Os prédios se multiplicam nesse bairro que acolhe mais de 20 mil moradores
Motorneiro durante 32 anos. E com muitas histórias!
Quem abusava não tinha como se safar. Era assim: um chefe de
cada lado, dando beliscões com alicates, enquanto um terceiro dava tapas na cara. Isso acontecia nas oficinas da antiga City e quem conta é Romão
Torres Toledo, que foi motorneiro durante 32 anos. Nascido em 1896, memória infalível, conversador, tem muitas e boas recordações dos tempos em
que andava com os bondes para cima e para baixo. Relembra ainda épocas mais remotas, quando qualquer um perdia a fala ao observar sua habilidade
para tirar leite das vacas.
O Cubano, como é conhecido, tinha seus 19 anos e trabalhava numa cocheira. Um dia, um imprevisto: o
mineiro, que tirava leite com uma mão só, ficou doente e ele teve que substituí-lo. Pegou o banquinho, se ajeitou e quando deu por si havia mais
de 30 pessoas olhando. Todos estavam quietos, parados, admirados diante da sua agilidade.
Essa passagem ele conta fazendo gestos com a mão e ruídos com a boca. Mas gosta mesmo é de falar sobre seus
tempos de motorneiro. Inaugurou duas linhas, a 29 e a Noturno, e chegou a fazer o percurso entre a Praça Rui Barbosa e São Vicente, via Avenida
Ana Costa, contadinhos no relógio.
Motorneiro revive o passado
E
vejam o que esse morador do Marapé costumava aprontar: quando o carro de cerveja, puxado a burro, ia na frente, impedindo a passagem, ele
encostava o bonde que conduzia bem juntinho e, num segundo, pegava uma ou duas latinhas da famosa Ipiranga. Um dia, o português se invocou e
gritou para "seu" Romão: "Espanhol, já conhece a mão de um português?"
Ele nem ligava, principalmente porque seus chefes não acreditavam nas reclamações do português. Como "seu" Romão
poderia roubar as cervejas, com os carros em movimento? E assim foi, até que um dia o inspetor tomou o bonde e Romão estava com duas latinhas do
lado. Resultado: dois dias de suspensão.
Quando diz que nunca levava desaforo para casa, ninguém deve duvidar. Certa vez pegou o chefe pelo colarinho e o
fez levar o bonde do Centro até a Vila Mathias. Explica: "Sendo chefe, a pessoa tem que conhecer o serviço melhor que os subordinados. Ele não
conhecia e ainda veio com desaforo. Teve que levar o bonde para aprender a ser homem".
E foi uma das famosas brigas que acabou acelerando sua aposentadoria. "O chefe queria abusar...", lembra ele,
sem a menor cerimônia. Se muitos reclamavam das confusões que armava, ninguém podia se queixar de sua competência, pois, em 32 anos, só esteve
envolvido em três acidentes, nenhum por sua culpa: um passageiro dormiu sentado e caiu em uma curva; outro caiu ao tentar descer do bonde andando;
e uma terceira pessoa se pôs bem na frente do veículo, na Praça José Bonifácio. Por sorte, não estava em alta velocidade. |