor artístico antigo. Somente com ampla investigação por um especialista poderemos recobrar a beleza perdida dessa peça.
[03] Segundo o que nos diz a história, dom Francisco d Souza teria conseguido instalar a devoção ao
título de Monte Serrat na vila de Santos, no Rio de Janeiro e na Bahia, com a curiosidade de que em 1602 a igreja já existia, antes mesmo de receber o título atual.
[04] Segundo o que diziam, os piratas chegaram dia 4 e decidiram atacar a capelinha no dia 8 de
setembro, motivo pelo qual havia a vigília dos três dias e finalmente a festa de agradecimento, sendo um costume muito antigo; só não se sabe até o momento se o milagre ocorreu no dia 8 de setembro ou se a data foi escolhida por ser a Natividade de
Nossa Senhora.
[05] Os Congregados Marianos tinham a obrigação de conduzir o andor da Senhora do Monte. Para tanto,
usavam terno azul e, ano após ano, se prontificavam a assumir seus postos nessa missão devota, até que o padre Baldan foi pároco da Catedral e, considerando a idade dos mesmos, decidiu confiar ao Exército e seus recrutas mais jovens e fortes o
translado do andor, como ocorre em muitas cidades.
[06] De rua passou a se chamar de Avenida de São Francisco, mas não o de Assis e sim o de Paula,
devido à capela de São Francisco de Paula existente no início dessa via no sopé do Monte Serrat e que segundo alguns seria a mesma capela de São Jerônimo que no século XIX, em ruínas, foi concedida para ser a sede da terceira Santa Casa de Santos.
[07] Era a irmã Clarice ou Clariche uma italiana que há muito tempo vivia no Brasil e ensinava o
catecismo às crianças e regia o coral da Catedral. Para tanto, treinávamos de noite durante a semana, de frente para a capela de Fátima, com o resto da igreja às escuras. Em 1972, dirigindo-se as irmãs à Associação Monsenhor Moreira (Prato de
Sopa), onde residiam, levaram pedradas de alguém que não gostava delas, residente na Rua São Francisco nº 256, justamente onde havia o terreiro de umbanda do senhor Ubirajara, o que deu muito o que falar pelas irmãs na Catedral.
[08] Dia 8 de setembro, comemora a cristandade o nascimento de Nossa Senhora - uma levita, filha de
São Joaquim o Levita e sua esposa Santa Ana, que era estéril e em idade avançada, sendo avisada pelo Arcanjo Gabriel de que: "...de tua prole falarão todas as gerações...". Assim nasceu a Mãe de Jesus, cerca do ano 16 a.C., (ou 14) pois no ano 1 da
era cristã a Virgem Maria teria a idade própria para se casar dentro da antiga tradição hebreia.
[09] Devido à tradição desse ato, já quase no final da escadaria, próximo a mureta e de frente para a
rua, está feita uma base de pedras onde param com o andor para o bispo Diocesano abençoar o povo.
[10] Era comum e ainda se faz assim em certos locais onde o padroeiro de um local ou de uma
paróquia entra de frente para o povo, ou seja, de costas para o sacrário, havendo casos em que o andor é baixado na frente, justamente com o objetivo de o Santo ou a Santa saudar os fiéis que vão embora dali.
[11] Santuário é o nome dado a uma igreja onde ocorreu um fato miraculoso à vista dos fiéis. Mesmo
sem o título oficial, passou a capela a ter dois lampadários para o Santíssimo como distinção das demais igrejas. Por isso, quando reformaram a capela do monte em 1906, no lugar dos lampadários de prata colocaram dois em estilo romano antigo de
bronze, sendo um deles levado a mando do pároco atual para a capela de Santa Josefina Baquita, no bairro da Vila Nova.
[12] Tríduo, como o nome indica, são três dias de orações preparatórias para uma festa religiosa,
compreendendo orações, a benção do Santíssimo segundo a tradição do lugar e a missa; no caso de Santos, assim o fizeram devido aos três dias de ocupação - que, segundo outros, seriam três meses.
[13] Para padroeiros de cidades é o brasão da cidade e do Estado, para padroeiros do Estado é o
brasão do Estado e do Brasil e para padroeiros do país é o brasão do país e o de Roma.
[14] As coroas de Nossa Senhora e o divino infante Jesus Cristo eram de prata usando o estilo de
filigrana portuguesa. Na Coroa da Virgem havia a figura do Divino Espírito Santo em prata esculpida que fora possivelmente roubada, ficando somente as bases dos pés da pombinha, conforme a observação e reclamação de frei Rafael, que celebrava
missas no Santuário e reparava até em uma mínima teia de aranha dentro da igreja.
