Águas servidas descem do morro e formam a vala que cruza a Vila Carla
Um lugar pequeno cresce entre as encostas
Há quem diga que o Jabaquara não mudou nada nos últimos 30
ou 35 anos. Não progride, não vai para a frente, continua com a mesma cara.
Fica fácil saber por que o pessoal diz isso: é que o bairro não tem nenhum desses grandes prédios envidraçados
que estão invadindo tradicionais bairros residenciais, como Campo Grande, Marapé e Vila Belmiro. Muitos entendem o surgimento de arranha-céus como
sinônimo de progresso, daí reclamarem que o Jabaquara permanece do mesmo jeito.
Mas se esse bairro delimitado pela Rua Joaquim Távora, encostas do morro, avenidas Waldemar Leão e Cláudio Luiz
da Costa não possui grandes edifícios, melhor para ele e para Santos. Afinal, está mais do que provado que a proliferação indiscriminada daqueles
enormes blocos de concreto compromete a qualidade de vida. E se a gente examinar bem a questão, perceberá que o Jabaquara leva vantagem sobre
outros bairros, porque engloba um imenso "vazio", onde prédio nenhum será construído: as áreas ocupadas pela Santa Casa e pelo Estádio Ulrico
Mursa.
E é justamente esse vazio que divide o bairro em duas partes: sobra um "cantinho" de zona residencial ao longo
da Joaquim Távora (lado par, porque do lado ímpar já é Marapé) e da Pinheiro Machado, para só haver uma concentração maior de moradias passados o
estádio e a Santa Casa, ou seja, a partir das avenidas Francisco Manoel e Rangel Pestana.
Nessa parte baixa moram pouco mais de três mil habitantes, registrando-se um índice de ocupação equivalente a 42
habitantes por hectare. E justo as encostas do morro, que de modo algum poderiam ter sido ocupadas desordenadamente, estão tomadas de ponta a
ponta. Nelas vivem pelo menos duas mil pessoas.
O Breque, a vala que transborda e as críticas na Vila Carla - Se alguém disser que mora no Breque, muita
gente pode pensar que se trata de um lugarejo qualquer do Interior. Mas o Breque fica ali no Jabaquara, mais exatamente no final da Avenida Rangel
Pestana. A área recebeu esse nome porque conseguiu "brecar" o bondinho da Nova Cintra, naquele fatídico 29 de maio de 1922 em que despencou
encosta abaixo.
A história é a seguinte: na encosta do morro funcionava um funicular hidráulico. Dois carros, ligados entre si
por cabos de aço, corriam sobre roldanas dispostas no eixo da linha. Mas teve um dia que o cabo de aço não suportou o peso, certamente por estar
desgastado, e um dos bondinhos despencou do alto, levando a porteira e tudo mais que havia pela frente. Só parou quando chegou no sopé do morro,
porque não tinha mais por onde rolar. Daí o nome Breque, que perdura desde a década de 20.
Na hora de pôr apelidos, o pessoal não deixa por menos. Outro que "pegou" é a denominação de Vila Sapo para uma
área aos fundos da Rua Teodoro Sampaio. Os sapos (e não só eles) proliferam graças às águas servidas, poluídas com esgoto, que descem do morro com
força total, feito cachoeira, formando uma poça e uma vala.
O pior é que essa vala atravessa um núcleo de 26 casas conhecido por Vila Carla e traz uma série de problemas. O
mau cheiro não poderia ser pior e quando chove muito as águas fétidas invadem as casas. O morador Joaquim Moreira reclama que já cansou de pedir
providências à Prefeitura.
"Isso é esgoto puro", diz ele, cutucando na vala com a bengala. Há cerca de um ano e meio, ele conseguiu que um
engenheiro fosse lá no local. Dias depois, a Prefeitura mandou três tubulões, instalou um deles e os outros permanecem em pé, num canto do
caminho. Por incrível que pareça, cresceu até um mamoeiro dentro de um deles.
A Vila Carla sofre com a vala e por si só representa um problema. Das 26 famílias, nenhuma é dona dos terrenos e
apenas cinco têm direito às benfeitorias. As demais continuam pagando aluguel de tudo à família Marinangele e acham que as taxas não deveriam
subir tanto, já que ocupam aquelas terras há muitos anos.
