Procissão de São Judas Tadeu no Marapé

São Judas Tadeu [01] é um palestino do século I da era cristã, sendo apóstolo de Jesus Cristo. Após a vinda de Pentecostes foi pregar para os lados da Armênia, onde fundou muitas comunidades cristãs, levando a famosa lança de São Longuinios [02]. Também é responsável pela sentença do credo que diz "Na ressurreição da carne..." [03]. Santo muito popular e patrono do Marapé desde o início dos anos 1950.

Sua devoção começou no Convento de Nossa Senhora do Carmo, onde ainda se pode ver sua imagem em uma peanha do lado direito da nave, bem ao fundo na entrada. Como os frades não queriam realizar as missas e devoções do dia 28 de cada mês, o povo acabou por frequentar a igreja que foi construída ao lado das Irmãs Carmelitas descalças do Marapé, usando a antiga tradição judaico-cristã de dar o nome de um herói da fé ao templo.

Até os dias atuais ocorre grande romaria do povo para pedir a intercessão do Santo Mártir ou agradecer graças alcançadas, conforme o atestam os ex-votos de cera que ali estão ofertados, as placas de agradecimentos e tudo o mais.

No princípio a igreja possuía quatro altares laterais, mas durante as renovações dos anos 1960 impostas pelo mal interpretado Concílio eles foram retirados, ficando apenas dois laterais onde está a imagem de Nossa Senhora de Fátima desde 1953 e o outro dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. Existem também as imagens do Bom Jesus da Cana Verde ou o Ecce Omo [04] e de Santa Josefina Bakita.

Existiam na nave dois alto-relevos, sendo o da direita a Natividade de Jesus (com Nossa Senhora, o Menino e São José) e o da esquerda a Ressurreição (com Jesus saindo do túmulo e os três soldados de armaduras deitados ao chão), ambos uma releitura românica e que foram retirados nos anos 1980. Também existia um grande altar na capela situada do lado esquerdo de quem entra, sendo retirado para dar passagem aos cristãos por trás da gigante imagem de aproximadamente 3 metros de altura [05].

No dia 28 de outubro, celebra essa igreja a memória do parente, apóstolo e mártir de Jesus. Nesse dia, a rua fica lotada de pessoas, sendo necessário fechar a passagem aos veículos. São celebradas muitas missas, sendo a principal às 19 horas, seguida de procissão pelas ruas do bairro, com o seguinte percurso: Rua Saturnino de Brito, Rua Nove de Julho, Rua São Judas (onde todos os anos a Escola de Samba União Imperial faz um enorme tapete de procissão para saudar o patrono), Rua Doutor Napoleão Laureano, recolhendo-se à igreja. O cortejo é tão grande que se fazem necessários dois carros de som [06].

Na frente vai a Irmandade do Santíssimo Sacramento da paróquia, seguida do novo estandarte [07]. Na rua ficam barracas de alimentos e refrigerantes, também os vendedores anônimos de flores naturais ou de seda, e de outras quinquilharias que agradam a jovens e velhos. O veleiro é vigiado, pois a quantidade de velas é muito grande, assim como a loja de objetos sacros da igreja fica muito concorrida. Existe uma relíquia do mártir na igreja, mas só é exposta no dia oficial da festa.

Até o início do século XXI a Banda Carlos Gomes acompanhava a procissão, mas como ela parou de tomar parte no cortejo, agora a Banda da Policia Militar apresenta vários números musicais, tanto sacros quanto populares, além de tocar o hino dentro da igreja, com os músicos sempre assentados em frente ao altar do Sagrado Coração de Jesus.
 

HINO DE SÃO JUDAS TADEU
 

Ó celeste São Judas Tadeu;
Nosso grande e potente patrono;
Intercede por nós junto ao trono;
De Jesus tu apóstolo seu;

Intercede por nós junto ao trono;
De Jesus tu apóstolo seu.

És de Cristo amigo e parente;
Nosso Santo e fiel protetor;
Entre nós permanece presente;
Ensinando o evangelho do amor.

Ó celeste São Judas Tadeu, ...

Nossos rogos serão atendidos;
A esperança nos vem reafirmar;
Prometeu Jesus Cristo aos pedidos;
De seu Santo fazer triunfar.

Ó celeste São Judas Tadeu, ...

Personagens da procissão:

Hermelinda das Neves, a popular Dona Neném, que acompanhava todos os anos a festa, até suas pernas não permitirem mais; era comum ela pegar flores do andor para fazer o chá bento, muito usado pelas beatas para curar enfermidades.

