Nos sobrados úmidos e insalubres, muitas famílias e crianças
Esquecido, triste e sem a fama de outros tempos
Dá pena ver o Valongo desse jeito, tão decadente, mais
parecendo um enorme parque de estacionamento de caminhões. Merece tal fim esse bairro tão antigo e de tantas tradições?
Desde que sofreu esvaziamento financeiro e econômico, o Valongo ficou jogado às traças. O comércio está cada vez
mais decadente, ninguém reforma ou constrói edifícios, os tradicionais sobradinhos enfileirados ao longo da calçada se tornaram feios, encardidos
e tristes.
A cor cinza, característica do abandono e da sujeira, tomou conta de todos os cantos. Os armazéns e as
comissárias de café, que fizeram a riqueza de muitos santistas e projetaram o nome da Cidade no exterior, perderam importância e cederam suas
instalações para borracharias e oficinas mecânicas, hotéis de rotatividade, bares e restaurantes de baixa freqüência.
Nem os comerciantes antigos, desses bem apegados ao ponto, quiseram ficar. Entre eles, restou o sapateiro
Fernando, da Rua São Bento, que faz sandálias e sapatos com sola de borracha de pneu, apropriados para os trabalhadores do cais.
"Ninguém agüentou. Só eu fiquei aqui de Cristo", diz ele, reclamando dos caminhões que passam estremecendo tudo
e largando adubo no meio da rua. Os calçados - que vende a preços variando entre Cr$ 2 mil e Cr$ 2.800,00 - vivem encobertos pelos produtos
químicos que invadem o ar.
Os problemas são tantos, que só quem não tem outra opção continua lá - Não é à toa que a população do
Valongo caiu sensivelmente nos últimos anos e hoje se resume a cerca de mil moradores. Quem quer morar num bairro mal iluminado, sujo, com
trânsito completamente desordenado e tomado por marginais, que se aproveitam da falta de policiamento para agir?
As poucas famílias existentes resistem por falta de opção: em troca de aluguéis menos elevados, oito, 10, 15
delas se sujeitam a conviver em sobrados úmidos, com seus amplos porões subdivididos em dezenas de minúsculos quartos.
As condições de moradia são muito precárias, porque os donos dos imóveis só estão interessados em receber o
aluguel no final do mês. Não se importam se a casa precisa de reforma, se alguma instalação sofreu avaria e coisas do tipo. Os inquilinos que
agüentem, se quiserem.
Na casa de número 182 da Rua Marquês de Herval fica evidente o pouco caso da proprietária: as duas famílias, que
já vivem ali há sete e 11 anos, estão sem água há mais de um mês. Apareceu um vazamento grande no porão (transformado em vários quartos e alugado
para outras pessoas) e a conta da água chegou a Cr$ 150 mil. Conclusão: ninguém pôde pagar e a Sabesp cortou o fornecimento.
"A dona não podia deixar a gente nessa situação", comenta a moradora Maria Aparecida Batista, lembrando que nos
11 anos que mora ali sempre arcou com seus compromissos pontualmente; Creusa Filomena da Silva, locatária há seis anos, também não se conforma,
mas não vê outra opção se não agüentar.
Elas pagam Cr$ 15.800,00 e Cr$ 17 mil, respectivamente, por dois quartos, cozinha e banheiro. O sobrado se
encontra no mais completo abandono, principalmente o porão, que volta e meia é invadido por desocupados. Ninguém tem sossego e segurança, e as
crianças são obrigadas a crescer naquele meio tão insalubre.
E olha que crianças não faltam! O Gledistônio conta que em sua casa há 10. Como não é possível todos dormirem no
chão ou em camas, no único quarto, a maioria se ajeita nas redes penduradas no teto. Precisa dizer mais alguma coisa?
O tradicional largo passou por melhorias, mas está novamente abandonado e sujo - Desde que a Rua São
Bento foi alargada, em 1940, o Valongo só passou por melhorias na administração do ex-prefeito Antônio Manoel de Carvalho. Ele falava em
transformar o Largo Marquês de Monte Alegre em um terminal intermodal, ligando diversas modalidades de transporte. Ou seja, fazer uma integração
rodoviária, ferroviária e hidroviária.
Pretendia-se garantir ao Valongo um retorno ao passado, mas com a comodidade do presente. Houve remanejamento de
guias e passeios, regularização da pavimentação em paralelepípedos, iluminação, sinalização, arborização e instalação de canteiros centrais. Mais,
a relocação do antigo abrigo construído por volta de 1890 e desmontado em 1960, defronte ao prédio da estação ferroviária. A reposição da antiga
cobertura garantiu a devolução ao edifício do seu aspecto original.
Apesar da urbanização, que custou aos cofres públicos uma boa soma, o Largo Marquês de Monte Alegre parece mais
abandonado do que nunca. As luminárias antigas e as árvores que enfeitavam o canteiro central foram danificadas pelos caminhoneiros, que cometem
todo tipo de abuso e fazem do Valongo um inferno. A Prefeitura, ao invés de providenciar a fiscalização e o policiamento adequados, achou mais
fácil arrancar de vez os postes e não plantou novas árvores. E era uma vez um projeto muito bonito no papel...
O ponto de atracação para as barcas que trafegam entre Santos e Vicente de Carvalho e vice-versa não passou de
uma idéia e o transporte ferroviário continua sem o devido incentivo. No final das contas, o Valongo não readquiriu sua importância enquanto ponto
central do movimento de passageiros que utilizam os diferentes meios de transporte.
Coisas do passado estão esquecidas, mas bem que poderiam ser recuperadas - Bem que esse projeto para o
Valongo poderia ser levado a sério e adiante. Afinal, é um dos núcleos fundadores da Vila de Santos e apresenta em seu conjunto arquitetônico
testemunhos de edifícios do século XVII (Igreja de Santo Antônio e capela da Venerável Ordem 3ª de São Francisco da Penitência), XIX (estação
ferroviária e antiga Prefeitura) e primeira metade do século XX. Algo que não pode ser, efetivamente, negligenciado.
Mas as autoridades não parecem nem um pouco preocupadas com a deterioração física da área e a poluição
ambiental. Não percebem que o Valongo poderia se transformar em importante ponto de atração turística e representar uma alternativa de passeios
para os santistas.
Muitas queixas contra caminhões e seus abusos
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