Sem muros e limpeza, os terrenos baldios se transformam em lixões e geram protestos
Um lugar pequeno esquecido pela Prefeitura
A água escorre sem muita pressa. A Cachoeira da Nova Cintra
só se agita quando a chuva cai muito forte. A mata ao redor dá idéia de sossego, placidez. E tudo isso combina muito bem com o Bairro da
Caneleira, que se estende logo abaixo da encosta do morro, com sua vidinha simples, sem agitação de carros ou pessoas.
É um dos menores bairros de Santos, ocupa uma área de 46 hectares e sua população não ultrapassa 1.500 pessoas.
Numa época em que os prédios se multiplicam em toda Santos, se mantém horizontal: tem no máximo dois ou três sobradinhos, que não chegam a
atrapalhar quem gosta de apreciar a bonita paisagem proporcionada pelos morros ao redor. Morros que, da forma como se apresentam, envolvem parte
do bairro, como braços abertos oferecendo proteção.
Quando a chuva cai forte nas tardes de verão, um cheiro de terra molhada toma conta do ar. É um odor que lembra
campo, fazenda, natureza, e que o pessoal da Zona Leste não tem oportunidade de sentir porque o asfalto tomou conta das ruas e lajotas encobrem os
quintais. E tudo parece passado a limpo, naquele recanto que vai do Caminho São Jorge até as encostas, após uma chuva dessas: as folhas das
árvores parecem ficar mais verdes, cheias de vida. Algumas se tornam cor de prata à medida que refletem a luz do sol, quando volta a brilhar
clareando o fim do dia.
Esse recanto se distingue bem do resto da Caneleira, que tem áreas de cidade, no trecho entre a Rua Sebastião de
Castro Rios e as avenidas Nossa Senhora de Fátima e Francisco Ferreira Canto. Caminhos de terra batida se contrapõem ao negro do asfalto; chalés
contrastam com casas bem construídas e modernas; muros altos se diferenciam das cercas, que mais servem para estabelecer os limites dos terrenos
do que proteger as moradias.
Moradores à espera da abertura de ruas e áreas de lazer - Grande movimento de pessoas e de carros, só
mesmo na Avenida Nossa Senhora de Fátima, a mais importante via de circulação da Zona Noroeste. Nela está concentrado todo o comércio da
Caneleira, porque nas ruas internas não há nenhuma casa comercial.
Mas ninguém passa muitos apuros devido à falta de comércio, porque afinal das contas a Caneleira é um bairro tão
pequeno que não fica difícil se abastecer na vizinhança, provida até de um supermercado.
Sem correrias que cansam e desgastam, é possível percorrer toda a Caneleira em no máximo uma hora. E se algum
morador se dispuser a fazer isso, na certa distribuirá muitos bons-dias ou boas-tardes, porque a maioria do pessoal se conhece, como em todo
lugarejo que se preza.
Numa andança dessas, de percorrer todos os pontos, a gente constata que muitas ruas da Caneleira não têm saída,
não dão em parte alguma, terminam em terrenos baldios ou áreas ocupadas por casas. Nessa situação encontram-se a Sebastião de Castro Rios, a
Miguel Rocha Correia, a José Monteiro e a Marcelo Martins Vicente.
A abertura dessas ruas é uma das mais antigas reivindicações dos moradores. Talvez seja tão antiga quanto o
pedido de criação de uma praça e áreas de lazer. A única praça do bairro, a Júlio Dantas, nem merece ser chamada assim: é cortada pela Avenida
Nossa Senhora de Fátima, com todo o seu trânsito louco de dia ou de noite. Fica longe de cumprir a função pela qual se abre espaço para tais
logradouros públicos.
O pessoal pede uma praça mesmo, digna desse nome, com árvores, gramados, bancos e, quem sabe, brinquedos para as
crianças. A molecada não tem um cantinho só para ela e se vê obrigada a jogar bola, brincar de pega-pega ou de uma-na-mula no meio da rua.
A única área de lazer que a criançada ganhou não durou nem um mês. O pessoal lutou, pediu, quase implorou, até
que finalmente conseguiu ganhar alguns brinquedos da Prefeitura, como balanço e escorregador. Em entendimentos com um proprietário de amplo
terreno, conseguiu-se a cessão da área para a instalação dos brinquedos. Tudo assinado direitinho, escrito em papel.
Mas a alegria durou bem menos do que se esperava. Na festa de inauguração, apareceu um senhor reivindicando a
desocupação da propriedade. Era o novo dono do imóvel e não estava disposto a emprestá-lo. Final da história: os brinquedos foram parar no
apertado quintal da sociedade de melhoramentos. Agora, como o local encontra-se em obras, o material se deteriora em um canto.
Prefeitura não fiscaliza e não atende antigos pedidos dos moradores - Sem alternativas, as crianças
gostavam de aproveitar a tranqüilidade da Rua Orivaldo Souza da Rocha para brincar. Pois justo nessa rua instalou-se a empresa de leite
Cristalino, com seus caminhões enormes, capazes de tirar o sossego de qualquer um.
Ninguém entende como a Prefeitura autorizou o funcionamento da empresa em plena área residencial. Benedito
Ribeiro de Moraes, que mora pegado, reclama do barulho constante ocasionado pelo sistema de refrigeração dos veículos. Entre as 19 horas e as 4 da
madrugada há sempre falatório alto e aceleração exagerada dos caminhões, não deixando ninguém dormir. Isso sem contar que os motoristas não ficam
nem um pouco constrangidos em estacionar em entradas de garagens.
A Prefeitura não se importa em coibir os abusos, assim como não exige que os proprietários de terrenos baldios
cumpram a legislação, fazendo muros e cortando o mato. Abandonados como eles só, os terrenos acabaram transformando-se em lixões.
O pessoal vive querendo saber também quando a Prefeitura melhorará a iluminação do bairro. À noite, tudo fica na
penumbra. A Sociedade de Melhoramentos pediu a instalação de luz de mercúrio há mais de um ano. Adiantou?
A falta de rede de drenagem na Rua Sebastião de Castro Rios é outro antigo problema que continua sem solução. Em
1960, falava-se na abertura de um canal ao longo daquela via, mas até agora nada foi feito. Os moradores não têm outra alternativa se não conviver
com uma rua esburacada, com duas imensas valas nos lados.
Mas a vala que mais atormenta o pessoal é uma que vem do Caminho São Jorge, corta uma área particular e passa
vizinha ao terreno da SM. Bastante água corre o tempo todo e, quando chove, a vala transborda e provoca uma série de inconvenientes. Devido à
força da água, o alicerce do muro da SM ficou sem apoio e firmeza, podendo desabar a qualquer momento. A Prefeitura foi avisada, mas não tomou
nenhuma providência.
As autoridades nem se incomodam que as oficinas da Avenida Nossa Senhora de Fátima transformem o passeio em
propriedades suas, obrigando os pedestres a disputar um espaço com os carros velozes. A solução para o abuso continua sendo um grande sonho, assim
como a população sonha com a instalação de um telefone público, já que o Caneleira não dispõe de nenhum. |