Convocação para uma concentração santista pró-Júlio Prestes/Vital Soares
Imagem: anúncio publicado em 1º de outubro de 1929 no jornal santista A Tribuna, página 3
José Carlos Rossini (*)
No Brasil de 1930, as atenções se voltavam para a figura
de Júlio Prestes de Albuquerque, presidente eleito da República e governador do Estado de São Paulo, sucedendo
no primeiro cargo Washington Luiz Pereira de Souza.
Em tumultuada sessão do Congresso Nacional realizada em 22 de maio na capital do Rio
de Janeiro, aprovava-se o resultado das eleições presidenciais recentemente realizadas em todo o país, proclamando-se então solenemente Júlio
Prestes de Albuquerque e Vital Soares como respectivamente presidente e vice-presidente da República do Brasil para o quadriênio de 1930 a 1934.
Panorama do porto e da cidade de Santos em 1935
Foto: reprodução do livro: Docas de Santos - Suas origens,
lutas e realizações, de Hélio Lobo,
Typ. do Jornal do Commercio - Rodrigues & C. - Rio de Janeiro/RJ, 1936
(acervo do historiador Waldir Rueda)
Exatamente no mesmo dia, o ilustre cidadão paulista chegava, acompanhado de sua
esposa, Alice Prestes, e comitiva, à cidade de Santos. Às 17 horas, em trem especial, o próximo presidente da Nação saía da Estação da Luz.
Duas horas e meia mais tarde, o comboio presidencial chegava a Santos, onde, através
do desvio entre a Estação da São Paulo Railway e o cais, penetrava diretamente na faixa portuária, vindo a parar em
frente ao Armazém nº 15, já então apinhado de curiosos e admiradores.
Quando Júlio Prestes apareceu na plataforma do trem, os presentes eclodiram em
prolongada salva de palmas, logo seguida pela execução do Hino Nacional pela banda musical do contingente da Força Pública.
Seguiu-se um prolongado ritual de saudações oficiais por parte de autoridades civis e
militares da região santista, entre as quais José de Souza Dantas, prefeito municipal, e Belmiro
Ribeiro de Moraes e Silva, presidente da Câmara Municipal.
Trocados os cumprimentos de praxe, Júlio Prestes e comitiva subiram a bordo do vapor
atracado no cais desse mesmo Armazém 15. Logo a seguir foram iniciadas as manobras de desatracação, enquanto em terra firme a banda do Corpo de
Bombeiros executava, por sua vez, o hino da nação.
Às 20h50, o Almirante Jaceguay iniciava sua livre navegação e 20 minutos mais
tarde passava todo iluminado em frente à Ponta da Praia. Na areia, alguns carros com faróis acesos e pequena multidão com
lenços brancos a esvoaçar; a bordo, um presidente democraticamente eleito que nunca chegaria a governar seu país.
Fora da barra, o vapor do Lloyd Brasileiro recebeu a escolta de dois cruzadores da
Marinha do Brasil, Bahia e Rio Grande do Sul, que estavam destinados a comboiar o Almirante Jaceguay até Nova Iorque, destino
final da viagem.
Júlio Prestes de Albuquerque dirigia-se a Washington em visita oficial ao presidente
norte-americano Herbert Hoover, retribuindo assim a passagem que este último fizera em nosso País em 1928.
O Almirante Jaceguay levou Prestes a Nova Iorque
Foto: cartão postal da coleção de José Carlos Rossini
Encontro com o Zeppelin - Após sair de Santos na noite do dia 23 de maio,
levando a bordo o presidente eleito da Nação brasileira, o Almirante Jaceguay escalou no dia seguinte no porto do Rio de Janeiro, onde outras
homenagens foram prestadas ao insigne cidadão.
À noite, o vapor desatracava rumo Norte. Trinta e seis horas mais tarde, ao Sul da
costa baiana, o dirigível alemão Conde Zeppelin sobrevoou perto do Almirante Jaceguay, trocando-se várias
mensagens via rádio-telégrafo entre as embarcações do comboio presidencial e outras estações em terra firme.
O Conde Zepellin sobrevoou a Baía de
Guanabara e teve festiva recepção no Rio de Janeiro
Foto: livro 100 Anos de República, vol. III, 1989, Ed. Nova Cultural, São Paulo/SP
O Conde Zeppelin encontrava-se em viagem, a primeira de um dirigível para a
América do Sul, tendo largado cabos de amarras de Friedrichshaven (Alemanha) às 17h18 do dia 18 de maio. Aterrissou em Sevilha às 17h40 do dia
seguinte, de onde sairia na manhã do dia 20 com destino ao Rio de Janeiro, via Recife. Levava a bordo 25 passageiros: seis espanhóis (inclusive o
príncipe Alfonso de Orleans), cinco alemães, cinco suíços, seis norte-americanos, um argentino e um casal de brasileiros, doutor-professor Vicente
Licínio Cardoso e esposa.
Despertando enorme curiosidade popular, a aeronave aterrissou no Campo dos Afonsos, na
então Capital Federal, às 6h30 de domingo, 25 de maio. Curta escala de apenas três horas, o suficiente para desembarque e embarque de passageiros, e
saída às 9h45, rumo Norte, para nova escala em Pernambuco e prosseguimento para Lakehurst (Estados Unidos).
Trecho do cais santista em 1935
Foto: reprodução do livro: Docas de Santos - Suas origens,
lutas e realizações, de Hélio Lobo,
Typ. do Jornal do Commercio - Rodrigues & C. - Rio de Janeiro/RJ, 1936
(acervo do historiador Waldir Rueda)
Tempos difíceis - Último ano de uma década de crescimento e derradeiro da
presidência do doutor Washington Luiz Pereira de Souza, o de 1929 havia sido um ano difícil para o Brasil, confrontado por vários problemas internos
e externos: crise industrial devida à superprodução mundial, crise agrícola com forte depreciação dos valores dos produtos, principalmente café,
crise econômica devida ao enxugamento de crédito internacional após a quebra de Wall Street, crise sanitária com o reaparecimento de grandes surtos
de febre amarela e crise política interna provocada por nascentes movimentos revolucionários.
Em dezembro de 1929, as reservas mundiais de ouro representavam no total cerca de 49
bilhões de marcos-ouro, das quais o Brasil só possuía uma ínfima porcentagem, ou seja, pouco mais de 600 milhões, o que o colocava na 13ª posição.
Em comparação, os Estados Unidos possuíam 18 bilhões, a França 7 bilhões, a Inglaterra
3 bilhões e, surpreendentemente, em 7ª posição, a Argentina, com 1,8 bilhão. Entre os outros dez primeiros países por reserva-ouro encontravam-se o
Japão (2,7 bilhões), a Alemanha (2,3 bilhões), a Espanha (2 bilhões) e a Itália (1 bilhão).
Estas eram as potências econômicas do mundo de então. Café, sempre o café como
primeiro produto na pauta Exportação do comércio exterior brasileiro; a política de produção e escoamento do café foi o grande pomo de discórdia
nacional durante a década de 20 e que resultaria no conflito interno da Revolução de Outubro de 1930. Em 1929, das sacas exportadas pelo Brasil, 90%
passariam pelo cais de Santos.
(*) José Carlos Rossini é pesquisador de assuntos
navais e marítimos, radicado em Genebra, na Suíça.
Júlio Prestes foi em 1927 eleito governador de São Paulo
Foto: livro História da República Brasileira, de Hélio Silva, 1988, Ed. Três, S.
Paulo/SP
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