Dona Maria "a magrinha" - devota do mártir, acompanhava a procissão e sempre reclamava de não estar a imagem do orago no altar mor, pois a igreja se chamava de São Judas e não Santa Cruz. Ela residia na Rua Silva Jardim, 366, com sua irmã e seu irmão. Essa senhora recebera nos anos 1970, do sacristão da capela da padroeira, uma imagem de Nossa Senhora do Monte Serrat que ficava no santuário do Monte no lugar da imagem antiga quando a mesma era descida em procissão. Com muito ciúme, ela mostrava a santa, mas não deixava ninguém levá-la de sua casa. No dia 28 de outubro costumava levar para a igreja flores que ela mesma cultivava, entre elas lindas gloxínias coloridas.

Um senhor, provedor da Irmandade do Santíssimo Sacramento, falecido já nonagenário, que em muito levou adiante a irmandade que ainda hoje existe. Conhecido por sua figura magra, amorenada, curvada e devota, era sempre visto com sua "vara de provedor", organizando as procissões da paróquia.

Maria Carballa Villar - minha mãe, devota do mártir, acompanhava a procissão com carinho, levando sua vela e seu terço em oração. Mesmo residindo depois na Espanha, de lá me pediu uma imagem para sua devoção.

Izabel Ana da Costa - era muito devota, queria fazer uma promessa de puxar uma procissão da porta da Igreja de Nossa Senhora Aparecida até a Igreja de São Judas, mas a pedido mudou a promessa para o oferecimento do estandarte que entregou em 1987 quando alcançou a graça buscada. Igualmente foi vista um ano acendendo uma vela em cada degrau do Monte Serrat, que subiu de joelhos. Faleceu em 24 de dezembro de 2000.

Helena de Jesus Martins - portuguesa com forte sotaque, sempre acompanhou a procissão. Era uma lusitana típica, com uma marca na face de um dente que infeccionara, trabalhou como empregada para uma senhora de nome Marquinhas e ao falecer deixou para ela a casa com todos os bens nela contidos, na Rua Manuel Tourinho, 221, na qual se podiam ver projetos de construções e da própria casa onde residia, feita pelo filho de sua patroa. Faleceu em 1981.

Notas:

[01] Sendo ele chamado de irmão de Jesus por ser da mesma família, costume muito comum naqueles tempos. Sua iconografia o mostra com uma alabarda no lugar do machado com o qual o mataram, mas nesse caso é a influência dos maçons. Também são encontradas imagens com o porrete em uma mão e na outra a Carta que escreveu e se pode ler na Bíblia, figurando entre os últimos escritos antes do Apocalipse. Através dela, podemos observar que ele teve acesso aos livros apócrifos do Antigo e do Novo Testamentos, tais como a Ascensão de Moisés e a Ascensão de Enoch.

[02] Foi o Centurião que transpassou Jesus Cristo na Cruz por força de profecia, assim seus ossos não seriam quebrados segundo o costume. Junto com seus amigos, foi também o responsável por guardar a sepultura, e assim testemunhou a ressurreição de Jesus.

[03] Segundo a tradição, os doze apóstolos formularam 12 sentenças de como seria seu ministério e a base da fé. Assim, hoje chamamos de Credo ou Creio à Série dos Apóstolos:

01 – São Pedro = Creio…

02 – Santo André = E em Jesus...

03 – São Tiago maior. = Que foi...

04 – São João = Padeceu sob...

05 – São Tomé = Desceu a mansão...

06 – São Tiago menor = Subiu os...

07 – São Felipe = Donde há...

08 – São Bartolomeu = Creio no...

09 – São Mateus = Na Santa...

10 – São Simão = Na remissão...

11 – São Judas Tadeu = Na ressurreição...

12 - São Matias = Na vida...

Todos Juntos = Amém.

[04] Na hora em que Jesus veio dos açoites perante Pilatos, ele teria dito em latim "Eis ai o homem" ou "Ecce Homo"

[05] Esse costume só se verifica em Santuários ou Basílicas.

[06] Faço a reza do terço e entoo os hinos desde 1977.

[07] Ofertado por um devoto em 2012, substituiu o antigo confeccionado em cetim visom vermelho com pinturas, ofertado em 1987 por Izabel Ana da Costa em cumprimento a uma promessa.

[*] Francisco Carballa é professor e pesquisador em Santos.