Francisco Martins dos Santos
Melhoramentos notáveis foram levados a
efeito de 1862 a 1864, sob a direção de José Vergueiro (José Pereira de Campos Vergueiro [1].
Fletscher escrevera em 1855:
A grande esperança dos Vergueiros é que não está longe o dia em que o café de Campinas,
Limeira e Itu venha a ser trazido sobre rodas até Santos. |
E agora, exatamente a um Vergueiro, dos mais ilustres, ia caber a melhor reforma da estrada antiga, precedendo o
advento da via férrea, já iniciada, entre S. Paulo e Santos.
Antiga rodovia SP-Santos, em ilustração do livro Brazil and the Brazilians (Kidder e
Fletcher,1866, Philadelphia/EUA), com a ponte coberta em Cubatão, o caminho em ziguezague do Lorena e a antiga estrada em ascensão praticamente
reta que foi o Caminho do Padre José
Consistiam os trabalhos, em primeiro lugar, na reparação do leito carroçável e na restauração do trânsito pela
Estrada da Maioridade, considerado impraticável àquela altura, com um novo traçado do Ponto Alto (em São Bernardo) até São Paulo. Na Serra da
Maioridade diminuíram-se as rampas, fizeram-se grandes muros de pedra, abriram-se valetas para escoamento das águas e pavimentaram-se certos
trechos.
Deu-se ainda maior largura ao caminho - vinte e cinco palmos regulares, de MacAdam (macadame) ou pedregulho -,
ficando só o percurso da serra com um termo médio de vinte e dois palmos, havendo, entretanto, lugares de quarenta e cinqüenta palmos.
Incluiu ainda o empreendimento a macadamização de um atalho no aterrado de Cubatão e a reconstrução das pontes
do Casqueiro e do Cubatão. Em suma, José Vergueiro - no dizer do dr. Djalma Forjaz - transformou o Caminho do Mar, de estrada comum em estrada de
rodagem, no sentido técnico e moderno da expressão. A primeira que teve a Província e atual Estado.
Do caminho assim remodelado, conhece-se o depoimento, algo contraditório, do Visconde de Taunay, em 1865. Ele
fez a viagem de carro, e nas suas Memórias escreveu:
Começou a ascensão da Serra e, desde as primeiras voltas da estrada, não muito má etc. ... |
Depois falava em "penosa ascensão, embora por vezes descêssemos todos os carros, puxados por três parelhas de
valentes mulas, no meio dos contínuos Hum! Hum!" com que as excitavam os cocheiros alemães". Em seu livro Viagens de Outrora, observava
ele:
A Estrada de Cubatão pareceu-nos o caminho do Paraíso, como o descrevem as velhas crônicas
da Idade Média: desejamos aos nossos inimigos o trânsito contínuo por ela, em carroças sem molas e com maus animais. Não há suplício
comparável. Ora o carro com dolorosos gemidos eleva às nuvens e galga alturas imensas, ora submerge e parece entranhar-se nas profundezas da
terra e sempre tangenciando precipícios insondáveis e sempre sujeito a inclinações pavorosas. |
Mas não ficaria nisso; as críticas mais severas do Visconde à estrada, ele as formularia em carta ao pai, no ano
de 1865, quando diria:
A Estrada é má, tem muito forte declive e o macadame completamente estragado. Outra
falta que lhe notei: a ausência de parapeitos para resguardo dos veículos de possível despenhamento por formidáveis precipícios
[2] |
Era estranho isso, porque o Visconde não conhecia melhor estrada do que aquela em qualquer parte do Brasil.
Biliosidade talvez, ou neurastenia.
Após chegar a Santos, os imigrantes tinham de seguir por terra, em meados do século XIX.
Imagem: Os Imigrantes, sem data, pintado por Arthur Nísio (capa da publicação Os alemães no Paraná, Curitiba/PR, 1979)
Eis o relato do engenheiro Manoel Rodrigues Ferreira [3],
em confirmação ao que dissemos:
Entretanto, o Caminho do Mar somente adquiriria condições de estrada de rodagem, no sentido
técnico da palavra, com os trabalhos que começariam a ser executados pelo comendador José Vergueiro (filho do senador Vergueiro). De São Paulo
ao alto da Serra, ele modificou quase que inteiramente o traçado do velho Caminho do Mar. Na Serra diminuiu as rampas, fez variantes,
construiu marcos de pedra, deu-lhe maior largura, drenou as águas das chuvas, calçou e apedregulhou-a (macadamização); macadamizou o aterro do
Cubatão e construiu de novo as pontes do Casqueiro e de Cubatão.
Iniciados esses trabalhos a 5 de dezembro de 1862, foram inaugurados em 5 de dezembro de 1863. Na viagem inaugural,
gastaram-se, de São Paulo a Santos, seis horas [4]. As condições
técnicas na serra eram: rampa média, de 8%; largura, de 22 palmos. O trecho do planalto passou a chamar-se Estrada Vergueiro, pois constituiu
quase um novo traçado. |
Estava-se, então, em vésperas da inauguração do tráfego ferroviário regular entre Santos e São Paulo - e esse
foi mesmo um dos motivos das censuras então feitas aos custosos trabalhos empreendidos por Vergueiro. Havia trinta anos que se cogitava do caminho
de ferro ligando o litoral ao planalto de S. Paulo, mas só em 1860, concluídos em 1858 os estudos dos engenheiros Brunless e Lane, foram iniciadas
as obras de construção, inaugurando-se em 1864 o primeiro plano inclinado da serra e em 1866 estabelecendo-se o tráfego provisório, entre Santos e
Jundiaí, regularizado e inaugurado, definitivamente, em 1867.
NOTAS DO AUTOR:
[1]
José Vergueiro, ou José Pereira de Campos Vergueiro, era filho do grande Nicolau Vergueiro, o iniciador da imigração na Província de S. Paulo,
fundador das primeiras colônias de trabalhadores brancos, europeus e livres, e primeiro socializador das terras do Brasil (desde 1824) após a
Independência. José Vergueiro foi vereador e presidente da Câmara de Santos, em 1839, logo após a elevação da vila a Cidade, e fez parte da mesma
Câmara em diversas outras legislaturas, como em 1840, 1841 e em 1849. Em 1841, representou a cidade de Santos nas cerimônias da Coroação do
Imperador D. Pedro II, muitas vezes concorreu com dinheiro próprio em favor de inúmeras iniciativas santistas e de todas as suas instituições.
[2]
Esta parte final da crítica talvez fosse cabível, porque, ainda na última fase desta estrada, já em sua recuperação iniciada no século XX,
verificava-se que, em muitos dos seus pontos antigos, continuava o desguarnecimento ou anteparo à beira de tremendos precipícios, como no caso da
famosa Curva da Morte, que assim vinha desde que a estrada fora abandonada, e que Rudge Ramos, o grande recuperador do histórico Caminho,
em 1913, esquecera-se de corrigir e melhorar.
[3]
Dr. Manoel Rodrigues Ferreira - Os Municípios de S. Paulo - edição especial - 1956, S. Paulo.
[4]
Confronte-se esta viagem (travessia total), feita em carros de tração animal, com a viagem de 1908 - aquela em 6 horas e esta última em 25 horas
rodadas. Mal se compreende a diferença. Talvez o estado do Caminho, após 40 anos de abandono, pudesse mesmo explicar o fenômeno ao observador dos
nossos dias... |