Sem áreas de lazer, as crianças enfrentam o perigo de jogar bola na rua
O pessoal reclama dos ônibus e da feira, mas se orgulha do bairro - No mais, o Jabaquara como um todo não
padece de muitos males (os morros representam um caso particular). Ida Marasco Nunes reclama apenas da falta de condução para diversos bairros de
Santos. Ônibus fácil só mesmo para o Centro, por meio das linhas 16 e 61. De resto, recaem muitas queixas contra a feira de domingo, na Rua do
Contorno: além de nela se vender o que restou de outras feiras realizadas durante a semana, a carestia deixa as mulheres de cabelos brancos.
"Batata e laranja tem bastante", diz em tom de ironia José Rodrigues Filho.
Na hora de comprar pão quente, o pessoal dá preferência para a Panificadora Flor do Jabaquara, a primeira do
bairro. Nela ainda se usa o chamado "sistema de caderneta", ou seja, aquele em que o morador só paga no final do mês, de acordo com as anotações
em uma caderneta.
A Flor do Jabaquara fica na Avenida Rangel Pestana com Rua Teodoro Sampaio, ao lado da Farmácia São José e perto
do Supermercado Mendes, estabelecimentos igualmente tradicionais. Pois é: hoje os comerciantes recebem a recompensa por terem investido, anos
atrás, em uma região onde não morava quase ninguém.
E de duas coisas o Jabaquara se orgulha muito: abriga o Centro de Formação para o Apostolado de Santos (Cefas) e
tem a sua igreja católica. Antigamente, a Igreja de Jesus Crucificado era a capela do Colégio Casa de Nossa Senhora. Mas, em março de 1968, foi
instalada como paróquia pelo bispo dom David Picão.
Recentemente, o Jabaquara passou a ser sede da Associação Atlética dos Portuários, entidade fundada a 10 de maio
de 1926. Além do mais, está para ganhar um conjunto poliesportivo, que se encontra em fase final de construção num amplo terreno cedido pela
Codesp à Prefeitura (fica na confluência das avenidas Waldemar Leão e Francisco Manoel). Resta saber se os moradores terão acesso fácil aos três
campos de futebol, às duas quadras de tamboréu e à pista de ciclismo.
O morro tem medo da pedra e se organizou para pedir atenção - Se no chamado Jabaquara Baixo vive uma
população classe média, proprietária dos imóveis onde reside, no morro a situação é bem outra. Pelo menos metade sobrevive graças ao trabalho
assalariado, isso quando o desemprego ou a doença não os deixa sem a garantia de qualquer recebimento mensal.
Os migrantes nordestinos são maioria: ou construíram um barraco numa encosta qualquer ou alugam quartos de
antigos ocupantes. As taxas chegam a Cr$ 6 mil ou Cr$ 7 mil mensais por um único cômodo, com direito apenas a banheiro coletivo. Os que têm a
sorte de serem proprietários das casas, em geral pagam aluguel do terreno.
Quando chove forte, as águas descem o morro arrastando o que há pela frente. E se os moradores da ladeira José
Fernandez Cruz reclamam da "avalancha" que impede a passagem de qualquer pessoa, imaginem como se sentem as famílias das 19 casas condenadas pelo
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
As autoridades parecem não se preocupar nem um pouco com a vida dos que moram no morro e, diante disso, essas 19
famílias resolveram se unir e lutar até que a Prefeitura construa as prometidas casas populares. Tudo começou com um abaixo-assinado passado de
casa em casa e na feira-livre e, depois disso, aconteceram pelo menos três idas à Prefeitura, muito a contragosto do prefeito Paulo Gomes Barbosa.
Os moradores tanto fizeram que conseguiram prioridade na ocupação dos apartamentos que serão construídos atrás da Escola Maria Patrícia.
Mas, o fim do drama das 19 famílias que estão sob a mira da "pedra grande" não representará o fim da
organização. Persistirá a luta por áreas de lazer, um posto médico e policiamento.
Os chalés fazem parte da paisagem desse bairro que não mudou muito nos últimos anos
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