PARTE I - EXPOSIÇÃO E DEBATE
II - Repulsa às injúrias do engenheiro-chefe
Os artigos do sr. dr. Saturnino de Brito têm que ser estudados sob o tríplice ponto de vista de sua
feição econômica, técnica e jurídica.
Mas o ilustre professor, apesar de seu curso de Matemática - ciência que resume a ordem
fundamental, e da sua filiação à doutrina positivista - que apregoa a necessidade essencial do método em todos os casos, quer teóricos, quer
práticos - elaborou uma longa e complicada exposição em que todos os aspectos em jogo se confundem e são discutidos a um só tempo, de maneira a ser
extremamente dificultoso estabelecermos aqueles elementos de ordem e de método, a que acima nos referimos, que Augusto Comte recomendou, e que tão
preciosos se tornam à nitidez e clareza dos graves debates.
Seremos, pois, forçados a acompanhar e comentar cada um dos seus artigos singularmente,
esforçando-nos, tanto quanto no-lo permita sua exposição desordenada, minuciosa e perluxa, por dar a nossa defesa o caráter metodizado que faltou
completamente ao seu ataque.
No artigo inicial, ele atribui, em frase desabrida e descomposta, a má vontade que supõe na Câmara
Municipal, pelos seus planos, ao criminoso interesse que tem esta de atender às conveniências de seus amigos, antes que às necessidades públicas.
É pasmosa a desenvoltura e audácia com que s.s. taxa de delinqüentes os nossos honrados
administradores locais. Com toda a certeza o ilustre engenheiro faria uma tristíssima figura diante da opinião, se fosse energicamente concitado a
positivar fatos e a declinar pessoalmente nomes.
Quando s.s. aportou a Santos, à conquista das glórias sanitárias que o encheram de ridícula
soberba, já veio encontrar aqui, com a sua reputação privada e comercial, solidamente firmada no respeito público, os honrados cidadãos que, há
cerca de 9 anos, administram, com a maior e mais segura competência, os negócios municipais. A fama que os rodeia, de homens desinteressados e
probos, adquiriram-na eles em contato cotidiano com o povo de Santos, lutando, através de longos anos de trabalho comercial inteligente, para
manterem-se dignos do conceito geral e para fomentarem o progresso coletivo do meio onde exercitam sua atividade.
As aptidões profissionais do dr. Saturnino de Brito, por mais respeitáveis que sejam, não lhe dão
parcela alguma de autoridade moral para emitir, sobre tão conspícuos cidadãos santistas, juízos deprimentes e opiniões desairosas. Só mesmo um
violento impulso de desequilíbrio cerebral, determinado pela hipertrofia do órgão do orgulho, que em s.s. atingiu exageradamente proporções
fenomenais, poderia levá-lo a claudicar a tal ponto, com irremissível descrédito para o seu nome, com profunda surpresa para o povo de Santos, e com
incalculáveis prejuízos para os seus projetos.
Com prejuízo para os seus projetos - dizemos bem e repetimo-lo. De fato, se s.s. estava convencido
de que nossa terra só pode se desenvolver eficazmente dentro da planta geral, que s.s. traçou e que ninguém lhe pediu; e se o governo da cidade
pensa que essa planta derroca, ao mesmo tempo, as leis econômicas, as leis jurídicas e as leis estéticas, e é por isso inaceitável, por inexeqüível,
quer no presente como no futuro, ainda que remoto - o seu dever seria, com o poder de seus argumentos, com a força de seu preparo, com as luzes de
sua ciência, persuadir a Câmara de que ela é que está errada e que o seu projeto está certo.
Em uma palavra: - em vez de arremeter, com adjetivos pesados e duros, contra a Municipalidade, e
de querer amedrontá-la com ameaças pueris de intervenção estadual indébita, o sr. Saturnino de Brito, lembrando-se de tantos anos de cordialidade e
harmonia fruídos entre a sua Comissão e a Câmara, devia esforçar-se por esclarecer, e convencer de seus propósitos, a sua antiga e fiel colaboradora
nas grandes obras do saneamento local.
Mas, à simples leitura do parecer n. 288, s.s. compreendeu que a sua planta era praticamente
inexeqüível e, como à bazófia do seu orgulho de sanitarista, que se presume de fama universal, era doloroso confessar os erros palmares de seu
malogrado projeto, apela para a força, para a violência, para o Governo do Estado, a fim de que este, por um ato arbitrário, inconstitucional e
despótico, venha impor a Santos, a pretexto de saneamento, uma reforma que a sua capacidade econômica não comporta e que é, além disso, atentatória
de todas as regras estéticas conhecidas.
O sr. Saturnino de Brito é um engenheiro sanitário de alta reputação; mas é só isso. Falta-lhe
qualquer competência fora da sua especialidade: s.s. nada entende da arte dificílima de projetar e construir cidades, arte em que o saber técnico
tem que recorrer, com freqüência, às luzes das especialidades auxiliares, para que uma planta, que, sobre o papel, é uma maravilha de beleza e de
conforto, não seja, na realidade, impraticável por ter desatendido às leis jurídicas em vigor e às leis correntes da economia política.
E como o seu infeliz projeto atentava contra a nossa legislação positiva e contra os nossos
recursos econômicos normais, s.s. exige uma legislação especial, espoliadora da propriedade particular, garantida em toda a sua plenitude pela
Constituição Federal; e vai até ao absurdo de querer que seja a Câmara Municipal quem reforme as atuais disposições do nosso Direito Civil e do
nosso Direito Constitucional!
Termina o chefe da Comissão do Saneamento o seu primeiro artigo, dizendo que os membros da Câmara
que aprovou o Parecer n. 288 não são os mesmos da Câmara atual; e nutre a esperança de que estes reconsiderem as conclusões do Parecer aprovado por
aqueles.
Pois sentimos bastante em levar-lhe ao coração mais este duro golpe: a Câmara atual, cuja maioria
representa, como a sua antecessora, o pensamento do Partido Municipal, de cujo seio ambas saíram, é inteiramente solidária com a administração, cujo
mandato expirou em 1913, e nada tem que reconsiderar a respeito do parecer aprovado.
Imagem: reprodução parcial da obra de
Alberto Sousa (página 14) |