[15] Tratava-se essa comenda de uma joia de prata com filigranas; igualmente o coração era feito de
metal prateado ao que diziam ser prata e ficava pendente na sala dos ex-votos; ainda se destacavam retratos do século XIX com senhoras vestidas daquela época, bem como quadros retratando a graça alcançada, muletas, aparelhos ortopédicos, dezenas de
vestidos de noiva que ficavam em uma vitrina na parede onde antes fora uma porta interna, fotos de várias épocas e locais do Brasil como prova de uma graça, além de cartas escritas.
[16] Era a mesma estrela ligada na igreja e quando a irmã Aldenora se esquecia de fazê-lo, pessoas
ligavam para ela, pedindo que o fizesse, muitas vezes em altas horas da noite - motivo pelo qual a mesma foi ligada na energia pública, por ser atração turística da nossa cidade, ficando o ano inteiro exposta.
[17] Ao viajar às pressas para a Espanha no final dos anos 1960, partimos antes do dia 4 do início
da festa e assim pudemos ver de alto mar o monte iluminado e no seu cimo a estrela, pois as lâmpadas eram colocadas por Edson Marques de Oliveira (falecido em 1999, pai do funcionário público José Marques de Oliveira).
[18] O penoso trabalho consistia em subir com os molhos de lâmpadas ou subir pelo funicular e
descer os degraus necessários para com escadas instalar essas lâmpadas tão tradicionais na cidade.
[19] Era o altar antigo semelhante ao da capela de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém; devido
ao ataque de cupins, o mesmo deu lugar a um novo altar também muito significativo para os cristãos de Santos, mas que quase foi demolido, sendo salvo graças à insistência de devotos, inclusive com uma vigilância pelo congregado mariano senhor Luiz
- o mesmo que por muitos anos carregara o andor e fazia questão de ir ao monte verificar o referido altar.
[20] Marcos Lamouche, que fez trabalhos na Ordem Terceira do Carmo de Santos, comentava que (na
falta de algo para unir a parte quebrada) usou um pedaço de tecido. Como a Virgem estava com o manto, não dava para se notar as trincas, e somente mais tarde a imagem passou por outra restauração, mais delicada.
[21] As armações de barracas em ferro no final dos anos 1980 passaram a dominar o local da
quermesse, podo fim ao modo artesanal de construí-las, que vem se perdendo, devido à praticidade moderna de montagem e desmontagem, sendo o funicular o modo como são atualmente transportadas para o morro.
[22] Ganhei em 1983 do padre Franklin, da Igreja Brasileira, a réplica, contando ele que a imagem
da Senhora estivera por muitos anos em uma quitanda de portugueses ali nas proximidades do Valongo; ao falecerem, ele a recebeu por doação, mas para evitar qualquer problema com a Cúria de Santos, por ser a patrona da cidade e por saber de minha
devoção e de minha família, me presenteou com aquela réplica. Mesmo sendo de confissão diferente da Romana, o padre Franklin acompanhava todos os anos a procissão, não marcando nenhum compromisso para o dia 8 de setembro.
[23] Era tudo organizado por mim, dona Mirabel, dona Guiomar e a irmã da Casa Pia que atendia os
velhinhos no asilo; indo embora de Santos a irmã e falecendo as duas senhoras, ficou apenas a responsabilidade de levar e depois buscar a Santa no Asilo durante os festejos, até que finalmente ficou restrita à capela da UniSanta, desde 2010.
[24] Herdado de Roma Antiga, quando estandartes esculpidos iam à frente das legiões, o costume
prático passou a ser comum na Idade Média, quando reis ou nobres saiam para uma batalha, peregrinação ou simplesmente iam até a corte: diante do cortejo, na frente de sua comitiva, figurava um estandarte com o seu brasão ou símbolo, sendo uma forma
de identificação.
Outro costume comum na região espanhola da Galícia era que os estandartes das paróquias fossem na frente dos batalhões, quando se dirigia um grupo
para lutar contra os invasores maometanos, como foi o caso do estandarte de São João Evangelista da aldeia de Leiro. Atualmente, são usados apenas em procissões.
Início da procissão da descida do monte, em agosto de 2009
Fotos: Francisco Carballa, enviadas a Novo Milênio em 8/2009
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