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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
A decadência

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Texto de Francisco Martins dos Santos, extraído do livro História de Santos, de autoria desse pesquisador, republicado em 1996 junto com a Poliantéia Santista de Fernando Martins Lichti, pela Editora Caudex Ltda., de São Vicente-SP, primeiro volume:

Francisco Martins dos Santos

A ferrovia não matou instantaneamente o Caminho do Mar; matou, isso sim, o serviço de diligências, que o cidadão Alexandre José de Mello explorava, levando-o à falência [1].

Como observou Almeida Nogueira, os fazendeiros e tropeiros, não podendo desfazer-se, de um momento para outro, de suas tropas cargueiras - que representavam capitais consideráveis -, continuaram com seus serviços de transporte de mercadorias, a preços muito baixos, fazendo, nos primeiros anos, bastante concorrência à Estrada de Ferro Inglesa.

Cubatão em 1826

Imagem: tela pintada em 1922 por Benedito Calixto de Jesus

E ainda em 1870 o presidente da Província, Antônio Cândido da Rocha, afirmava que o Caminho do Mar não devia ser abandonado, apesar da existência da via férrea, não só porque representava um grande capital, como porque também podia servir nos casos, então freqüentes, de acidentes no tráfego ferroviário.

A verdade, porém, é que o Caminho - como não podia deixar de ser, em face das condições do transporte e da economia de tempo - foi sendo abandonado e esquecido. Em 1887, segundo o Relatório da Comissão de Estatística, "não figurava mais entre as estradas provinciais, aparecendo, aí, apenas entre as de segunda classe: a estrada de São Paulo a São Bernardo, na extensão de vinte e cinco quilômetros". Era uma tradição que se apagava, apenas vinte anos após a inauguração da estrada de ferro.

Até a povoação de São Bernardo - outrora ponto de parada de negociantes, tropeiros e carreiros - perdeu toda a sua animação comercial, o mesmo acontecendo com o arrabalde do Lavapés, em S. Paulo - passagem do Caminho que vinha do litoral, e outrora próspero - que sofreu o impacto da via férrea. O seu movimento de viajantes e cargueiros, a atividade das suas vendas e dos seus potreiros, que o viajante Junius, autor de Notas de Viagem, pôde constatar em meados do século, já não mais existia em 1882, quando ele voltou a rever a cidade de S. Paulo, parecendo então uma tapera abandonada.

Em alguns outros trechos do planalto ou da baixada - de conservação mais fácil ou de ruína mais demorada - continuou o velho Caminho do Mar servindo, episodicamente, a alguns tropeiros e moradores humildes. Na serra é que ele sofreu a maior decadência, desmantelando-se e arruinando-se ao impacto das enxurradas e temporais, destruído aqui e ali pela queda das barreiras, de taludes, de grandes troncos e grandes rochas desprendidas da montanha e finalmente pela invasão do mato bravo e da tiririca, consumido pela "Lima do tempo", como diria Pedro Taques.

Após descerem a Serra, as tropas de burros paravam na Vila de Cubatão

Um dos pontos que mais sofreria com a decadência e o abandono do Caminho do Mar seria Cubatão, onde como primeira conseqüência deixaria de existir a Barreira Fiscal com o seu "Rancho Grande" dos tropeiros, e assim quase todos aqueles sítios e pequenas fazendas, que negociavam seus produtos (bananas, tangerinas, canas, pinga e rapadura) com as tropas de passagem, para Santos ou para o planalto; toda aquela vida enfim, daquele ponto em que se fizera a nova povoação em 1841, que se foi transferindo para junto da Estação da Estrada de Ferro, como uma sombra do que fora [2].

NOTAS DO AUTOR:

[1] A Revista Comercial, de 10/7/1866, publicava o primeiro Edital da Justiça, contendo a petição de Alexandre José de Mello. Ei-lo em parte:

João Baptista da Silva Bueno, juiz comercial suplente n'esta cidade de Santos etc. ...

Faço saber aos que este edital virem que, por parte de Alexandre José de Mello, negociante não matriculado, me foi apresentada a petição do teor seguinte: -  Ilmo. Sr. Juiz Comercial - Diz Alexandre José de Mello, residente à rua Áurea nº 18, desta cidade, com negócio de diligências e animais de condução para o interior da província, e algumas especulações de compra e venda de gêneros, que, tendo-se completamente paralisado o serviço das conduções desde que em fevereiro do corrente ano começou a funcionar a Estrada de Ferro, e isto quando infelizmente acabava o suplicante de empatar capitais com a compra de alguns animais e diligências, bem depressa achou-se em estado de não poder de pronto satisfazer seus débitos, principalmente depois que foi acionado por um de seus credores, o capitão Gregócio Innocencio de Freitas, que com o aparato de uma penosa execução muito tem prejudicado o crédito do suplicante. Verdade seja que procurou este todos os meios de solver seu débito, mas tais foram os embaraços e escassez de recursos com que luta esta praça há tempos para cá, que baldados foram todos os seus esforços. Ora, não convindo de modo algum ao suplicante prejudicar a seus credores e sendo ele verdadeiro negociante à face do disposto no título décimo do Código Comercial, art. 20, parágrafo 3º do Regulam. n. 737 de 25/11/1850, e assentos do Tribunal do Comércio da Corte, para acautelar o prejuízo dos mesmos credores e demonstrar boa-fé, vem o suplicante apresentar-se neste juízo e pedir a V.S. se digne declarar aberta a sua falência etc. ...

Seguia-se o despacho do juiz, decretando a falência do requerente a contar do dia 4 daquele mês e ano, e convocando os credores, para o dia 13, às 10 horas da manhã. Assinava o escrivão Joaquim Fernandes Pacheco, e em seguida o juiz João Baptista da Silva Bueno.

Não apenas Alexandre José de Mello sofrera o mal da Estrada de Ferro, o italiano Luiz Massoja, que também explorava o serviço de diligências para S. Paulo, como extensão das linhas que explorava para a Praia da Barra ("Diligências Guanabara") desde 23 de julho de 1864. Este não repetiu o caso do brasileiro, prejudicou os seus acionistas e aos credores, fugindo para o Rio de Janeiro.

Outro prejudicado foi João Mariano de Campos Bagrinho, que explorava o aluguel de animais para passeios locais e excursões a S. Paulo e interior. Só que este não faliu, e ainda continuou por algum tempo com o seu negócio.

[2] O abandono do Cubatão antigo foi tão completo que toda a sua serra voltou a ser como há um século, ponto de caçadas para a gente de Santos, ali para as bandas de Piaçagüera, passando pelo Perequê, antiga passagem do Caminho do Mar, até atingir a Cova da Onça na Serra Velha, onde muito caçador criou fama.

Nós mesmos, que somos de 1903, ainda realizamos várias caçadas por todo aquele costão da serra, para a esquerda (lado dos Areais) e para a direita, lado do Perequê e Piaçagüera, considerados ainda grandes pontos de "macucos" e "jacutingas".

Com dezesseis anos de idade, nós vimos nascer, ali bem junto ao início da rampa, a Fábrica de Papel (Companhia Santista de Papel, se bem nos lembramos), dirigida pelo engenheiro dr. Lindolfo de Freitas, num lugar que outrora já fora bem povoado e plantado, e que não passava então de um bonito deserto, cheio de arvoredo e de antigas fruteiras desnaturadas, muito longe da povoação, toda para além do rio e junto à Estação da Estrada de Ferro.

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